Livro foi traduzido para o português pelas Irmãs Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo e fala dessa cultura de abusos que envolve a igreja e a sociedade
Da redação, com Vatican News
O Papa Francisco tem levado a Igreja a uma séria reflexão e tomada de atitudes coerentes, de denúncia e prevenção de abusos, um tema bem atual na Igreja e na sociedade.
No intuito de favorecer uma reflexão sobre esse tema, as Irmãs Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo traduziram para o português o livro “Um Amor ferido: abusos na vida consagrada e caminhos para cura”, cujo autor é o Prior Geral da ordem do Cartuxos, Frei Dysmas de Lassus.
A obra trata exatamente dos perigos de certos tipos de comportamentos na vida consagrada, que podem ferir a dignidade de seus membros, através de suas práticas espirituais ou da forma de governo das comunidades.
Nesta quarta-feira, 30, haverá uma live de apresentação do livro com a participação do Bispo da Diocese de Santo Amaro em São Paulo, Dom José Negri. A live é aberta a bispos, sacerdotes, seminaristas, membros da vida consagrada (religiosos e comunidades de vida e aliança ) e profissionais da saúde ligados à vida consagrada. Para participar é necessário fazer uma inscrição. Clique aqui.
O Frei Dysmas com sua experiência enraizada na tradição monástica e numa teologia sólida, traça na obra um caminho de prevenção e de cura, baseando-se num equilíbrio que permite o crescimento pessoal e comunitário.
O livro estará disponível em todas as livrarias católicas e pode ser adquirido também pela loja on-line das Irmãs Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo.
Os riscos e as derivas da vida consagrada
Ao longo do livro, encontramos diversos temas sobre os riscos existentes na vida consagrada: os instrumentos de luta contra as derivas sectárias; Carisma e Instituição; a vida comunitária e a relação com a autoridade vista como serviço e jamais como “poder”; os riscos de uma falsa obediência e de uma autoridade mal exercida; a relação dos membros com o mundo exterior; o verdadeiro sentido do voto de obediência; o cuidado de não conduzir os membros por uma espiritualidade sem equilíbrio numa radicalidade exagerada; a vigilância entre equilíbrio e humildade; o acompanhamento espiritual; discernimento e outros assuntos que podem ajudar ou ferir os membros da vida consagrada.
Ao mesmo tempo em que o autor coloca em evidência seus riscos, ele apresenta sua beleza e os caminhos para evitar qualquer tipo de deriva, deixando-se conduzir pelas virtudes da humildade e da verdade.
Uma reflexão cuidadosa e profunda
Padre Amedeo Cencini, consultor do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, ao comentar sobre o livro, lembra que essa reflexão poderia surgir somente depois de uma profunda escuta de Deus e da sua Palavra.
“Uma reflexão tão cuidadosa e profunda, como a de Dom Dysmas, nasce da escuta das vítimas e da corajosa decisão de dar voz aos feridos pela violência dos abusos. Uma obra assim só poderia surgir em um ambiente onde a prioridade é ouvir a Deus e à sua palavra, onde a intimidade com Ele torna a pessoa muito atenta ao sofrimento dos irmãos e irmãs. Esse espírito de escuta e compaixão transparece de forma especial na dedicatória do próprio livro, que gostaria de reler: “A todas e todos vocês, conhecidos e desconhecidos/as, que quiseram doar sua vida a Deus em um grande impulso de amor. A vocês, decepcionados ou, às vezes, infelizmente, quebrados pela vida religiosa. Mesmo que vocês não acreditem mais, Deus nunca esquecerá que quiseram consagrar sua vida a Ele. Por respeito a vocês, e também com tristeza, quisemos fazer ouvir o seu grito”.
Dom Dysmas colocou em prática o que mais tarde seria chamado de “magistério das vítimas”, continua ainda Padre Amedeo. Ele se deixou guiar por aqueles que sofreram esse drama em sua própria pele, para entrar no abismo do sofrimento deles. Podemos dizer que se deixou ser formado por eles, como se seu coração se abrisse para uma com-paixão, um padecer juntos nunca antes experimentada.
Ao ler o livro, tem-se a impressão de que o Autor foi profundamente provocado e grandemente enriquecido, do ponto de vista de sua sensibilidade, ao ouvir essas histórias.
Um livro para todos
O Padre Amedeo continua dizendo que o livro do Dom Dysmass é para todos, pois, infelizmente, estamos imersos em uma cultura de abusos.
Ele especifica que, ao dizer “cultura”, queremos significar que se formou um sistema, composto por mentalidade geral, sensibilidade individual e estilo de vida, especialmente no âmbito relacional, e que esse sistema, na prática, foi criado ou é mantido por todos nós, seja de forma direta (pelos abusadores), seja indireta (por aqueles que, de alguma maneira, os encobrem ou não intervêm como deveriam). É mesmo por isso que nós falamos de leitura sistêmica dos abusos. E é justamente por isso que os abusos acontecem em todos os ambientes, especialmente nas famílias.
O sacerdote explica que, se quisermos sair disso, é necessário um esforço geral, uma mensagem que chegue a todos os ambientes, caso contrário os abusos se tornarão tóxicos, como um vírus que vai infectando cada vez mais a vida e as relações, dentro das famílias, assim como nos diversos contextos de trabalho e sociais, causando um declínio ou degradação geral da dignidade humana.
Um grande alerta para toda a Igreja
O Padre Amedeo Cencini evidencia que é preciso insistir na ideia de responsabilidade por parte da Igreja. O sacerdote continua: “Estamos falando, de fato, de abusos na Igreja, ou seja, de uma Igreja que se tornou um lugar de condutas abusivas e de abusos da Igreja, cometidos por membros que também representam a instituição, prejudicando outros membros da comunidade eclesial”.
“Além disso, a leitura sistêmica dos abusos nos ajuda justamente a entender que a transgressão de poucos é consequência da mediocridade de muitos e, portanto, a responsabilidade recai sobre muitos, na verdade, sobre todos. Se este princípio for aceito, resultará em um grande alerta para toda a Igreja, como um chamado à conversão geral, da qual ninguém poderá se sentir isento. Seria como um processo global de intervenção nas pessoas e nas estruturas, não apenas nos abusadores individuais, não apenas após o surgimento dos escândalos, nem exclusivamente na formação inicial, e não intervindo simplesmente em algumas áreas da personalidade ou somente nos atos que sejam criminalmente puníveis. Isso também deve significar a superação de uma visão estática da Igreja, entendida principalmente como estrutura e, sobretudo, como hierarquia”, destaca.
O sacerdote afirma que, ao contrário, a Igreja deve ser vista como um organismo vivo e dinâmico, ao mesmo tempo espiritual e social. “Se aceitássemos este chamado, o terrível momento que a Igreja está vivendo poderia se transformar em um kairos, um momento de graça, para a Igreja e para o mundo inteiro! Um momento pelo qual deveríamos agradecer também a livros como este e a autores como Dom De Lassus.”