“Dou graças a Deus por tantos momentos bonitos e enriquecedores com que Ele me presenteou”, escreveu Dom Geraldo Majella logo na introdução de seu testamento
Da Redação, com CNBB
O Cardeal Geraldo Majella Agnello escreveu, no dia 6 de agosto de 2016, festa da Transfiguração do Senhor, um testamento espiritual. O escrito foi divulgado nesta segunda-feira, 28, pelo Portal da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dois dias após o falecimento do cardeal.
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Dom Geraldo faz memória de todo o seu percurso de vida, seus ministérios como sacerdote e bispo, as Igrejas Particulares às quais serviu como pastor e a experiência em Roma. “Dou graças a Deus por tantos momentos bonitos e enriquecedores com que Ele me presenteou”, escreveu na introdução de seu testamento. Leia, abaixo, na íntegra:
Testamento espiritual do cardeal dom Geraldo Majella Agnelo
Ao rever meu percurso de vida, neste dia da Transfiguração do Senhor, 6 de agosto de 2016, prostro-me diante d’Aquele que me concede a graça do dom da vida, e relembro a minha trajetória de Sacerdote e Bispo. Dou graças a Deus por tantos momentos bonitos e enriquecedores com que Ele me presenteou.
Minha terra natal, tão querida Minas Gerais, minha família, meus padrinhos, amigos, professores, formadores Premostratenses. Seminário de Pirapora de que conservo viva a lembrança dos primeiros anos de seminário menor, o Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, que me acolheu como filho, em São Paulo, a Faculdade Nossa Senhora da Assunção, onde tive a graça de concluir meus estudos de Teologia, meus primeiros anos de Sacerdote, em São Paulo, minha ida a Roma para estudar Liturgia no Ateneu Santo Anselmo, onde me apaixonei pela Liturgia.
Retornando ao Brasil, lecionei em vários seminários, inclusive na Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Foram anos inesquecíveis. Em 1978, fui nomeado pelo Papa São Paulo VI, 2º Bispo de Toledo-PR onde fui muito feliz, povo maravilhoso, amigo, acolhedor. Lá deixei muitos amigos que conservo até a presente data.
Em 1983, o Papa São João Paulo II me transferiu para Londrina, uma metrópole. Muitas faculdades, laicato comprometido na fé católica, uma nova experiência muito saudosa, tanto que, depois de Emérito, retornei a residir aqui. Em 1991, o mesmo Papa São João Paulo II me leva para Roma, Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos. Confesso que fiquei feliz, sempre gostei muito de Roma, mas foi com dor no coração que deixei Londrina. Em Roma, permaneci oito anos, um grande aprendizado. A beleza da Liturgia na Basílica de São Pedro que é um pedaço do céu na terra! Quando menos espero, em 1999, sou convidado a retornar ao Brasil, para a Terra de Santa Cruz, São Salvador da Bahia de Todos os Santos.
Foi uma nova etapa em minha vida. Em Salvador, aprendi a conviver com a diversidade de fé e cultura. Povo alegre, acolhedor, festeiro, mas também trabalhador. Tive a felicidade de ordenar 75 sacerdotes em 12 anos de ministério episcopal. O meu pastoreio na Arquidiocese Primaz do Brasil foi rico em diversos aspectos; aprendi a entender, a cultura baiana, o sou jeito de ser. Eu fiquei muito apreensivo ao ser nomeado para um estado que pouco conhecia, com uma religiosidade muito particular. Mas como nunca pedi nada à Igreja, nunca disse não aos meus superiores, mais uma vez disse sim ao Santo Padre. Sempre confiei na graça de Deus e na ação do Espírito Santo, se me pediram tal missão terei a graça necessária para levar em frente. Sempre lembrando do Papa São leão XXIII, quando alguém perguntou se ele dormia sossegado, respondeu sim, “quem conduz a Igreja é o Espírito Santo. Nós somos apenas instrumentos”. Com a certeza de que estava fazendo a vontade de Deus e não a minha, segui em frente como se fosse a primeira experiência. Confesso que de início não foi fácil, mas logo entrei no ritmo.
Com este sentimento do dever cumprido, ofereço este meu Testamento Espiritual a todos com quem convivi e a quem pude servir. Meu lema episcopal: Caritas com Fide, procurei, em consciência, viver na fé e na caridade com meus Irmãos Bispos, Sacerdotes e com o povo de Deus a mim confiado. Por todos rezei continuamente, me compadeci com seus sofrimentos e dores.
As crianças, a quem sempre amei de modo particular, quero recomendar a todos que as amem, respeitem e cuidem bem para crescerem com amor e temor a Deus e ao próximo. Que todos os que creem em Deus e em seu Filho Jesus Cristo, trabalhem pelo bem de todos, busquem sempre a conciliação, o amor fraterno, a tolerância às diversidades e a paz.
Aos queridos Sacerdotes, missionários, religiosos e religiosos sejam recompensados pela fidelidade à Igreja e pelo testemunho de vida para os fiéis.
Ao povo de Deus que serve à Mãe Igreja, peço nunca se canse de renovar seu ardor missionário. Seja coerente na honestidade, na verdade e na justiça.
Peço a Deus que os governantes sejam iluminados, que exerçam uma política voltada para o bem do povo brasileiro. Sem corrupção e sem injustiça social. Suplico respeito à vida, tanto dos nascituros quanto dos idosos.
Aos jovens, exorto-os para não perderem seus ideais de vida, não sucumbam diante do desânimo, das decepções e derrotas. Lutem pela paz e por um mundo renovado na confiança e na esperança. Deus não abandona os que n’Ele confiam. E não esqueçam de se questionar: “Deus está me chamando para uma vocação específica?” Não tenham medo de dar seu SIM.
Vocês jovens, não são a esperança do futuro, mas do hoje. Sejam bons profissionais na escolha feita para sua realização pessoal e para o bem daqueles que precisarão dos seus serviços.
Deus ama aqueles que dão com alegria, seja no serviço, seja na generosidade em se compadecer dos mais pobres e desprovidos dos bens materiais e espirituais. Não desperdicem suas vidas, dom de Deus com coisas passageiras, elas são como palhas que o vento leva e acaba no fogo. O consumismo é a grande tentação do mundo moderno, a insatisfação e a ganância são uma doença que seduz as pessoas.
Uma palavra às famílias, células vivas da sociedade. Não se enganem com as novas modalidades familiares. As leis não se sobrepõem à legalidade. Nem toda lei é legal e moral. Leis de aborto, sejam por que motivo forem, não são legais. A vida é dom precioso do criador, só Ele tem a última palavra. Não esqueçamos que o feto sacrificado é um assassinato terrível, ele não responde pela leviandade e desumanidade dos que o praticam.
Terminando este pequeno relato, quero desejar a todas as pessoas de boa vontade que procurem fazer sempre o bem sem olhar a quem. Sejam pessoas do bem, semeadoras da paz, da bondade e do amor. Só assim poderemos ter um mundo mais humano e justo. Sejamos sempre um bom samaritano que se compadece do irmão que sofre no desconforto de qualquer dor e do esquecimento da sociedade desumanizada.
Agradeço a todos que rezaram por mim, me ajudaram e me acompanharam durante toda a minha vida. Agradeço aos médicos, enfermeiros, pessoal de serviço e hospitais que me receberam nas minhas necessidades e cuidaram de mim.
Peço perdão aos que ofendi. Nunca guardei rancor de ninguém.
Peço a bênção e a proteção da Mãe Aparecida, a quem amei e reverenciei em toda a minha vida.
A todos quero dar minha última bênção.
Rezem por mim.
Londrina (PR), 06 de agosto de 2016.
Festa da Transfiguração do Senhor.
Dom Geraldo Majella, Cardeal Agnelo