Mestre em Ciências Bíblicas lembra documentos e iniciativas dos Papas ao longo da história da Igreja para que fiéis tenham maior contato com a Palavra de Deus
Julia Beck
Da redação
“A Bíblia possui um lugar especial na Igreja”. É o que afirma, no contexto do Mês da Bíblia, o membro da Comunidade Canção Nova e mestre em Ciências Bíblicas e Arqueologia pela Pontifícia Universidade Antoniana, padre Antônio Xavier Batista.
Perito da Comissão de Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e professor de Sagrada Escritura nos seminários de Brasília (DF) e Palmas (TO), o sacerdote ressalta que a Bíblia é, ao mesmo tempo, a fonte e o fruto da Igreja.
“Fonte porque depois de concluída tornou-se a base incontornável de nossa fé e fruto porque ela foi escrita dentro da Igreja e pela Igreja obviamente sob a inspiração divina e no contexto daqueles que nos precederam”, explica.
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Padre Xavier frisa que a Palavra de Deus é fruto maduro da experiência de fé do povo de Deus, fonte de experiência com Deus e conduta para a vida dos cristãos como um todo.
Incentivo dos Papas
Especialmente a partir do século XIX, o sacerdote afirma que é possível perceber o incentivo por parte dos Papas para que os fiéis tivessem um maior contato com a Bíblia. A partir deste período já havia uma vasta quantidade de bíblias impressas. O sacerdote explica que antes da imprensa de Gutemberg, no século XIV, e do amplo processo de alfabetização esse incentivo era praticamente impossível.
“A partir desses incentivos surgiram escolas para estudo e ensino da Bíblia e pequenos manuais para ajudar também na leitura pessoal, isso para além da sempre incentivada leitura orante ou espiritual presente desde os primeiros séculos da Igreja. Era o início do processo que depois continuou sendo incentivado e aprimorado pelos papas posteriores”, relata.
Papa Leão XIII e a Pontifícia Comissão Bíblica
A Pontifícia Comissão Bíblica foi criada em 1902 pelo Papa Leão XIII. Padre Xavier afirma que este organismo da Igreja tem como propósito promover eficazmente entre os católicos o estudo bíblico.
“Ela também visa contrastar, com meios científicos, as opiniões erradas em matéria de Sagrada Escritura e estudar e iluminar questões debatidas e problemas emergentes em campo bíblico”, complementa.
Ao todo, a Pontifícia Comissão Bíblica publicou 38 documentos nesses 119 anos de existência.
Documentos no Papado de João Paulo II
Durante o pontificado do Papa João Paulo II, a Pontifícia Comissão Bíblica publicou dois documentos importantes a respeito da Bíblia. Foram eles: “A Interpretação da Bíblia na Igreja” e “O povo Judeu e as suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã”.
Esses dois documentos tiveram motivações bem particulares, aponta padre Xavier. O mestre em Ciências Bíblicas destaca que “A Interpretação da Bíblia na Igreja”, publicada em 1993, tem como intuito de esclarecer o problema da leitura fundamentalista da Bíblia.
Esse tipo de leitura, prossegue o sacerdote, gera muitos problemas. “Porque se cada um interpreta como quer, segundo suas intuições, por fim perde-se o sentido essencial ou literal da Bíblia onde realmente está a revelação de Deus”, alerta.
A leitura pessoal para proveito espiritual é uma boa prática, acrescenta o membro da Canção Nova, mas precisa respeitar a intenção verdadeira de cada texto jamais se sobrepondo.
O outro documento, “O povo Judeu e suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã”, publicado em 2001, tem como principal objetivo explicar a relação entre o Antigo Testamento, a Bíblia hebraica, e o Novo Testamento que é cristão, pontua o sacerdote.
“As principais conclusões são que o Novo Testamento reconhece a autoridade do Antigo como revelação divina e não pode ser compreendido sem a estreita relação com esse. Mas também existem diferenças de interpretação, obviamente porque a maior parte dos judeus não reconheceu em Jesus o Messias. Digo uma parte porque tanto Jesus, Maria e os discípulos eram judeus, bem como a primeira comunidade. O documento examina essas questões expondo soluções na sua interpretação”, completa.
Exortação Apostólica de Bento XVI
O Papa Bento XVI convocou em 2009 um Sínodo dos Bispos dedicado à Palavra de Deus. Das conclusões desse Sínodo, ele escreveu a exortação apostólica “Verbum Domini”.
Padre Xavier reforça que o hoje Papa Emérito sempre foi muito atento e dedicado ao estudo da Bíblia, sendo essa a principal motivação de convocar um Sínodo exclusivamente para tratar da relação entre a Palavra de Deus e a Igreja.
“É um documento lindo, de fácil compreensão e de leitura essencial. Seu objetivo é pastoral, ou seja, iluminar assuntos importantes e confrontar aqueles equivocados”, destaca o presbítero.
O mestre em Ciências Bíblicas comenta que Bento XVI dividiu esse documento em três partes chamando-as de: A Palavra de Deus; A Palavra na Igreja e; A Palavra no Mundo.
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Na primeira parte, o sacerdote recorda que o Papa se dedica a expor a importância da Palavra de Deus e das diversas formas possíveis de estudo da Bíblia denunciando também falsas interpretações e incentivando o ecumenismo.
Na segunda parte, padre Xavier sublinha que Bento XVI fala da Bíblia na liturgia e a relação vital que cada fiel precisa ter com ela para crescer na fé, propondo a criação de grupos de estudos.
“Por fim, na terceira parte, o Papa fala do trabalho missionário da Igreja em proclamar a Palavra de Deus no mundo nos mais diversos âmbitos, objetivando construir assim um mundo mais fraterno e comprometido com todos”, ressalta.
Papa Francisco e a instituição do Domingo da Palavra de Deus
No papado de Francisco, a atenção à Bíblia foi reforçada com a instituição do Domingo da Palavra de Deus. Essa inciativa importante é bem recente. A data foi instituída em 30 de setembro de 2019, em comemoração aos 1600 anos da morte de São Jerônimo.
No ano passado, a Igreja começou a celebrar este dia sempre no terceiro domingo do tempo comum, quando se lê, em um dos evangelhos, o início da pregação pública de Jesus.
Nesse domingo, padre Xavier reforça que se deve dar uma especial atenção à temática da Bíblia, colocando-a em evidência nas celebrações, falando de sua importância e promovendo grupos de estudos.
“Vale lembrar que o mês da Bíblia existe apenas no Brasil, por isso, essa iniciativa do Papa Francisco é a única que toca a Igreja em sua totalidade. De certa forma, é uma proposta para a Igreja inteira viver em um dia aquilo que no Brasil buscamos viver em todo o mês de setembro”, acrescenta.
Estudo da Bíblia
Como mestre em Ciências Bíblicas, padre Xavier comenta que há duas formas diferentes de estudo da Palavra de Deus: a leitura orante e o estudo mais científico.
O estudo mais científico não é possível à grande parte das pessoas porque exige muita preparação, precisando, inclusive, conhecer bem as línguas originais, explica. Assim, exige uma formação específica de anos.
Quanto ao estudo pastoral, o sacerdote recomenda aos fiéis que leiam bons livros sobre a Sagrada Escritura, busquem ler a própria Bíblia gradualmente, sem pressa e utilizando algum esquema de lectio divina ou leitura orante.
“É superimportante utilizar um esquema de estudo. Graças a Deus temos vários propostos seja por Santo Inácio de Loyola, pelo Padre Jonas Abib (A Bíblia no meu dia a dia) seja tantos outros propostos pelas mais diversas famílias religiosas”, recomenda.
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Esses esquemas, recorda o sacerdote, propõem passos a serem cumpridos a partir da leitura e ajuda a conhecer e aplicar melhor os ensinamentos da Bíblia. “Vale lembrar também que cada versículo precisa ser compreendido em seu contexto já que algumas partes da Bíblia são bem complexas”.
“Por fim, acho que vale a pena ressaltar que a leitura da Bíblia não deve ser focada em sanar curiosidades, mas deve-se buscar ir se descobrindo e confrontando com quanto lido para assim ir conformando a vida à vontade de Deus. Sem isso, estudar a Bíblia não traz nenhum proveito prático e espiritual para nossa vida, seria apenas conhecimento teórico sobre os textos, mas sem deixar em nós seus frutos”, conclui.