Na presença do Papa, o pregador da Casa Pontifícia realizou a segunda Pregação do Advento
Da redação
Nesta sexta-feira, 10, o pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa propôs à Cúria Romana reunida na Sala Paulo VI a segunda Pregação do Advento.
Frei Cantalamessa começou citando um trecho de um testamento espiritual de um bispo chamado Abércio, que viveu por volta do II século. Nele, o autor resume toda a sua experiência de fé cristã, e fala sobre Jesus, o pastor, e a Igreja, suas ovelhas. Aos olhos de Abércio, Roma não é tanto a capital do Império (que, naquele momento, também se encontrava no apogeu de sua potência), mas “a realeza” de um outro reino, o centro espiritual da Igreja. Um relato que fala sobre o entusiasmo que recebe quem encontra a fé.
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“Para ele, tudo isso não é realmente nada dado por certo! É a verdadeira novidade do mundo e da história. É justamente por este motivo que o recordei: porque é o sentimento de que mais temos necessidade de redescobrir, nós, os cristãos de hoje. Trata-se, ainda uma vez, de olhar os vitrais da catedral a partir de dentro, ao invés da via pública.”
O religioso afirmou que, também ele, em sua vida pastoral, encontrou este povo ‘novo’, que tem como cabeça, o Cristo.
“A Igreja é feita de santos e de pecadores. Pecado e santidade estão presentes cada um de seus membros, não apenas em uma ou outra categoria deles. É justo, portanto, que nos entristeçamos e choremos pelos pecados da Igreja, mas é também justo e um dever nos alegrarmos pela sua santidade e sua beleza. Vez ou outra escolhemos fazer esta segunda coisa, que hoje talvez seja mais difícil e mais negligenciada.”
A prova de que somos filhos de Deus
O cardeal citou o texto de Gálatas meditado na última pregação, que afirma que todos são filhos e herdeiros de Deus, por Sua Graça.
“De fato, vós não recebestes um espírito de escravos, para recairdes no medo, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, no qual todos nós clamamos: Abá – ó Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espírito para nos atestar que somos filhos de Deus.” (Rom 8, 15-16)
“Da outra vez, eu falava da importância da Palavra de Deus para saborear a doçura de nos sabermos filhos de Deus e experimentar Deus como bom pai. São Paulo nos diz agora que há um outro meio, sem o qual também a Palavra de Deus parece insuficiente: o Espírito Santo!”
Frei Cantalamessa lembrou que muitas vezes se acredita, se tem a fé, mas não se vive isso com o coração.
“Como mudar esta situação? A resposta nos foi dada pelo Apóstolo: o Espírito Santo! Não apenas o Espírito Santo que recebemos no batismo, mas aquele que devemos pedir e receber sempre de novo. O Espírito “atesta” que somos filhos de Deus; atesta agora, não “atestou”, entende-se uma vez por todas no batismo. Busquemos, portanto, entender como o Espírito Santo opera este milagre de abrir os nossos olhos sobre a realidade que trazemos dentro.”
A visão de Deus
E citou um discurso para Pentecostes feito por Lutero, em que afirmava que enquanto o homem vive em regime de pecado, sob a lei, Deus lhe parece um patrão severo, alguém que se opõe à satisfação de seus desejos com os seus autoritários: “Você deve.., você não deve. Não deve desejar as coisas dos outros, a mulher dos outros…” Neste estado, lembra, o homem acumula no fundo do coração um surdo rancor contra Deus, ele o vê como um adversário da sua felicidade, ao ponto que, se dependesse dele, seria bem feliz que não existisse.
O Frei ressaltou que, ao contrário de parecer uma afirmação exagerada, de grandes pecadores, esse sentimento é perceptível em grande parte dos cristãos. E contou que, muitas vezes, em suas pregações, reflete sobre o Pai Nosso, e questiona aos presentes quais sentimentos, associações de ideias surgem espontaneamente quando se chega às palavras: “seja feita a vossa vontade”.
“Não é difícil perceber que, inconscientemente, vincula-se a vontade de Deus a tudo o que é desagradável, doloroso, e tudo o que constitui uma prova, uma exigência de renúncia, um sacrifício, a tudo o que, enfim, pode ser visto como mutilador da nossa liberdade e desenvolvimento individuais. Pensa-se em Deus como se ele fosse essencialmente inimigo de toda festa, alegria, prazer. Se, naquele momento, pudéssemos olhar a nossa alma como em um espelho, nós nos veríamos como pessoas que baixam a cabeça resignados, murmurando entre os dentes: “Se não podemos evitar… então, seja feita a vossa vontade”.”
O pregador afirmou que o Espírito Santo é quem pode curar os fiéis desse engano, dessa visão equivocada, e mostrar um rosto diverso de Deus.
“Desagua pouco a pouco em nós o sentimento filial que se traduz espontaneamente no grito: Abá, ó Pai! Como Jó no final de sua história, exclamamos: “Meus ouvidos ouviram falar de ti, mas agora meus próprios olhos te viram.” (Job 42,5). O filho tomou o lugar do escravo e o amor, o do temor! O homem deixa de ser o antagonista de Deus e se torna seu aliado. A aliança com Deus não é mais apenas uma estrutura religiosa em que se nasce, mas uma descoberta, uma escolha, uma fonte de segurança inabalável: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (cf. Rm 8,31).”
A oração dos filhos
“O lugar privilegiado em que o Espírito Santo opera sempre de novo o milagre de nos fazer sentirmo-nos filhos de Deus é a oração. O Espírito não dá uma lei de oração, mas uma graça de oração. A oração não vem a nós, primariamente, por aprendizagem exterior e analítica, mas vem a nós por infusão, como dom.”
O religioso afirma que é o Espírito Santo, portanto, que infunde no coração o sentimento da filiação divina, que faz com que a pessoa se sinta filha de Deus.
Às vezes, esta operação fundamental do Espírito se realiza de modo repentino e intenso na vida de uma pessoa, e assim se pode contemplar todo o esplendor. Na ocasião de um retiro, de um sacramento recebido, de uma palavra de Deus escutada com coração disponível, na ocasião da oração para a efusão do Espírito (o chamado “batismo no Espírito”), a alma é inundada de uma luz nova, na qual Deus se revela a ela, de um modo novo, como Pai.
“Quando se fala da exclamação “Abá, ó Pai!”, nós costumamos pensar apenas em que tal palavra significa para quem a pronuncia, no que se refere a nós. Não se pensa quase nunca no que ela significa para Deus, que a escuta e no que produz nele. Não se pensa, enfim, na alegria de Deus em ouvir ser chamado de papai. Mas é pai, sabe o que se experimenta ao ouvir ser chamado assim com o timbre de voz do próprio filho ou da própria filha. É como se tornar pai a cada vez, pois cada vez aquele grito o recorda lhe faz perceber quem você é; chama à existência a parte mais recôndita de você mesmo.”
Auxiliador
Frei Cantalamessa afirmou que é justamente no tempo de aparente distanciamento de Deus e de aridez que se descobre toda a importância do Espírito Santo para a vida de oração.
“Ele – não visto e não ouvido por nós – “vem em socorro da nossa fraqueza”, preenche as nossas palavras e os nossos gemidos de desejo de Deus, de humildade, de amor, e “aquele que penetra o íntimo dos corações sabe qual é a intenção do Espírito” (cf. Rm 8,26-27). O Espírito se torna, assim, a força da nossa oração “fraca”, a luz da nossa oração apagada; em uma palavra, a alma da nossa oração. Realmente, ele “rega o que é seco”, como dizemos na sequência em sua honra.” E tudo isso acontece por fé.
Veni Creator
O pregador da Casa Pontifícia refletiu ainda sobre o papel do Espírito Santo, e a importância de fundamentar tudo Nele.
“Não basta recitar um Pai Nosso, Ave Maria e Glória, no início de nossas reuniões pastorais, para depois passar rápida e impetuosamente à agenda do dia. Quando as circunstâncias o permitem, é preciso permanecer um pouco expostos ao Espírito Santo, dar-lhe tempo de se manifestar. Sintonizar-se com ele.”
Frei Cantalamessa finalizou lembrando que a Igreja hoje vive uma experiência sinodal, e que o hino Veni Creator Spiritus, desde o século IX, é entoado incessantemente na cristandade, como uma epiclese prolongada sobre toda a criação e sobre a Igreja.
“A partir dos primeiros anos do segundo milênio, a cada ano novo, cada século, cada conclave, cada concílio ecumênico, cada sínodo, cada ordenação sacerdotal ou episcopal, cada reunião importante na vida da Igreja, são inaugurados com o canto deste hino. Ele tem se carregado de toda a fé, a devoção e o ardente desejo do Espírito das gerações que o cantaram antes de nós. E agora, quando é cantado, também pelo mais modesto coro de fiéis, Deus o escuta assim, com esta imensa “orquestração” que é a comunhão dos santos.”