Mês da Bíblia

"Igreja não é dona, mas serva da Palavra de Deus", diz padre

Especialista em Bíblia, padre Bruno Guimarães de Miranda, explica o complexo processo de escrita da Palavra de Deus ao longo de séculos

Denise Claro
Da redação

catequista

Igreja no Brasil dedica o mês de setembro à Palavra de Deus./ Foto-joaogbjunior-por-Pixabay

A Igreja no Brasil dedica o mês de setembro à Palavra de Deus. O Mês da Bíblia é assim comemorado desde 1971, e vive neste ano o Jubileu de 50 anos.

Padre Bruno Guimarães de Miranda, da arquidiocese de Niterói (RJ), é especialista em Bíblia e comenta sobre o complexo processo de escrita da Palavra de Deus. 

“Existem inúmeras teorias, porque é um processo que percorre séculos, talvez até milênios. Os textos não são todos do mesmo século, especialmente do Antigo Testamento.”

O padre lembra que há histórias na Bíblia que foram sendo narradas e passadas de geração em geração até ganharem uma escrita, uma documentação.

“O Pentateuco, por exemplo, que são os cinco primeiros livros, era atribuído a Moisés, mas que está claro que foi escrito à “muitas mãos”. Nos Salmos a mesma coisa, eram atribuídos a Davi, um tesouro de oração. Mas está claro que não foram todos escritos por Davi. Há alguns mais antigos, outros da época do reinado de Davi. São tempos diferentes, com uma outra teologia, abordagem de tradições, um outro entendimento sobre as questões.”

O especialista reforça que o mais importante é que a Igreja nunca deixou de reconhecer ali uma Palavra inspirada. “Feita por homens, verdadeiros autores, mas que foram inspirados por Deus a dizer o que Ele mesmo queria que o homem soubesse.”

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Antigo Testamento

A Palavra de Deus é caminho até Cristo. Através da Palavra de Deus, a humanidade é conduzida a Cristo. Todo o Antigo Testamento faz essa trajetória. 

Padre Bruno recorda a passagem da Carta aos Hebreus, que diz que “muitas vezes e de muitos modos falou Deus aos nossos pais. Nesses dias, falou-nos por meio do Seu Filho”. Aos discípulos de Emaús, Jesus recordou o caminho que já apontava ser necessário que Ele passasse por este sofrimento, explicando desde Moisés e os profetas os sinais de tudo o que iria acontecer. 

Houve momentos-chave de reunião desses fragmentos e de documentação, até que os textos fossem consolidados. Padre Bruno cita, como exemplo, a época do Rei Davi, depois com os profetas, na volta do Exílio. Depois na Restauração com Esdras, Israel cuida de agregar seus textos sagrados. 

Novo Testamento

Apesar do processo de escrita do Novo Testamento ser bem mais simples, há vários livros. Alguns textos são questionados se é de um ou de outro autor, mas padre Bruno explica que a canonicidade não é questionada. 

“Existem alguns métodos mais diacrônicos, que vão tentar levar em conta isso, acréscimos, um texto um pouco mais antigo/ arcaico. Um estudo que é válido para saber reconhecer os textos. Estudos apontam que a escrita do Novo Testamento deve ter durado menos de 100 anos.”

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Reconhecimento e traduções 

Padre Bruno explica que as sinagogas tinham os textos sagrados, e depois da ruptura, as Igrejas cristãs passaram a ter os primeiros documentos. Esses textos eram partilhados nas assembleias, e começaram a ser reconhecidos pelos cristãos como a fé que eles receberam dos apóstolos.

“Os primeiros cristãos reconheceram, naqueles textos, a sua fé. É a Igreja que fundamenta a Bíblia, e não o contrário. A Bíblia é Palavra de Deus, inspirada. E a Igreja serve à Palavra, a Igreja não é dona. Mas o que dá base e sustentação de reconhecer que aquele é um texto sagrado é a Igreja. De receber aquela Palavra como fiel depositária, guardar, e anunciar a Palavra de Deus.”

Padre Bruno Guimarães de Miranda, da Arquidiocese de Niterói (RJ), é especialista em Biblia./ Foto: Arquidiocese de Niterói

Quanto às traduções, o sacerdote afirma que há inúmeras e são feitas por estudiosos, e é preciso recorrer aos textos originais. 

“O Antigo Testamento em hebraico, e alguns textos em grego. É preciso recorrer aos originais para se fazer um estudo sério, uma análise dos termos e dos textos para fazer uma boa tradução. Também deve-se levar em conta as traduções já existentes e fazer uma comparação, ver se mantém os termos ou propor termos novos.”

Curiosidade

Padre Bruno ressalta que uma coisa que é importante comentar e que muita gente não sabe é que mesmo o texto original da Bíblia não é “O texto bíblico”. Não existe um texto bíblico original. Existem milhares de fragmentos e manuscritos, e é com base nesses manuscritos que vai se criar uma tradução eclética. 

“Só do Novo Testamento são cerca de 5.700 manuscritos que contém o Novo Testamento ao todo ou em partes. São papiros, pergaminhos. E há toda uma classificação. Somente os ‘maiúsculos’, que contém o texto todo, são mais de 300. Existem cerca de 200 a 300 mil variantes textuais dos versículos originais. Apesar dos copistas transcreverem, sempre tem algumas variantes, que às vezes são significativas. A análise é feita em cima de muitos critérios, como crítica textual, antiguidade, elaboração daquele texto, comparação, para procurar o texto mais confiável.”

É um trabalho de pesquisa e análise muito elaborado. “Por fim, é importante dizer que este processo todo não fere em nada a canonicidade e a inspiração desses textos. A Igreja deve se relacionar com a Bíblia não como dona, mas como serva. Ter a Bíblia não no bolso, mas diante dos olhos, como quem se inclina sobre ela, abre a Escritura, a estuda, e a anuncia.”

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