Pregador da Casa Pontifícia, Frei Cantalamessa afirmou que olhar a vida do ponto de observação da morte dá uma ajuda extraordinária para viver bem
Da redação, com Vatican News
Nesta primeira sexta-feira do Advento, 4, iniciaram as meditações do pregador da Casa Pontifícia, Raniero Cantalamessa, criado cardeal pelo Papa Francisco no Consistório de 28 de novembro. As meditações são realizadas na Sala Paulo VI, com a presença do Papa Francisco, dos cardeais, arcebispos, bispos, prelados da Família Pontifícia, dos funcionários da Cúria Romana e do Vicariato de Roma, dos Superiores Gerais ou Procuradores das Ordens religiosas que fazem parte da Capela Pontifícia.
O tema para este ano – “Ensina-nos a contar os nossos dias, para que nosso coração a sabedoria alcance” – é extraído do Salmo 90,12. O Frei Cantalamessa iniciou sua meditação recordando um grande poeta, Giuseppe Ungaretti, em um seu poema no qual descreve o estado de espírito dos soldados nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial, um poema composto de apenas nove palavras:
“Nós ficamos
como no outono,
nas árvores
as folhas”.
O cardeal recordou que hoje toda a humanidade experimenta a sensação de precariedade e caducidade por conta da pandemia. “No ano marcado pelo grande e terrível ‘fato’ do coronavírus, esforcemo-nos em captar o ensinamento que daí cada um de nós pode tirar para a própria vida pessoal e espiritual”. Neste tempo, continua o pregador, as verdades eternas sobre as quais deve-se refletir são: primeiro, que todos são mortais e não têm cidade permanente; segundo, que a vida do fiel não termina com a morte, porque há a vida eterna; terceiro, que homens e mulheres não estão sós no pequeno barco do planeta, porque a ‘Palavra se fez carne e veio morar entre nós’. A primeira dessas verdades é um objeto de experiência, as outras duas são objetos de fé e esperança.
“Memento mori!”
Frei Cantalessa anuncia o tema da reflexão do dia: “Iniciemos meditando hoje sobre a primeira destas ‘máximas eternas’: a morte”. “Da morte pode-se falar de duas maneiras diversas: ou em chave kerigmática ou em chave sapiencial. O primeiro modo consiste em proclamar que Cristo venceu a morte, que ela não é mais um muro contra o qual tudo se quebra, mas uma ponte rumo à vida eterna. O modo sapiencial ou existencial consiste, ao invés, em refletir sobre a realidade da morte tal como ela se apresenta à experiência humana, com o objetivo de trazer daí lições para bem viver”. “É a perspectiva em que nos colocamos nesta meditação”.
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A chave sapiencial, explica o novo cardeal, é o modo em que se fala da morte no Antigo Testamento e, em particular, nos livros sapienciais: “Ensina-nos a contar os nossos dias, para que nosso coração a sabedoria alcance”, pede a Deus o salmista (Sl 90, 12). Tal maneira de olhar a morte não termina com o Antigo Testamento, mas continua também no Evangelho de Cristo. O Cardeal recordou sua admoestação: “Vigiai, portanto, pois não sabeis o dia, nem a hora” (Mt 25, 13), a conclusão da parábola do rico que projetava construir celeiros maiores para a sua colheita: “Insensato! Ainda nesta noite vão tomar a tua vida. E o que acumulaste, para quem será?” (Lc 12, 20).
Tal modo sapiencial de falar da morte se encontra em todas as culturas, não apenas na Bíblia e no cristianismo, explica Cantalamessa. “Está presente, secularizado, também no pensamento moderno”. O prelado cita dois pensadores cuja influência ainda é forte culturalmente. O primeiro é Jean-Paul Sartre que inverteu a relação clássica entre essência e existência, afirmando que a existência vem antes, e é mais importante da essência. E o pensamento de outro filósofo, Martin Heidegger, que também parte de premissas análogas e se move no mesmo viés do existencialismo. Santo Agostinho também antecipara esta intuição do pensamento moderno sobre a morte, afirma o cardeal, mas para daí tirar uma conclusão totalmente diversa: “não o niilismo, mas fé na vida eterna”.
Na escola da “irmã morte”
O pregador da Casa Pontifícia constata que, no avançar da tecnologia e das conquistas da ciência, a humanidade corria o risco de ser como aquele homem da parábola que diz para si mesmo: “Minh’alma, tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe diverte-te!” (Lc 12,19). “A presente calamidade veio para nos recordar de que bem pouco depende do homem “projetar” e decidir o próprio futuro”.
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A consideração sapiencial da morte conserva, depois de Cristo, a mesma função que tem a lei depois da vinda da graça, aponta o prelado. “Também ela serve para guardar amor e a graça”. Frei Cantalamessa sugere: “Olhar a vida do ponto de observação da morte dá uma ajuda extraordinária para viver bem. Está angustiado por problemas e dificuldade? Vá à frente, coloque-se no ponto certo: olhe estas coisas do leito de morte. Como gostaria de ter agido? Qual importância daria a estas coisas? Tem uma discórdia com alguém? Olhe a coisa do leito de morte. O que gostaria de ter feito então: ter vencido, o ter se humilhado? Ter prevalecido, ou ter perdoado?”. E afirma: “O pensamento da morte nos impede de nos apegarmos às coisas, de fixar aqui na terra a morada do coração, esquecendo de que “não temos aqui cidade permanente”.
“A Irmã Morte é realmente uma boa irmã mais velha e uma boa pedagoga. Ensina-nos tantas coisas, se apenas soubermos escutá-la com docilidade.” Cantalamessa continuou: “Tenho em mente um outro âmbito em que temos a necessidade urgente da Irmã Morte como mestra, além do campo ascético: a evangelização. O pensamento da morte é quase a única arma que nos ficou para mover-nos do torpor de uma sociedade opulenta, à qual aconteceu o mesmo que ao povo eleito libertado do Egito”.
Evangelização e morte
O questionamento acerca do sentido da vida e da morte desempenhou uma tarefa notável na primeira evangelização da Europa, ou seja, que os homens devem morrer, ponderou o prelado. “Foi o questionamento posto pela morte que abriu caminho ao Evangelho, como uma brecha sempre aberta no coração do homem. A recusa da morte, não o instinto sexual, é a base de toda ação humana, escreveu um conhecido psicólogo contra Freud”, recorda o cardeal.
“Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal”
Por fim, Cantalamessa questiona: “Mas como voltamos a ter medo da morte? Jesus não veio para ‘libertar os que, por medo da morte, estavam a vida toda sujeitos à escravidão’” (Hb 2,15)? Sim, respondeu o cardeal, mas é preciso ter conhecido este medo para dele ser libertado. Jesus veio para ensinar o medo da morte eterna àqueles que não conheciam além do medo da morte temporal.
“A ‘segunda morte’, assim a chama o Apocalipse (Ap 20,6); ela é a única que merece realmente o nome de morte, porque não é uma passagem, uma Páscoa, mas um terrível terminal. É para salvar os homens desta desgraça que devemos voltar a pregar sobre a morte”. Citando o exemplo de Francisco de Assis que conheceu como ninguém o rosto novo, pascal, da morte cristã. Também o Apóstolo Paulo “Ai daqueles que morrerão em pecado mortal! “O aguilhão da morte é o pecado”.
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“Instituindo a Eucaristia”, conclui Frei Cantalamessa, “Jesus antecipou a própria morte. Nós podemos fazer o mesmo. Antes, Jesus inventou este meio para nos fazer partícipes de sua morte, para nos unir a si. Participar da Eucaristia é o modo mais verdadeiro, mais justo e mais eficaz de ‘nos prepararmos’ para a morte. Nela, celebramos a nossa fé e a oferecemos, dia após dia, ao Pai. Na Eucaristia, nós podemos elevar ao Pai o nosso ‘amém, sim’, ao que nos aguarda, ao gênero de morte que ele irá querer permitir para nós. Nela, nós ‘fazemos testamento’: decidimos a quem deixar a vida, por quem morrer”.
(Traduzido do italiano por P. Ricardo Farias)