Missionário scalabriniano recorda como, ao longo desses 10 anos de pontificado, palavras e gestos do Papa Francisco lembraram que os migrantes têm rostos, um nome e uma história
Kelen Galvan
Da Redação
Desde o início do seu pontificado, Papa Francisco mostrou uma preocupação com a realidade dos migrantes e refugiados, que dia após dia deixam suas pátrias para fugir de guerras, da fome ou partem em busca de oportunidades.
Francisco, que também é filho de migrantes italianos, escolheu como destino da primeira viagem como Pontífice a Ilha de Lampedusa, no sul da Itália. A ilha é o ponto mais próximo do continente africano, distante 113 km da costa tunisiana, e recebe os migrantes em trânsito pela rota mediterrânea, provenientes da África e Oriente Médio.
“Papa os tornou mais visíveis: pessoas com rosto, nome e uma história, com famílias, sonhos e lutas”
“O Papa Francisco têm tido palavras e gestos para com os migrantes que dão uma maior visibilidade à questão migratória. Podemos dizer que os migrantes eram considerados ‘números, estatísticas, gráficos sem rosto’, e o Papa os tornou mais visíveis: pessoas com rosto, nome e uma história, com famílias, sonhos e lutas. Na verdade, o Papa Francisco trouxe os migrantes para o ‘centro do palco’, e iluminou suas vidas com a Palavra de Deus”, afirma o padre Alfredo José Gonçalves, CS, vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes (missão paz SP).
Dentre os muitos gestos do Santo Padre em prol dos migrantes e refugiados, podemos destacar a visita à Ilha de Lesbos, na Grécia, que recebem os migrantes da rota balcânica. O Papa visitou o local em duas ocasiões, a primeira em 2016, quando levou três famílias sírias para morar em Roma e subsidiou todos os custos desse acolhimento.
A segunda foi em dezembro de 2021, quando pediu: “Não permitamos que o ‘mare nostrum’ (o Mediterrâneo) se transforme num desolado ‘mare mortuum’ (…), não deixemos que este mar de memórias se transforme no mar do esquecimento”.
Padre Alfredo destaca também a visita do Papa aos Estados Unidos, em setembro de 2015. O sacerdote lembra que a divisa entre México e Estados Unidos, especialmente a Ciudad Juarez, no México, é considerada uma das mais violentas do mundo contra os migrantes que tentam cruzar a fronteira.
Na ocasião, em encontro no Independence Mall, na Filadélfia, Francisco destacou a liberdade religiosa e disse aos imigrantes para terem orgulho de suas descendências. Em outra oportunidade, no discurso aos parlamentares, em Washington, pediu o fim da “mentalidade de hostilidade” para com os imigrantes.
“O Papa sempre teve esse olhar muito especial para aqueles que estão fora de suas terras, de sua Pátria (…) Podemos dizer que, no Pontificado de Francisco, os migrantes são mais protagonistas, mais sujeitos de sua própria história e sempre com o apoio do Papa”, afirma padre Alfredo.
Outra iniciativa do Santo Padre, nestes dez anos de Pontificado, foi a criação do Dicastério para o Desenvolvimento Integral e, dentro desse órgão, um setor voltado para os migrantes, que está ligado diretamente ao Papa.
Serviço aos migrantes
Essas tantas atitudes do Papa Francisco deram novo impulso ao trabalho de muitas instituições que atuam junto aos migrantes e refugiados. Uma delas é a Congregação dos Missionários de São Carlos, conhecidos como Carlistas ou Scalabrinianos. A congregação nasceu no final do século XIX, no contexto da revolução industrial, quando a imigração da Europa atingiu níveis muito fortes.
O fundador desta Congregação, Dom João Batista Scalabrini (1839-1905), foi canonizado pelo Papa Francisco em outubro de 2022.
“O Papa Francisco, bem como São João Scalabrini, teve um olhar de Pastor para os migrantes”
“O Papa dispensou um dos milagres para torná-lo santo. O que significa que a condição dos migrantes hoje no planeta levou o Papa a tornar Scalabrini um santo para dar maior força a este trabalho junto aos scalabrinianos, junto aos migrantes e refugiados”, destaca padre Alfredo, que também é um missionário scalabriniano e se dedica, há mais de 30 anos, à causa dos migrantes dentro e fora do Brasil.
Padre Alfredo afirma que o Papa Francisco, bem como São João Scalabrini, teve um olhar de Pastor para os migrantes, deixando as “99 ovelhas de suas casas, suas dioceses, e buscando a ovelha perdida, o migrante que estava sem pátria”. E através desse olhar de Pastor, deram uma nova visibilidade também à Pastoral dos Migrantes.
“Tanto é verdade que a própria ONU hoje tem um olhar diferenciado para com os migrantes, juntamente com a mídia e a opinião pública. O olhar para os migrantes hoje é muito mais intenso, porque também as migrações se tornaram muito mais numerosas, mais complexas e diversificadas. Hoje, é difícil o país no planeta que não esteja envolvido de algum modo nas migrações, ou como país de origem, ou país de destino ou as duas coisas ao mesmo tempo, ou país de trânsito”, explicou.
Rostos e histórias
O missionário recordou um momento marcante que viveu com o Papa Francisco, no último Capítulo de sua congregação. Na ocasião, os scalabrinianos elegeram o projeto e a nova direção que assumiu a instituição.
“Fomos visitar o Papa e a primeira coisa que notamos foi que para ele, um grupo não é feito de números, de multidão, mas é feito de rostos, de pessoas com nome. E o Papa faz questão de chamar pelo nome, de lembrar alguma coisa da história de cada um. E faz questão de trazer à tona essa história e colocá-la no centro da visita”, lembra.
O sacerdote destaca que essa foi uma experiência muito rica. Francisco já havia trabalhado com os scalabrinianos na Argentina e conhecia alguns deles. Neste encontro, também conversou sobre a situação dos refugiados e os trabalhos desenvolvidos pelos missionários.
“Sempre preocupado com nomes, rostos, histórias, sonhos e esperanças. Essa é a preocupação principal do Papa Francisco. Me impactou a maneira como o Santo Padre tem uma sensibilidade e uma solidariedade muito especial para aqueles que sofrem, aqueles que estão pelas estradas do mundo, aqueles que vivem em situações limites”, recordou padre Alfredo.