A memória litúrgica do santo fundador da Sociedade Salesiana é comemorada neste 31 de janeiro, em que também recordamos os 200 anos de um de seus sonhos proféticos mais célebres
Thiago Coutinho
Da redação
Neste 31 de janeiro, a Congregação Salesiana celebra a memória litúrgica de seu fundador, João Melchior Bosco, conhecido entre os fiéis católicos singela e simplesmente como Dom Bosco. Célebre por seu amor e dedicação à juventude, Dom Bosco recebia muitas mensagens e inspirações divinas por meio de sonhos — vários deles, algum tempo depois, confirmaram-se.
E um desses seus sonhos mais ilustres, O Sonho dos Nove Anos, completa seu bicentenário neste ano. Foi neste sonho, quando tinha apenas 9 anos de idade, que Dom Bosco teve a revelação de que sua obra junto à Igreja seria cuidar dos jovens.
“Alguns riam, outros divertiam-se, não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio deles, tentando, com socos e palavras, fazê-los calar”, relata o santo. Um homem surge com um manto branco, chama por Dom Bosco e profetiza: “Não é com pancadas, mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude”.
“O Sonho dos Nove Anos é mesmo profético e programático na vida de Dom Bosco”, afirma padre Maurício Tadeu Miranda, vice-inspetor da Inspetoria Salesiana de São Paulo. “Foi a partir dele que o fundador da Família Salesiana viu contemplada sua missão de educador e evangelizador. Este sonho é a síntese de tudo o que Dom Bosco viveu ao longo de sua vida”.
“Aos poucos, Dom Bosco se convenceu de que sua vida não mais lhe pertencia; ela seria total e unicamente vivida a serviço dos jovens pobres e abandonados”, detalha dom Hilário Moser, bispo emérito da Diocese de Tubarão. “A presença de Jesus e de Maria que, no sonho, confiavam-lhe a missão de salvar os jovens, nunca foi para Dom Bosco uma presença meramente ‘sonhada’, mas uma presença ‘vivida’ e ‘sentida'”, acrescenta o bispo emérito.
Este sonho é uma espécie de norte para os salesianos até hoje. “É uma inspiração para toda a Família Salesiana para realizarmos nossa missão em continuidade à missão que o próprio Deus entregou a Dom Bosco”, pondera o prelado.
Os sonhos e seus significados
Os sonhos de Dom Bosco são memoráveis. Muitos deles deixaram lições e exemplos para gerações que se seguiram após sua morte. Nem todos os sonhos, porém, podem ser considerados proféticos ou alertas divinos. “Creio que é preciso um discernimento à luz da vontade de Deus”, alerta padre Maurício.
“Por outro lado, por que Deus não poderia servir-se deles para manifestar Sua vontade?”, indaga dom Hilário. “A Bíblia nos dá diversos testemunhos desta verdade: basta lembrar o caso de São José, que, em sonhos, foi orientado a agir conforme os planos divinos”.
O discernimento com relação a estes sonhos depende de alguns fatores, como aponta o bispo emérito. “O discernimento da vontade divina exige humildade, oração, aconselhamento, disponibilidade… o que, às vezes, significa também grande sofrimento para a pessoa desvendar o caminho de Deus a seguir. No caso de Dom Bosco, essencial foi o discernimento realizado por ele em sintonia com seu confessor e orientador espiritual São José Cafassa”.
É bom ressaltar que, nesses casos, Deus não pode ser apontado como um instrumento e ser utilizado de maneira errônea, como alerta dom Hilário. “Deus não pode ser instrumentalizado com leviandade, apelando imediatamente ao sobrenatural. A Igreja é muito prudente nesse campo”, assevera.
O legado
Foi em 31 de janeiro de 1888 que Dom Bosco deixou este mundo. Seu legado à comunidade cristã e ao mundo todo persiste. “O legado de Dom Bosco é oferecer à Igreja e à sociedade um carisma atualíssimo, pelo qual se pode educar e evangelizar as novas gerações para que sejam bons cristãos e cidadãos honestos”, pondera padre Maurício.
“Dom Bosco faz a diferença neste nosso mundo, sim”, ressalta dom Hilário. “Ele continua a viver em meio aos jovens do mundo inteiro. Em qualquer lugar do mundo, basta pronunciar o nome de Dom Bosco que muitos olhos brilham e sorrisos se abrem”, reitera.
Salesianos e a Canção Nova
Este ano, a Canção Nova celebrou 15 anos desde que foi anunciada sua união à Congregação Salesiana — fato que o finado Monsenhor Jonas Abib nunca escondeu alegrá-lo muito. “Como é sabido, Mons. Jonas, em sua juventude e primeiros anos de sacerdócio, recebeu formação salesiana. É compreensível, portanto, que A Canção Nova, fundada por ele, entre outras características, possua também a do carisma e do espírito de Dom Bosco”, recorda Dom Hilário.
“A árvore boa se conhece pelos frutos (cf. Lc 6,44): a Canção Nova é fruto da identificação de seu fundador com o carisma salesiano”, emenda padre Maurício.
Dom Bosco nos dias de hoje
Dom Bosco doou sua vida em prol das crianças e dos marginalizados, como atesta sua biografia. Mas, como seria se ele estivesse vivo e atuando nos dias de hoje?
“Como disse anteriormente, o carisma salesiano continua sendo necessário e urgente se quisermos construir uma geração nova para um mundo novo. Nesse sentido, entendo que o Dom Bosco seria recebido em nosso mundo como uma real e adequada proposta de transformação dos corações e da sociedade, exatamente como, nós, seus filhos espirituais, somos acolhidos hoje”, diz padre Maurício.
“Dom Bosco dizia que ‘queria estar sempre na vanguarda do progresso'”, relembra Dom Hilário. “Com os meios disponíveis em nosso mundo desenvolvido, particularmente nos domínios da comunicação social, podemos imaginar como a criatividade de Dom Bosco saberia inventar mil maneiras de fazer o bem aos jovens, particularmente aos mais pobres e marginalizados”, supõe, num breve exercício de predição, o bispo.
Mas, será que não haveria dificuldades, mesmo para um cristão como Dom Bosco, que sempre se dedicou às causas divinas e proteção dos menos favorecidos, seguir evangelizando nos dias de hoje?
“É claro que o Evangelho incomoda também”, atesta, sem rodeios, padre Maurício. “Mas Dom Bosco sempre olhou o mundo como uma possibilidade, um campo em que fora chamado a semear. Se fosse vivo, penso que ele faria o mesmo! É por isso que, nós, Família Salesiana, procuramos imitá-lo: não virar as costas ao mundo, mas interagir com ele, propondo-o a bela notícia do Evangelho”, finaliza.