ENTREVISTA

Apelo do Papa ajuda o 'povo esquecido' do Afeganistão, diz padre Scalese

O ex-Superior da Missão ‘sui iuris’ no Afeganistão, último sacerdote que esteve no país, padre Giovanni Scalese discute o apelo do Papa Francisco para aqueles que sofrem em solo afegão

Da redação, com Vatican News

Aldeia de Naib Rafi, na província de Herat, oeste do Afeganistão, três dias depois de fortes terremotos / Foto: Kyodo via Reuters

Na Audiência Geral desta quarta-feira, 15, o Sucessor de Pedro fez um apelo à comunidade internacional para que providenciassem ajuda e suporte necessário à população mais vulnerável do Afeganistão — estimativas apontam que 300 pessoas morreram por conta das enchentes que assolaram o país em 18 distritos em pelo menos três províncias do norte nos últimos dias.

Após as palavras do Papa, padre Giovanni Scalese, último superior da Missão sui iuris no Afeganistão, único sacerdote católico presente no país, concedeu uma entrevista ao Vaticano News a respeito do apelo do Papa, e discutiu as consequências que as recentes inundações terão sobre um povo que enfrentam uma escassez diária de bens essenciais para a sobrevivência.

Após passar quase sete anos no Afeganistão como o único padre católico activo em Cabul, o Barnabita recorda as difíceis condições sob as quais atuou como missionário. Atualmente padre Scalese está na Itália, repatriado como milhares de outros estrangeiros forçados a fugir às pressas depois que os talibãs chegaram ao poder.

De acordo com o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas, outras centenas de pessoas ficaram feridas nas recentes inundações e acredita-se que muitas delas permanecem soterradas sob a lama. A maior parte das vítimas se encontra na província de Baghlan, onde fortes chuvas destruíram cerca de 3 mil casas, inundaram terras agrícolas, levaram gado, fecharam escolas e danificaram hospitais.

Padre Giovanni Scalese / Foto: Reprodução Youtube

Vatican News — Padre Scalese, na sua Audiência Geral, o Papa Francisco fez um apelo importante para o Afeganistão, que foi atingido por inundações devastadoras. Que notícias você tem sobre esse desastre? Como recebe este apelo do Papa?
Padre Scalese — Infelizmente, tenho poucas informações. Tomei conhecimento desta tragédia nos últimos dias por um confrade meu, padre Moretti, meu predecessor em Cabul, porque, caso contrário, ninguém nos meios de comunicação fala sobre [o Afeganistão]. Em vez disso, outros eventos menos importantes dominam a mídia e são comentados todos os dias durante semanas. Quando se trata do Afeganistão, ninguém fala nada. Portanto, penso que é certamente importante que o Santo Padre tenha feito este apelo. Na verdade, somo realmente muito gratos a ele por ter derrubado este muro de silêncio. Esperamos que pelo menos agora, depois de ter falado a respeito, algum meio de comunicação divulgue a notícia, caso contrário ninguém saberá de nada.

Vatican News — O Afeganistão já é um país muito pobre. Que efeito estas inundações poderão ter na vida diária das pessoas?
Padre Scalese — Sim, exatamente, o Afeganistão é um país muito pobre e os afegãos têm muito pouco a perder, por isso, infelizmente, estão habituados a estes acontecimentos desastrosos e a enfrentá-los da melhor forma que podem. É evidente que as vítimas, aqueles que perdem a vida, nada podem fazer. Os outros tentarão avançar o melhor que puderem, como sempre fizeram ao longo da história do Afeganistão, cerrando os dentes e recomeçando sempre. Certamente, ainda há esperança de intervenção por parte daqueles que poderiam intervir. O próprio Papa apelou ontem de manhã à comunidade internacional, às organizações não governamentais, aos organismos internacionais. Então, esperamos que haja intervenções para ajudar essas populações.

Vatican News — Como o senhor disse, o apelo do Santo Padre foi especificamente para ajuda da comunidade internacional. Ele também destacou que existe uma espécie de muro de silêncio, que após os talibãs tomarem o poder em Cabul, quase ninguém fala mais sobre a situação do país. Mas o que pode ser feito para dar voz ao povo afegão em meio e este silêncio?
Padre Scalese — Não sei. Não sei porque, infelizmente, foi exatamente isso que aconteceu após 15 de agosto de 2021. Ninguém mais fala sobre o Afeganistão. Porque não é interessante! Não é interessante, infelizmente! O mundo da informação não é objetivo, não fornece todas as notícias, é muito seletivo. Escolhe apenas determinadas notícias, aquelas que podem interessar ao público em geral ou notícias que podem ser importantes por alguma razão ideológica ou política. E assim, neste caso, o Afeganistão foi completamente esquecido. Espero, no entanto, que aos poucos as pessoas percebam que, independentemente de quem está no governo, no poder de um país, especialmente as organizações internacionais e as organizações não-governamentais devem fazer um esforço para que as populações necessitadas possam receber ajuda, independentemente de o regime político no poder em um determinado país.

Vatican News — Dos anos em que serviu como missionário no país, quais são suas lembranças mais vívidas? Você foi o único padre presente ali e então é a única pessoa que poderia relatar com detalhes esta experiência…
Padre Scalese — Infelizmente, não tenho boas recordações do Afeganistão. Estive lá por sete anos, de 2015 a 2021. Foram anos muito difíceis. Não tive oportunidade de visitar o país; era muito arriscado, mesmo estando em Cabul, dentro da embaixada italiana, onde estava sediada a missão católica, não se podia nem circular pela cidade porque era perigoso. Todos os dias, eu diria, havia ataques. Então, era um país em estado de guerra, então não tenho nenhuma experiência boa para contar. Se há uma boa recordação, digamos, é a do dia 13 de outubro de 2017, quando, no final do centenário das aparições de Fátima, consagrámos o Afeganistão ao Imaculado Coração de Maria, e isto dá-me muita esperança. Porque o Afeganistão, mesmo ignorado, esquecido, abandonado por todos, certamente não pode ser abandonado por Deus e por Maria. E o Afeganistão também está no Coração Imaculado de Maria, que certamente protegerá este país e protegerá o seu povo e não permitirá que este povo pereça, apesar de todas as provações a que é submetido. Obrigado ao Santo Padre que recordou o Afeganistão, esperando que estas intervenções possam ter algum efeito a favor do povo afegão.

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

↑ topo