Audiência

Leão XIV: Santa Sé não pode silenciar diante de desequilíbrios e injustiças

Pontífice indicou a paz, a justiça e a verdade como os pilares da ação missionária da Igreja e do trabalho da diplomacia da Santa Sé

Da redação, com Vatican News

Papa Leão XIV em discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé /Foto: VATICAN MEDIA /CPPIPA/Sipa USA via Reuters

O Papa Leão XIV recebeu em audiência na Sala das Bênçãos, nesta sexta-feira, 16, no Vaticano, os membros do Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé. O Pontífice agradeceu ao embaixador de Chipre e Decano do Corpo Diplomático, George Poulides, pelas palavras ditas no início do encontro e, na sequência, recordou as várias mensagens de felicitação recebidas após sua eleição, bem como as de condolências pelo falecimento do Papa Francisco, que vieram também de países com os quais a Santa Sé não mantém relações diplomáticas.

“No nosso diálogo, gostaria que prevalecesse sempre o sentido de família – a comunidade diplomática representa, com efeito, toda a família dos povos – partilhando as alegrias e as tristezas da vida e os valores humanos e espirituais que a animam”, disse Leão XIV.

O Santo Padre acrescentou que a diplomacia pontifícia é a expressão da própria catolicidade da Igreja e, na sua ação diplomática, a Santa Sé é animada por uma urgência pastoral que a impele a intensificar a sua missão evangélica ao serviço da humanidade, e não a procurar privilégios. “Essa ação combate toda a indiferença e chama continuamente a consciência, como o fez incansavelmente o meu venerado predecessor, sempre atento ao grito dos pobres, dos necessitados e dos marginalizados, bem como aos desafios que marcam o nosso tempo, desde a salvaguarda da criação até à inteligência artificial”.

Paz

O Papa sublinhou três palavras-chave, que constituem os pilares da ação missionária da Igreja e do trabalho da diplomacia da Santa Sé: paz, justiça e verdade. Sobre a paz, ele enfatizou que por muitas vezes ela é pensada como uma  palavra “negativa”, ou seja, como uma mera ausência de guerra e de conflito. Isso se dá, explicou o Pontífice, visto que o confronto faz parte da natureza humana e acompanha sempre a sua história, levando todos a viverem num “estado de conflito” constante: em casa, no trabalho, na sociedade.

“A paz parece então uma simples trégua, uma pausa de repouso entre uma disputa e outra, porque, por mais que nos esforcemos, as tensões estão sempre presentes, um pouco como as brasas a arder sob as cinzas, prontas a reacender-se a qualquer momento”, sublinhou.

Na perspectiva cristã, como na de outras experiências religiosas, Leão XIV frisou que a paz é, principalmente, um dom: o primeiro dom de Cristo: “Dou-vos a minha paz”. A paz, prosseguiu, é construída no coração e a partir do coração, erradicando o orgulho e as pretensões, e medindo a linguagem, pois também com as palavras se pode ferir e matar, não só com as armas.

“Nesta ótica, considero fundamental a contribuição que as religiões e o diálogo inter-religioso podem dar para promover contextos de paz”, e a “abertura sincera ao diálogo, animada pelo desejo de encontro e não de confronto”, disse ainda o Santo Padre, que ressaltou a urgência de que instrumentos de destruição e de morte parem de ser fabricados; Ele recordou então o Papa Francisco na sua última Mensagem Urbi et Orbi: “Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento! A necessidade que cada povo sente de garantir a sua própria defesa não pode transformar-se numa corrida generalizada ao armamento””.

Justiça

Ao refletir sobre a segunda palavra – justiça, o Papa frisou que a busca da paz exige a prática da justiça. “Como já referi, escolhi o meu nome pensando principalmente em Leão XIII, o Papa da primeira grande encíclica social, a Rerum novarum. Na mudança de época que estamos vivendo, a Santa Sé não pode deixar de fazer ouvir a sua voz perante os numerosos desequilíbrios e injustiças que conduzem, entre outras coisas, a condições indignas de trabalho e a sociedades cada vez mais fragmentadas e conflituosas. É necessário também esforçar-se para remediar as desigualdades globais, que veem a opulência e a indigência traçar sulcos profundos entre continentes, países e mesmo no interior de cada sociedade”, ressaltou.

Segundo o Santo Padre, é obrigação dos responsáveis governamentais esforçarem-se por construir sociedades civis harmoniosas e pacíficas. Ele pontuou que isso pode ser feito, principalmente, investindo na família, fundada na união estável entre o homem e a mulher – uma “sociedade muito pequena certamente, mas real e anterior a toda a sociedade civil”. Além disso, o Pontífice afirmou que ninguém pode deixar de favorecer contextos em que a dignidade de cada pessoa é protegida, especialmente a das mais frágeis e indefesas, do nascituro ao idoso, do doente ao desempregado, seja ele cidadão ou imigrante.

“A minha própria história é a de um cidadão, descendente de imigrantes, que por sua vez emigraram. Cada um de nós, ao longo da vida, pode encontrar-se saudável ou doente, empregado ou desempregado, na sua terra natal ou numa terra estrangeira: a nossa dignidade, no entanto, permanece sempre a mesma, a de uma criatura querida e amada por Deus”, sublinhou.

Verdade

Por fim, ao comentar sobre a terceira palavra, Leão XIV pontuou não ser possível construir relações verdadeiramente pacíficas, mesmo no seio da comunidade internacional, sem a verdade. Quando as palavras assumem conotações ambíguas e ambivalentes e o mundo virtual, com a sua percepção alterada da realidade, toma a frente sem medida, o Papa destacou ser difícil construir relações autênticas, uma vez que se perdem as premissas objetivas e reais da comunicação.

“A verdade não nos aliena, mas permite-nos enfrentar com maior vigor os desafios do nosso tempo, como as migrações, o uso ético da inteligência artificial e a preservação da nossa querida Terra. São desafios que exigem o empenho e a cooperação de todos, pois ninguém pode pensar em enfrentá-los sozinho”, enfatizou.

Ano Jubilar

O Santo Padre recordou que seu ministério “começa no coração de um ano jubilar, dedicado de modo especial à esperança”. “É um tempo de conversão e de renovação e, sobretudo, uma oportunidade para deixar para trás os conflitos e iniciar um novo caminho, animado pela esperança de poder construir, trabalhando juntos, cada um segundo as suas sensibilidades e responsabilidades, um mundo em que todos possam realizar a sua humanidade na verdade, na justiça e na paz. Espero que isto possa acontecer em todos os contextos, começando pelos mais provados, como a Ucrânia e a Terra Santa”, disse.

Por fim, Leão XIV agradeceu ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, por todo o trabalho que fazem para construir pontes entre os seus países e a Santa Sé.

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