Promulgado por São João XXIII, o texto surgiu no auge da tensão nuclear da Guerra Fria; em um mundo com tantas guerras, permanece atual
Da Redação, com Vatican News
Nesta terça-feira, 11, completam-se 60 anos desde a publicação da carta encíclica Pacem in Terris, do Papa João XXIII. À época, o mundo estava à beira de um conflito nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética. Então, o Sumo Pontífice transmitiu seu apelo de paz a todo mundo, em palavras que reverberam até os dias atuais.
Um mundo à beira da guerra
Desde o final da 2ª Guerra Mundial, em 1945, o planeta foi basicamente dividido em dois blocos, que se alinhavam às duas potências geopolíticas mundiais, os Estados Unidos e a União Soviética. Na disputa pelo domínio, os dois países desenvolveram armas nucleares, e se prepararam para uma possível nova guerra.
A tensão alcançou níveis alarmantes em outubro de 1962, quando os Estados Unidos mudou seu estado de alerta para DEFCON 2, o nível imediatamente abaixo da guerra atômica. Foi nesse contexto que o Papa João XXIII entrou em ação, suplicando paz aos governantes por meio de uma mensagem radiofônica no dia 25 daquele mês.
“Com a mão na consciência, ouçam o grito angustiado que de toda parte da terra, das crianças inocentes aos idosos, dos indivíduos às comunidades, sobe ao Céu: Paz! Paz!”
Surge o embrião da Pacem in Terris
A partir daquela mensagem, desencadeou-se um processo criativo. O Monsenhor Pietro Pavan – especialista em Doutrina Social da Igreja, que mais tarde o Papa João Paulo II criaria cardeal – escreveu o primeiro rascunho da encíclica. João XXIII o submeteu a várias revisões, até que o texto foi apresentado em 11 de abril de 1963.
O Papa viria a falecer menos de dois meses depois da divulgação da Pacem in Terris, mas enquanto ainda esteve neste mundo, não deixou de falar sobre aquela mensagem. Além disso, pela primeira vez, uma encíclica não se dirigia apenas aos bispos, presbíteros e fiéis da Igreja, mas “aos homens de boa vontade” em todo o mundo.
Entre vários pontos importantes, no número 112, João XXIII assinala: “A justiça, a reta razão e o sentido da dignidade humana terminantemente exigem que se pare com essa corrida ao poderio militar, que o material de guerra, instalado em várias nações, se vá reduzindo duma parte e doutra, simultaneamente, que sejam banidas as armas atômicas; e, finalmente, que se chegue a um acordo para a gradual diminuição dos armamentos, na base de garantias mútuas e eficazes”.
A mensagem é direta. Após sua promulgação, no dia 13 de abril, Domingo de Páscoa, o Papa continua com seu apelo, e torna a se pronunciar pelo meio radiofônico. Citando a palavra “paz” cerca de 30 vezes, João XXIII afirma que a Pacem in Terris é “nosso presente de Páscoa”, e encerra a transmissão com a oração:
“Ilumina os governantes dos povos para que, ao lado de sua justa preocupação pelo bem-estar de seus irmãos, possam garantir e defender o grande tesouro da paz; ilumina o desejo de todos para superar as barreiras que dividem, para fortalecer os laços da caridade mútua, para estar prontos para compreender, para ter pena, para perdoar”.
O legado de João XXIII
Mesmo que provado pela doença e pelo cansaço, João XXIII, naquele que seria seu último compromisso oficial, se manteve firme na divulgação da sua mensagem. Em 11 de maio daquele ano de 1963, o Papa recebeu do presidente italiano Antonio Segni o prêmio que lhe fora dado pela Fundação Balzan “pela humanidade, a paz e a fraternidade entre os povos”.
Agradecendo pelo prêmio, o Santo Padre fez uma constatação, uma confiante leitura do que estava acontecendo: “a aspiração por uma paz justa, da qual somos hoje felizes testemunhas, penetrou na mente e no coração de todos, indistintamente, mas com uma ênfase mais marcada, ao que parece, dentro das classes trabalhadoras”.
Mesmo que os governantes fossem os principais responsáveis à época pela paz, dado o clima bélico mantido entre os países, João XXIII compreendeu que essa já havia se tornado uma prerrogativa de todos, um anseio coletivo provocado pela Pacem in Terris nas “pessoas comuns”.
A Pacem in Terris hoje
Após 60 anos de sua divulgação, a encíclica de 11 de abril de 1963 continua atualíssima. O Observador Permanente da Santa Sé junto à organização das Nações Unidas (ONU), Dom Gabriele Giordano Caccia, destaca essa atualidade da encíclica de São João XXIII (o Papa Roncalli foi canonizado em 2014) e reitera o apoio do Vaticano às organizações internacionais e ao multilateralismo em um tempo marcado por guerras e confrontos.
“Poderíamos dizer, para usar uma simplificação, que há como que um convite para passar da lógica do confronto à do encontro, da oposição à colaboração e da rivalidade à fraternidade, ou seja, para promover o ‘desarmamento integral’”, explica Caccia em entrevista ao L’Osservatore Romano, publicada ontem pelo Portal Vatican News.
Diante de um mundo com tantas guerras, frequentemente recordadas pelo Papa Francisco, voltar o olhar à Pacem in Terris é um convite à reflexão das ações tomadas pela humanidade como um todo nesses 60 anos que se passaram. E às possíveis soluções para se construir, enfim a paz.