Festa de Nossa Senhora da Piedade

A fé não livra do sofrimento, mas possibilita enxergar além, frisa arcebispo

Na Festa de Nossa Senhora da Piedade, celebrada nesta sexta-feira, 15, conheça o testemunho de quem vive a dor da perda pelo viés da fé; arcebispo e padre refletem sobre o sofrimento e a morte pela perspectiva da Igreja

Julia Beck
Da redação

Nossa Senhora da Piedade /Foto: Grant Whitty na Unsplash

A morte de um pai, uma mãe, um filho ou ente querido é uma realidade temida por muitos. Sentir a dor e a angústia desta certeza humana, sinônimo de grande sofrimento, é uma realidade retratada pela Igreja na imagem de Nossa Senhora da Piedade – celebrada nesta sexta-feira, 15.

O arcebispo de Belo Horizonte (BH), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, que vive a Festa de Nossa Senhora da Piedade – padroeira de Minas Gerais, afirma que o sofrimento faz parte da vida humana, não por vontade de Deus, mas em razão da presença do pecado na humanidade.

“O sofrimento e a morte são frutos do pecado. Nesta vida, cada pessoa, atravessando momentos de alegria e tristeza, é convocada a abrir-se para uma nova realidade, distante do pecado, próxima do amor de Deus. O próprio Deus, com seu amor infinito, dedicado a cada ser humano, faz questão dessa proximidade. Por isso, em gesto extremo de misericórdia, enviou seu amado Filho Jesus, o Redentor, para livrar a humanidade das feridas do pecado”, indica.

“O sofrimento não pode ser visto como algo enviado por Deus. Atribuir dores a Deus é torná-lo injusto. Deus não é injusto” – Padre Anderson Sousa

O reitor do Seminário Diocesano de Lorena (SP) – “Maria mãe dos sacerdotes”, padre Anderson Luiz de Sousa, conta que muitos já o questionaram: “Por que tanto sofrimento no mundo? Por que tantas pessoas sofrem? Por que crianças, pessoas honestas e justas passam por sofrimentos terríveis?”. Ele explica que o sofrimento pertence à categoria humana, ele não vem da parte de Deus. “Deus nos criou com liberdade de escolha e decisão. Sendo assim, o sofrimento não pode ser visto como algo enviado por Deus. Atribuir dores a Deus é torná-lo injusto. Deus não é injusto”.

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Ao falar sobre a morte, o sacerdote reforça que para os cristãos ela não tem “a última palavra”. “A partir da Ressurreição de Jesus abriu-se para nós a porta da esperança, há uma esperança da vida eterna. Jesus na cruz venceu a morte e também o pecado. A morte não tem mais poder sobre a vida humana, tornando-se um caminho, uma passagem para a vida eterna”.

Fé como sustento

Cecília, o marido Felipe e as filhas Teresa e Helena /Foto: Arquivo Pessoal

Sendo assim, o recorte da dor de Maria, diante da Paixão e morte de Jesus, apesar de toda a tristeza que envolve a cena, aponta para a fé que se consolidou na Páscoa de Cristo. Ressignificar o sofrimento por meio da fé é o que fez a publicitária de 35 anos, Cecília Portugal dos Santos. Ela, que tem duas filhas – Teresa e Helena, viveu a morte do pai aos 14 anos, já passou por uma perda gestacional e, recentemente, enfrenta o luto pelo falecimento de suas filhas gêmeas – que não resistiram após um nascimento prematuro.

“Foram momentos muito difíceis na minha vida, em que eu chorei, e ainda choro até hoje, mas a minha fé, sem sombra de dúvidas foi o que me sustentou. Alguns dias de lágrimas e saudade que tenho não diminuem a minha fé, eles são momentos passageiros, logo coloco os pensamentos no lugar e sigo adiante. Eu não posso deixar que a dor desses momentos roube de mim coisas extraordinárias que o próprio Deus tem para a minha história”, revela. 

Assim como Cecília, a professora de 26 anos, Natália Dias da Silva, também enfrentou a morte de seu pai. A perda recente, que aconteceu em 2021, durante a pandemia, foi considerada pela jovem como uma fase muito difícil. “Meu pai era uma pessoa saudável, tinha só 51 anos e ninguém esperava que isso fosse acontecer com ele”, recorda. Natália conta que não teve a oportunidade de se despedir dele e que sente falta de dividir os momentos felizes e as alegrias com ele. Para ela a fé foi e é essencial: “sem ela eu não teria passado por isso”.

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Acreditar nos desígnios de Deus

Mislene e a mãe Maria Tereza – falecida em 2015 /Foto: Arquivo Pessoal

A professora de 40 anos, Mislene Câmara, fala com saudade da mãe que já não é mais viva. Ao lembrar da perda, ela afirma que foi um momento de muita dor e também de questionamento. “Questionei muito os desígnios de Deus, mas com muita oração e acolhimento de pessoas que tinham uma grande intimidade com Ele fui aprendendo a aceitar que Deus não faria nada que não fosse melhor para a minha mãe”.

“O momento da despedida é indescritível”, ressalta a advogada de 53 anos, Andreia de Oliveira Valente. Ela, que perdeu o marido em 2020, frisa que a dor de viver a morte de quem se ama é diferente, é uma “dor que não passa”, mas que é acalentada pelo sustento da fé. Segundo a advogada acreditar nos planos de Deus é essencial para se manter em pé.

Olhar de esperança

Ao comentar a morte e a ressurreição de Jesus, vivida de perto pela Virgem das Dores, Dom Walmor indica que elas apontam o caminho a ser seguido por todos. “O ser humano é frágil, depara-se constantemente com a sua finitude, mas, ao mesmo tempo, caminha para uma vida plena em Deus. A inabalável fé de Maria precisa inspirar-nos a seguir adiante (…). A fé não nos livra das travessias difíceis que fazem parte da vida, mas possibilita enxergarmos para além dos nossos limites”, reflete.

A figura de Nossa Senhora da Piedade é um paradigma, indica padre Anderson. “Ela indica que é possível permanecer aos pés da cruz mesmo diante do sofrimento. (…) No calvário, a Virgem das Dores é inspiração, escola, fortaleza. Ela nos ensina a perseverar apesar das cruzes e dificuldades, e a compreender que os sofrimentos não são maiores do que a graça de Deus”. 

“Mesmo diante de um sofrimento extremo para o seu coração de mãe, Maria cultivou um olhar de esperança que fortalece” – Dom Walmor de Oliveira

A morte de Jesus e as dores sofridas por Nossa Senhora da Piedade, prossegue o arcebispo de BH, ensinam que, mesmo os mais puros de coração, não estão imunes aos espinhos dispersos no caminho de todo ser humano. O sacerdote da diocese de Lorena afirma que, diante da morte, os cristãos católicos vão sofrer o luto, haverá lágrimas, no entanto, é preciso existir sempre no coração a certeza da vida eterna, a esperança.

“Ninguém está imune das consequências do mal, que não é fruto da vontade de Deus.  O mal surge do pecado, quando a humanidade se distancia do amor de Deus. Para vencê-lo, toda humanidade deve se unir, em uma grande peregrinação, para aproximar-se desse amor, seguindo os passos de Jesus”, ressalta Dom Walmor.

O arcebispo sublinha que as dores e a morte passam e, no fim, prevalece a vida, com a ressurreição. “Tudo é passageiro e efêmero diante da infinitude de uma vida no amor de Deus. Todos somos peregrinos neste mundo”, disse o arcebispo. “Mesmo diante de um sofrimento extremo para o seu coração de mãe, Maria cultivou um olhar de esperança que fortalece”.

Maria, inspiração de fé na dor

“Maria é minha inspiração, acredito que Ela sofreu as piores dores e se manteve firme à vontade de Deus”, diz Mislene. A professora comenta que viver a morte de sua mãe foi viver um “calvário”. “Acreditava que essa dor jamais ia passar”. No entanto, ela afirma que aprendeu com Maria a vivenciar suas dores sem deixar de acreditar no amor de Deus.

Natália e seu pai Edson – falecido em 2021 /Foto: Arquivo Pessoal

O exemplo de Maria nunca foi tão forte para Natália quanto está sendo agora. Ela afirma que, juntamente com a sua família, passou pelo momento da dor da perda de seu pai de forma silenciosa, calma, serena e tranquila. “Maria sofreu uma dor terrível e não fez escândalo, não se revoltou, não se voltou contra Deus e isso para mim é lindo. Ela se manteve em pé e é assim que eu quero ficar”.

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Andreia considera Maria como uma verdadeira inspiração. Para a advogada, a imagem de Nossa Senhora das Dores reflete a força de uma mulher de fé, que no momento mais difícil e doloroso de sua vida entendeu a sua missão. Ela prossegue destacando que a dor e o sofrimento exigem do cristão a aplicabilidade dos ensinamentos da fé, além da capacidade de viver com esperança e resiliência.

“Maria com toda certeza é uma força diária. Eu no lugar dela não sei se aguentaria passar pelo que ela passou, vendo o próprio filho sofrendo daquela forma. (…) Toda luta, toda dor de alguma forma gera santidade. Que possamos sempre manter os olhos fixos no Senhor, confiantes na intercessão dela de Mãe, espelhados sempre nos passos da Virgem Maria”, disse Cecília.

Preparar-se para a morte, mas também para a vida

Dom Walmor reforça que o sofrimento remete à transitoriedade das muitas situações que caracterizam a existência de cada pessoa, inclusive da própria vida humana. Por isso, o arcebispo explica que reconhecer essa transitoriedade pode ajudar a humanidade a viver o próprio sofrimento e, ao mesmo tempo, permite que ela enxergue os limites da existência.

Padre Anderson pontua que a Doutrina da Igreja Católica ensina que, com fé, é preciso viver o sofrimento e, a partir dela, é preciso deixar que o sofrimento se torne uma oportunidade de amadurecimento. “Ele é como uma escola, é uma oportunidade de conversão. A partir dele, com a Igreja, em Cristo e com fé nos tornamos pessoas melhores, nos amadurecem”.

“A morte faz parte da vida e ela não é um castigo ou algo ruim. (…) Acreditar que depois da morte existe algo grande é libertador! E passar pela experiência de perder alguém de um jeito tão abrupto muda as nossas perspectivas” – Natália Dias

A partir da consciência de que um dia todos, indistintamente, farão a passagem para a Casa do Pai, Dom Walmor afirma que, além de se preparar para a morte, é preciso bem viver no amor, urgentemente fazendo o bem ao semelhante, a exemplo do que fez Maria.

Cecília destaca a importância de os cristãos não escolherem paralisar no sofrimento, mas sim decidirem por seguir adiante. “Seguir adiante não apaga a sua história, mas você ressignifica aquela dor. Hoje o meu caminho aqui é de busca de santidade, sabendo dos meus erros e falhas, para que um dia eu possa reencontrar com as pessoas que eu amo na eternidade, afinal, o nosso lugar é o céu”, complementa.

Andreia e o marido Mário – falecido em 2020 /Foto: Arquivo Pessoal

A experiência da morte permite entender a necessidade de viver com plenitude e felicidade, opina Andreia. A partir do sofrimento, frisa Mislene, é possível crescer a valorizar cada segundo de vida.

“A morte faz parte da vida e ela não é um castigo ou algo ruim. (…) Acreditar que depois da morte existe algo grande é libertador! E passar pela experiência de perder alguém de um jeito tão abrupto muda as nossas perspectivas”, finaliza Natália.

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