Íntegra

Discurso do Papa às autoridades da República Democrática do Congo

VIAGEM DO PAPA FRANCISCO À REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO E AO SUDÃO DO SUL
31 de janeiro a 5 de fevereiro de 2022

Visita ao presidente da república e encontro com as autoridades
Palais de la Nation – Kinshasa
Terça-feira, 31 de janediro de 2023

Senhor Presidente da República, Ilustres Membros do Governo e do Corpo Diplomático, Distintas Autoridades religiosas e civis, Insignes Representantes da sociedade civil e do mundo da cultura, Senhoras e Senhores!

Saúdo-vos cordialmente e agradeço ao Senhor Presidente as palavras que me dirigiu. Estou feliz por estar aqui, nesta terra tão bela, vasta e fértil, que abraça a floresta equatorial ao norte, planaltos e savanas arborizadas ao centro e para o sul, colinas, montanhas, vulcões e lagos ao leste, e a oeste outras grandes águas com o rio Congo que encontra o oceano. No vosso país, que é como um continente no grande continente africano, parece que toda a terra respira. Mas, se a geografia deste pulmão verde é tão rica e martirizada, já a história não se mostrou igualmente generosa: atormentada pela guerra, a República Democrática do Congo continua a padecer, dentro das suas fronteiras, conflitos e migrações forçadas e a sofrer terríveis formas de exploração, indignas do homem e da criação. Este país imenso e cheio de vida, este diafragma da África, atingido pela violência como se fosse um murro no estômago, parece há muito sem fôlego. Senhor presidente, o senhor mencionou esse genocídio esquecido que a República Democrática do Congo está sofrendo. 

E enquanto vós, congoleses, lutais para salvaguardar a vossa dignidade e a vossa integridade territorial contra condenáveis tentativas de fragmentar o país, venho até junto de vós, em nome de Jesus, como um peregrino de reconciliação e de paz. Muito desejei estar aqui e, finalmente, venho trazer-vos a solidariedade, o afeto e a consolação de toda a Igreja Católica.

Quero falar-vos servindo-me duma imagem, que bem simboliza a luminosa beleza desta terra: a imagem do diamante. Queridas mulheres e homens congoleses, o vosso país é verdadeiramente um diamante da criação; mas vós, todos vós, sois infinitamente mais preciosos do que qualquer bem que brote deste solo fecundo! Estou aqui para vos abraçar e recordar que tendes um valor inestimável, que a Igreja e o Papa têm confiança em vós, acreditam no vosso futuro, num futuro que esteja nas vossas mãos e no qual mereceis poder investir os vossos dotes de inteligência, sagacidade e laboriosidade. Coragem, irmão e irmã congoleses! Levanta-te, retoma nas mãos, como um diamante puríssimo, aquilo que és, a tua dignidade, a tua vocação de guardar na harmonia e na paz a casa que habitas. Revive o espírito do teu hino nacional, sonhando e pondo em prática as suas palavras: «Através dum trabalho duro, construiremos um país mais belo do que antes; em paz».

Prezados amigos, os diamantes, habitualmente raros, aqui abundam. Se isto vale para as riquezas materiais escondidas no subsolo, com maior razão vale para as riquezas espirituais encerradas nos corações. E é precisamente a partir dos corações que a paz e o desenvolvimento continuam a ser possíveis, porque, com a ajuda de Deus, os seres humanos são capazes de justiça e perdão, de concórdia e reconciliação, de compromisso e perseverança em pôr a render os talentos recebidos. Desejo, pois, ao início da minha viagem lançar um apelo: que cada congolês se sinta chamado a fazer a sua parte! Que a violência e o ódio não tenham mais lugar no coração e nos lábios de ninguém, porque são sentimentos anti-humanos e anticristãos, que paralisam o desenvolvimento e fazem retroceder para um passado sombrio.

A propósito de desenvolvimento obstruído e retorno ao passado, é trágico que estes lugares, e o continente africano em geral, padeçam ainda de várias formas de exploração. Aquele lema que sai do inconsciente de tantas culturas e gentes: a África precisa ser explorada. De fato, depois da exploração política, desencadeou-se um «colonialismo económico» igualmente escravizador. Assim, largamente saqueado, este país não consegue beneficiar suficientemente dos seus recursos imensos: chegou-se ao paradoxo de os frutos da sua terra o tornarem «estrangeiro» para os próprios habitantes. O veneno da ganância tornou os seus diamantes ensanguentados. É um drama face ao qual, muitas vezes, o mundo economicamente mais desenvolvido fecha os olhos, os ouvidos e a boca. Mas este país e este continente merecem ser respeitados e ouvidos, merecem espaço e atenção: tirem as mãos da República Democrática do Congo, tirem as mãos da África! Basta com este sufocar a África: não é uma mina para explorar, nem uma terra para saquear. Que a África seja protagonista do seu destino! Que o mundo recorde os desastres perpetrados ao longo dos séculos em prejuízo das populações locais, e não esqueça este país e este continente. Que a África, sorriso e esperança do mundo, conte mais: fale-se mais sobre ela, tenha mais peso e representatividade entre as Nações!

Abra-se caminho a uma diplomacia do homem a favor do homem, dos povos a favor dos povos, onde estejam no centro, não o controle das áreas e recursos, nem as ambições de expansão e o aumento dos lucros, mas as oportunidades de crescimento das pessoas. Olhando para este povo, fica-se com a impressão de que a Comunidade Internacional se tenha quase resignado com a violência que o devora. Não podemos habituar-nos ao sangue que, há décadas, corre neste país ceifando milhões de vidas, sem que muitos o saibam. Seja conhecido tudo o que acontece aqui. Os processos de paz em curso, que encorajo com todas as forças, sejam sustentados com fatos, e os compromissos sejam mantidos. Graças a Deus, não falta quem contribua para o bem da população local e para um efetivo desenvolvimento através de projetos eficazes: não meras intervenções assistenciais, mas planos tendentes a um crescimento integral. Expresso imensa gratidão aos países e às organizações que fornecem ajudas substanciais nessa linha, ajudando na luta contra a pobreza e as doenças, apoiando o estado de direito, promovendo o respeito pelos direitos humanos. Faço votos de que possam continuar a desempenhar plena e corajosamente esta nobre função.

Voltemos à imagem do diamante. Uma vez trabalhado, a sua beleza deriva também da sua forma, de numerosas faces harmoniosamente dispostas. De igual modo este país, enriquecido pelo seu típico pluralismo, possui um caráter poliédrico. É uma riqueza que deve ser salvaguardada, evitando cair no tribalismo e na contraposição. A adesão obstinada à própria etnia ou a interesses particulares, alimentando espirais de ódio e violência, reverte em detrimento de todos, já que bloqueia a necessária «química do conjunto». A propósito de química, um dado interessante é a constituição dos diamantes formada por simples átomos de carbono; mas, se estes forem diversamente interligados, formam a grafite: na prática, a diferença entre a luminosidade dum diamante e a obscuridade da grafite deve-se ao modo como os simples átomos estão dispostos no interior da molécula. Metáfora aparte; o problema não é a natureza dos homens ou dos grupos étnicos e sociais, mas o modo em que se decide estar juntos: querer ou não encontrar-se, reconciliar- se e recomeçar, marca a diferença entre a obscuridade do conflito e um luminoso futuro de paz e prosperidade.

Queridos amigos, o Pai do Céu quer que nos saibamos acolher como irmãos e irmãs duma única família e trabalhar para um futuro que seja vivido juntamente com os outros, não contra os outros. «Bintu bantu»: assim, de forma muito expressiva, um provérbio vosso recorda que a verdadeira riqueza são as pessoas e as boas relações com elas. Chamadas a contribuir para isso são de modo especial as religiões, com o seu património de sabedoria, esforçando-se diariamente por renunciar a toda a agressividade, proselitismo e coação, meios indignos da liberdade humana. Quando degeneram na imposição, lançando-se à caça de seguidores de modo indiscriminado com o engano ou a força, saqueiam a consciência alheia e viram costas ao verdadeiro Deus, porque – não o esqueçamos – «onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade» (2 Cor 3, 17). No empenho por construir um futuro de paz e fraternidade, também os membros da sociedade civil – alguns deles aqui presentes – desempenham um papel essencial. Muitas vezes, à custa de grandes sacrifícios, deram provas de saber opor-se à injustiça e à degradação para defender os direitos humanos, a necessidade duma sólida educação para todos e duma vida mais digna para cada um. De coração agradeço às mulheres e aos homens, especialmente os jovens deste país, que tiveram em variada medida de sofrer por causa disso, e presto-lhes homenagem.

O diamante, na sua transparência, refrata de maneira maravilhosa a luz que recebe. Muitos de vós brilham pelo papel que desempenham. Assim, quem detém responsabilidades civis e governamentais é chamado a atuar com clareza cristalina, vivendo o encargo recebido como um meio para servir a sociedade. De fato, o poder só tem sentido se se torna serviço. Como é importante agir com este espírito, fugindo do autoritarismo, da busca do lucro fácil e da ganância do dinheiro, que o apóstolo Paulo define «raiz de todos os males» (1 Tm 6, 10); e procurando, ao mesmo tempo, promover eleições livres, transparentes e credíveis; alargar ainda mais a participação nos processos de paz às mulheres, aos jovens e aos grupos marginalizados; buscar mais o bem comum e a segurança das pessoas do que os interesses pessoais ou de grupo; reforçar a presença do Estado em todas as partes do território; cuidar das inúmeras pessoas deslocadas e refugiadas. Não se deixem manipular nem comprar por quem quer manter o país na violência para o explorar e fazer negócios vergonhosos: isto só traz descrédito e vergonha, juntamente com morte e miséria. Ao contrário, é bom aproximar-se das pessoas, para se dar conta do modo como vivem. As pessoas fiam-se quando sentem que o indivíduo que as governa se faz realmente próximo, não por cálculo nem exibicionismo, mas por serviço.

Na sociedade, muitas vezes o que obscurece a luz do bem são as trevas da injustiça e da corrupção. Já há séculos se perguntava Santo Agostinho, nascido neste continente: «Se não se respeita a justiça, que são os Estados senão grandes bandos de ladrões?» (De civitate Dei, IV, 4). Deus está da parte de quem tem fome e sede de justiça (cf. Mt 5, 6). É preciso não se cansar de promover, em cada setor, o direito e a equidade contrastando a impunidade e a manipulação das leis e da informação.

Um diamante sai da terra genuíno mas em estado bruto, carecendo de ser trabalhado. Assim, também os diamantes mais preciosos da terra congolesa, que são os filhos desta nação, devem poder usufruir de válidas oportunidades educativas, que lhes permitam fazer frutificar plenamente os brilhantes talentos que possuem. A educação é fundamental: é o caminho para o futuro, o caminho a percorrer para se alcançar a plena liberdade deste país e do continente africano. É urgente investir nela para preparar sociedades que só serão consolidadas se bem instruídas, só serão autónomas se plenamente conscientes das suas potencialidades e capazes de as desenvolver com responsabilidade e perseverança. Mas há muitas crianças que não vão à escola: quantas, em vez de receberem uma digna instrução, são exploradas! Muitas morrem, sujeitas a trabalhos escravizadores nas minas. Não se poupem esforços para denunciar o flagelo do trabalho infantil e acabar com ele. Quantas adolescentes são marginalizadas e violadas na sua dignidade! As crianças, as donzelas, os jovens são a esperança: não permitamos que seja extinta, mas cultivemo-la com paixão!

Dom da terra, o diamante faz apelo à salvaguarda da criação, à proteção do meio ambiente. Situada no coração da África, a República Democrática do Congo abriga um dos maiores pulmões verdes do mundo, que deve ser preservado. Como na paz e no desenvolvimento, também neste campo é importante uma colaboração ampla e profícua, que permita intervir eficazmente, sem impor modelos externos, mais úteis a quem ajuda do que a quem é ajudado. Muitos pediram à África o seu empenhamento e ofereceram-lhe ajuda para contrastar as alterações climáticas e o coronavírus. Trata-se, sem dúvida, de oportunidades que se devem aproveitar, todavia há necessidade sobretudo de modelos sanitários e sociais que deem resposta não só às urgências do momento, mas contribuam para um efetivo crescimento social: há necessidade de estruturas sólidas e de pessoal honesto e competente para superar os graves problemas que bloqueiam logo ao nascer o desenvolvimento, como a fome e a malária.

Finalmente, o diamante é o mineral de origem natural com maior dureza; é muito alta a sua resistência aos agentes químicos. A contínua repetição de ataques violentos e as numerosas situações de transtorno poderiam enfraquecer a resistência dos congoleses, minar a sua força de ânimo, levá-los a desanimar e fechar-se na resignação. Mas em nome de Cristo, que é o Deus da esperança, o Deus de todas as possibilidades que sempre dá a força para recomeçar, em nome da dignidade e do valor dos diamantes mais preciosos desta terra esplêndida que são os seus cidadãos, quero convidar a todos para um recomeço social corajoso e inclusivo. No-lo pede a história luminosa mas ferida do país, no-lo suplicam sobretudo os jovens e as crianças. Estou unido a vós e, com a oração e a proximidade, acompanho todos os esforços por um futuro pacífico, harmonioso e próspero deste grande país. Deus abençoe toda a nação congolesa!

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