Encontro com os jesuítas de Lisboa

Papa: há resistências na Igreja, mas a porta está sempre aberta a todos

Foi publicada pela La Civiltà Cattolica a conversa completa de Francisco com os jesuítas de Lisboa durante sua viagem a Portugal para a JMJ

Da redação, com Vatican News

Papa Francisco durante a JMJ Lisboa 2023 /Foto: REUTERS/Guglielmo Mangiapane

“Todos, todos, todos”. O apelo lançado e relançado ao longo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de Lisboa por uma Igreja acolhedora, onde haja espaço para “todos, todos, todos”, foi reiterado pelo Papa Francisco em sua conversa com os jesuítas de Portugal. O encontro aconteceu em 5 de agosto no Colégio de São João de Brito, uma escola dirigida pela Companhia de Jesus, durante viagem do Pontífice à capital lusitana.

A conversa – publicada na íntegra pela revista jesuíta La Civiltà Cattolica, contou com a seguinte fala do Santo Padre: “Perguntem o que quiserem. Não tenham medo de ser imprudentes ao perguntar”. Vários tópicos foram abordados: dos desafios geracionais ao testemunho dos religiosos, das questões sobre a sexualidade humana ao desenvolvimento da doutrina, às preocupações com as guerras. “Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, as guerras têm sido incessantes em todo o mundo. E hoje vemos o que está acontecendo no mundo”.

Resistências e atitudes reacionárias

As tensões intra-eclesiais foram outro tema principal da conversa. Portanto, o “indietrismo” (voltar-se para o passado, ndr), a “atitude reacionária” em algumas realidades eclesiais e a resistência ao Concílio Vaticano II. “Muitos colocam em discussão o Vaticano II sem nomeá-lo. Questionam os ensinamentos do Vaticano II”, disse o Papa.

Em seguida, ele respondeu a um religioso que conta ter estado nos Estados Unidos por um ano e ter ficado impressionado por ter visto “tantos, até mesmo bispos, criticando sua maneira de conduzir a Igreja”. “O senhor verificou que, nos Estados Unidos, a situação não é fácil: há uma atitude reacionária muito forte, organizada, que estrutura uma adesão até mesmo afetiva”. E “a essas pessoas” ele lembrou “que o indietrismo é inútil” e que há “uma justa evolução” na compreensão das questões de fé e moral: “Também a doutrina progride, se consolida com o tempo, se expande e se torna mais firme, mas sempre progredindo”. Os exemplos da história são concretos: “Hoje, é pecado possuir bombas atômicas; a pena de morte é um pecado, não pode ser praticada, e antes não era assim; quanto à escravidão, alguns Pontífices antes de mim a toleravam, mas hoje as coisas são diferentes. Então se muda, se muda, mas com esses critérios”.

Doutrina em evolução

“Para cima”, é a imagem que o Papa usou em seguida. “A mudança é necessária”, repete ele; depois acrescentou: “A visão da doutrina da Igreja como um monólito está errada. Mas alguns saem fora, voltam para trás, são o que eu chamo de ‘indietristas’. Quando se retrocede, forma-se algo fechado, desconectado das raízes da Igreja e perde-se a seiva da revelação”.

A advertência do Papa foi clara: “Se você não muda para cima, você retrocede, e então assume critérios de mudança diferentes daqueles que a própria fé lhe dá para crescer e mudar. E os efeitos sobre a moral são devastadores”. Os problemas que os “moralistas” devem examinar hoje são, para o Pontífice, “muito sérios”; o risco é ver a ideologia suplantar a fé: “Pertencer a um setor da Igreja substitui a pertença à Igreja… E quando na vida você abandona a doutrina para substituí-la por uma ideologia, você perdeu, perdeu como na guerra”.

Mundanismo, o pior mal

Na conversa, o Papa ampliou seu olhar para a sociedade atual, que ele vê como excessivamente “mundanizada”, algo que o preocupa muito, sobretudo “quando a mundanidade entra na vida consagrada”. O Pontífice se referiu à sua recente carta aos sacerdotes de Roma, na qual adverte contra o clericalismo e o mundanismo espiritual como armadilhas nas quais se deve evitar cair.

“Uma coisa é se preparar para dialogar com o mundo… outra coisa é se comprometer com as coisas do mundo, com a mundanidade”, enfatizou, exortando mais uma vez para ler as quatro páginas finais da Meditação sobre a Igreja, na qual de Lubac afirma que a mundanidade espiritual “é o pior mal que pode penetrar na Igreja, pior até do que a época dos Papas ‘libertinos'”.

Sociedade erotizada

Não ceder ao mundanismo, entretanto, não significa não dialogar com o mundo: “Não se pode viver em conserva”, recomendou o Papa. “Vocês não devem ser religiosos introvertidos, sorrindo para dentro, falando para dentro, protegendo seu ambiente sem convocar ninguém”. Pelo contrário, é preciso “sair para este mundo”, com os valores e desvalores que ele tem. Entre eles, o de uma vida demasiadamente “erotizada”.

A esse respeito, Francisco sublinhou o problema da pornografia e seu fácil acesso por meio celulares, convidando os sacerdotes a pedir ajuda e a falar sobre esses problemas, porque, ao contrário do passado, quando essas questões não eram tão agudas e eram até mesmo escondidas, “hoje a porta está escancarada, e não há razão para que os problemas permaneçam escondidos”. “Se você esconde seus problemas, é porque escolhe fazer assim, mas não é culpa da sociedade, e nem mesmo de sua comunidade religiosa”, afirmou.

Acolhimento a “todos”

Ainda sobre a questão da sexualidade, o Pontífice retomou o apelo para acolher as pessoas homossexuais na Igreja. “É evidente que hoje a questão da homossexualidade é muito forte, e a sensibilidade a esse respeito muda de acordo com as circunstâncias históricas”, esclareceu. “Mas o que não me agrada nem um pouco, em geral, é que olhemos para o chamado ‘pecado da carne’ com uma lupa, assim como se fez por tanto tempo com relação ao sexto mandamento. Se se explorava os trabalhadores, se mentia ou trapaceava, isso não importava e, em vez disso, os pecados abaixo da cintura eram relevantes.”

“Não se deve ser superficial e ingênuo, forçando as pessoas a fazer coisas e adotar comportamentos para os quais elas ainda não estão maduras ou não são capazes. Acompanhar as pessoas espiritualmente e pastoralmente requer muita sensibilidade e criatividade. Mas todos, todos, são chamados a viver na Igreja: nunca se esqueçam disso”.

“Alegria” pelo Sínodo

Não faltaram perguntas mais pessoais na conversação, como: “Santo Padre… o que está pesando em seu coração e que alegrias o senhor está experimentando neste período?” Francisco respondeu de imediato: “A alegria que mais tenho em mente é a preparação para o Sínodo, mesmo que às vezes eu veja, em algumas partes, que há falhas na maneira como está sendo conduzida. A alegria de ver como, a partir dos pequenos grupos paroquiais, dos pequenos grupos de igrejas, surgem reflexões muito bonitas e há um grande fermento. É uma alegria”.

“O Sínodo não é uma invenção minha”, disse Francisco ao lembrar que foi Paulo VI, no final do Concílio, “que percebeu que a Igreja católica havia perdido a sinodalidade”. Desde então, houve um “progresso lento” e, às vezes, “de maneira muito imperfeita”. Hoje, portanto, há uma tentativa de dar novo vigor à sinodalidade, que, esclareceu o Pontífice, “não está indo em busca de votos, como faria um partido político, não é uma questão de preferências, de pertencer a este ou àquele partido”. Em um Sínodo – insistiu – o protagonista é o Espírito Santo. Ele é o protagonista. Portanto, devemos nos assegurar de que é o Espírito que guia as coisas”.

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