VIAGEM DO PAPA FRANCISCO À REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO E AO SUDÃO DO SUL
31 de janeiro a 5 de fevereiro de 2022
Encontro com os jovens e os catequistas
Estádio dos Mártires (Kinshasa)
Quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023
Santa Sé
Obrigado pela vossa amizade, a vossa dança e as vossas palavras! Estou feliz por ter podido fixar-vos nos olhos, saudar-vos e abençoar-vos, enquanto as vossas mãos levantadas para o céu faziam festa.
Agora quero pedir-vos para durante alguns momentos olhardes, não para mim, mas concretamente para as vossas mãos: abri as palmas das mãos e fixai nelas os olhos. Amigos, Deus colocou nas vossas mãos o dom da vida, o futuro da sociedade e deste grande país. Irmão, irmã, as tuas mãos parecem-te pequenas e frágeis, vazias e inaptas para tarefas tão grandes? Quero, porém, fazer-te notar uma coisa: todas as mãos são semelhantes, mas não há nenhuma igual a outra; ninguém tem mãos iguais às tuas. Por isso, tu és uma riqueza única, irrepetível e incomparável. Ninguém, na história, te pode substituir. Pergunta-te então: Para que servem estas minhas mãos? Para construir ou destruir, dar ou reter, amar ou odiar? Vê! Podes apertar a mão e fechá-la, torna-se um punho; ou podes abri-la e colocá-la à disposição de Deus e dos outros. Aqui está a opção fundamental, desde os tempos antigos, desde Abel que ofereceu com generosidade os frutos do seu trabalho, enquanto Caim levantou a mão contra o irmão e o matou (cf. Gn 4, 8). Jovem que sonhas com um futuro diferente, é das tuas mãos que nasce o amanhã; das tuas mãos, pode vir a paz que falta a este país. Mas, concretamente, como fazer? Quero sugerir-vos alguns «ingredientes para construir o futuro»: justamente cinco, que podeis associar aos dedos duma mão.
Ao polegar, o dedo mais próximo do coração, corresponde a oração, que faz pulsar a vida. Pode parecer uma coisa abstrata, distante da realidade concreta dos problemas. Mas a oração é o primeiro ingrediente, e o fundamental, porque sozinhos nada conseguimos fazer. Não somos omnipotentes e, quando alguém julga que o é, acaba por falhar miseravelmente. É como uma árvore desenraizada: mesmo que seja grande e robusta, sozinha não se aguenta de pé. Por isso mesmo, é preciso radicar-se na oração, na escuta da Palavra de Deus, que nos permite crescer cada dia em profundidade, dar fruto e transformar o ar poluído que respiramos em oxigénio vivificante. Para o conseguir, cada árvore precisa dum elemento simples e essencial: a água. Pois bem! A oração é «a água da alma»: é humilde, não se vê, mas dá vida. Quem reza, amadurece interiormente e sabe erguer o olhar para o Alto, lembrando-se de que foi feito para o Céu.
Irmão, irmã, há necessidade de oração, duma oração viva. Não te dirijas a Jesus como a um ser distante e estranho de quem se tem medo, mas como ao maior amigo, que deu a vida por ti. Conhece-te, confia em ti e ama-te, sempre. Se O contemplas suspenso na cruz para te salvar, compreendes quanto vales para Ele. E podes confiar-Lhe, colocando sobre a sua cruz as tuas cruzes, os teus medos, as tuas preocupações. Abraçá-los-á; já o fez há dois mil anos, e aquela cruz, que hoje suportas, já fazia parte da d’Ele. Portanto, não tenhas medo de tomar o crucifixo nas mãos e apertá-lo ao peito, de derramar as tuas lágrimas por Jesus. E não te esqueças de fixar o seu rosto, o rosto dum Deus jovem, vivo, ressuscitado! Sim, Jesus venceu o mal; fez, da cruz, a ponte para a ressurreição. Por isso, cada dia levanta as mãos para Ele a fim de O louvar e bendizer; grita-Lhe as esperanças do teu coração, confia-Lhe os segredos mais íntimos da vida: a pessoa que amas, as feridas que guardas dentro, os sonhos que tens no coração. Fala-Lhe do teu bairro, dos vizinhos, dos professores, dos companheiros, dos amigos e colegas; do teu país. Deus gosta desta oração viva, concreta, feita com o coração. Permite-Lhe intervir, entrar nos sulcos da vida dum modo especial, ou seja, com a sua «força de paz». Esta tem um nome; sabeis quem é? É o Espírito Santo, Aquele que consola e dá vida. É o motor da paz, é a verdadeira força de paz. Por isso mesmo, a oração é a arma mais poderosa que existe. Transmite-te o conforto e a esperança de Deus. Abre-te sempre novas possibilidades e ajuda-te a superar os medos. É verdade! Quem reza vence o medo e assume o próprio futuro. Acreditais nisto? Quereis escolher a oração como vosso segredo, como água da alma, como única arma a trazer convosco, como companheira de viagem todos os dias?
Agora fixemos o segundo dedo, o indicador. Com ele, indicamos algo aos outros. Os outros, a comunidade: aqui está o segundo ingrediente. Amigos, não deixeis que a vossa juventude seja arruinada pela solidão e o isolamento. Imaginai-vos sempre juntos, e sereis felizes, porque a comunidade é o caminho para estar bem connosco mesmos, para ser fiéis à própria vocação. As escolhas individualistas, pelo contrário, no início parecem aliciadoras, mas depois deixam dentro apenas um grande vazio. Pensai nas drogas: escondes-te dos outros, da vida verdadeira, para te sentires omnipotente; e, no fim, encontras-te privado de tudo. Mas pensai também na dependência do ocultismo e da feitiçaria, que enredam nas grinfas do medo, da vingança e da raiva. Não vos deixeis fascinar por falsos paraísos egoístas, construídos sobre aparências, ganhos fáceis ou religiosidades distortas.
E guardai-vos da tentação de apontar o dedo contra alguém, de excluir o outro por ser de origem diferente da vossa; guardai-vos do regionalismo, do tribalismo, que parecem reforçar-vos no vosso grupo quando, pelo contrário, representam a negação da comunidade. Sabeis como acontece: primeiro, crê-se nos preconceitos sobre os outros, depois justifica-se o ódio e em seguida a violência, no fim encontramo-nos no meio da guerra. Mas tu – pergunto – já terias falado com pessoas dos outros grupos ou sempre estiveste fechado no teu? Terias já escutado as histórias dos outros, debruçando-te sobre as suas tribulações? Claro, é mais fácil condenar alguém do que compreendê-lo; mas o caminho que Deus indica para construir um mundo melhor passa pelo outro, pelo conjunto, pela comunidade. É fazer Igreja, alargar os horizontes, ver em cada um o meu próximo, cuidar do outro. Vês alguém sozinho, atribulado, negligenciado? Aproxima-te dele, não para lhe fazeres ver como és bom, mas para lhe dar o teu sorriso e oferecer-lhe a tua amizade.
David, disseste que vós jovens quereis, e justamente, estar conectados com os outros, mas que as redes sociais frequentemente vos confundem. É verdade! O mundo virtual não é suficiente, não nos podemos contentar em interagir com pessoas distantes ou mesmo falsas. A vida real não se toca com um dedo no ecrã. É triste ver jovens que passam horas diante dum telemóvel: depois de largarem aquele espelho, se olhares para o seu rosto, verás que não sorri, o olhar tornou-se cansado e enjoado. Nada e ninguém pode substitui a força de estar juntos, a luz dos olhos, a alegria da partilha! É essencial falar e ouvirmo-nos: não vos contenteis com o ecrã onde cada um procura o que lhe interessa; em vez disso descobri cada dia a beleza de vos deixardes maravilhar pelos outros, as suas histórias e as suas experiências.
Tentemos agora experimentar o que significa fazer comunidade. Durante alguns momentos, por favor, dai a mão a quem está ao vosso lado. Senti-vos uma única Igreja, um único Povo. Sente que o teu bem depende do bem do outro, que é multiplicado se for posto em conjunto. Sente-te guardado pelo irmão e pela irmã, por alguém que te aceita assim como és e quer cuidar de ti. E sente-te responsável pelos outros, parte viva duma grande rede de fraternidade, onde nos apoiamos reciprocamente e tu és indispensável. Sim! És indispensável e responsável pela tua Igreja e pelo teu país; fazes parte duma história maior, que te chama a ser protagonista: criador de comunhão, campeão de fraternidade, corajoso sonhador dum mundo mais unido.
Nesta aventura, não estais sozinhos; apoia-vos a Igreja inteira, espalhada por todo o mundo. Trata-se dum desafio difícil, mas possível. E tendes também amigos que, das bancadas do Céu, vos impelem para estas metas. Sabeis quem são? Os santos. Penso, por exemplo, no Beato Isidoro Bakanja, na Beata Maria Clementina Anuarita, em São Kizito e nos seus companheiros: testemunhas da fé, mártires que nunca cederam à lógica da violência, mas confessaram, com a vida, a força do amor e do perdão. Os seus nomes, escritos no Céu, ficarão na história, enquanto o fechamento e a violência sempre revertem em detrimento de quem os comete. Sei que já várias vezes demonstrastes saber erguer-vos para defender, mesmo à custa de grandes sacrifícios, os direitos humanos e a esperança duma vida melhor para todos no país. Agradeço-vos por isso e honro a memória de tantos que perderam a vida ou a saúde por estas nobres causas. E encorajo-vos: avançai juntos, sem medo, como comunidade!
Oração, comunidade… E chegamos ao dedo médio, que se alonga um pouco mais além dos outros para de certo modo nos lembrar uma coisa imprescindível. É o ingrediente fundamental para um futuro que esteja à altura das vossas expectativas. É a honestidade! Ser cristão é testemunhar Cristo. Ora o primeiro modo de o fazer é viver retamente, como Ele quer. Isto significa não se deixar enredar nos laços da corrupção. O cristão só pode ser honesto, senão trai a sua identidade. Sem honestidade, não somos discípulos e testemunhas de Jesus; somos pagãos, idólatras que se adoram a si próprios em vez de Deus, que se servem dos outros em vez de servir os outros.
Mas – pergunto – como se vence o câncer da corrupção, que parece expandir-se sem nunca parar? São Paulo ajuda-nos, com uma frase simples e genial, que podeis repetir até a recordar de cor. É esta: «Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem» (Rm 12, 21). Não te deixes vencer pelo mal: não vos deixeis manipular por indivíduos ou grupos que procuram servir-se de vós para manter o vosso país na espiral da violência e da instabilidade, para continuarem a controlá-lo sem consideração por ninguém. Mas vence o mal com o bem: sede vós os transformadores da sociedade, os conversores do mal em bem, do ódio em amor, da guerra em paz. Quereis sê-lo? Se quiserdes, é possível… E sabeis porquê? Porque cada um de vós tem um tesouro que ninguém vos pode roubar: são as vossas opções. Sim! Tu és o resultado das opções que realizas, e sempre podes escolher a coisa certa a fazer. Somos livres para escolher: não permitais que a vossa vida seja arrastada pela torrente poluída, não vos deixeis levar como tronco seco num rio sujo. Indignai-vos, sem nunca ceder aos aliciamentos persuasivos, mas envenenados, da corrupção.
Vem-me à mente o testemunho dum jovem como vós, Floribert Bwana Chui: há quinze anos – contava ele apenas 26 – foi morto em Goma por ter bloqueado a passagem de alimentos estragados, que teriam danificado a saúde das pessoas. Poderia deixar correr, não o teriam descoberto e ainda ganharia qualquer coisa naquilo. Mas, como cristão, rezou, pensou nos outros e escolheu ser honesto, dizendo não à imundície da corrupção. Isto é conservar as mãos limpas, enquanto as mãos, que ganham em tráficos ilícitos, ficam ensanguentadas. Se alguém te entregar um envelope prometendo favores e riquezas, não caias na armadilha, não te deixes enganar, não te deixes engolir pelo pântano do mal. Não te deixes vencer pelo mal, não acredites nas tramoias obscuras do dinheiro, que te fazem precipitar na noite. Ser honesto é brilhar como de dia, é espalhar a luz de Deus, é viver a bem-aventurança da justiça: vence o mal com o bem!
Passamos ao quarto dedo: o anular. Nele se colocam as alianças nupciais. Mas, se pensarmos bem, o anular é também o dedo mais frágil, aquele que tem mais dificuldade para se levantar. Lembra-nos que as grandes metas da vida, a começar pelo amor, passam por fragilidades, canseiras e dificuldades. Devem ser vividas, enfrentadas com paciência e confiança, sem nos sobrecarregarmos com problemas inúteis, como, por exemplo, transformar o valor simbólico do dote num valor quase de mercado. Mas nas nossas fragilidades, nas crises, qual é a força que nos faz continuar? O perdão. Pois perdoar quer dizer saber recomeçar. Perdoar não significa esquecer o passado, mas não se resignar com o facto de poder repetir-se. É mudar o curso da história. É levantar quem caiu. É aceitar a ideia de que ninguém é perfeito e que todos – e não só eu – têm o direito de recomeçar.
Amigos, para criar um futuro novo, precisamos de dar e receber o perdão. É o que faz o cristão: não se limita a amar aqueles que o amam, mas sabe interromper, com o perdão, a espiral das vinganças pessoais e tribais. Penso no Beato Isidoro Bakanja, um irmão vosso que foi torturado longamente porque não renunciara a testemunhar a sua piedade e propusera o cristianismo a outros jovens. Nunca cedeu a sentimentos de ódio e, ao dar a vida, perdoou ao seu carrasco. Quem perdoa leva Jesus mesmo aonde não é acolhido, introduz amor onde o amor é rejeitado. Quem perdoa constrói o futuro. Mas como tornar-se capaz de perdão? Deixando-se perdoar por Deus. Sempre que nos confessamos, somos os primeiros a receber em nós aquela força que muda a história. Da parte de Deus, somos perdoados sempre e gratuitamente; quanto a nós, é-nos dito – como se lê no Evangelho – «vai e faz tu também o mesmo» (Lc 10, 37). Caminha, pondo fim ao rancor, sem veneno, sem ódio. Caminha, assumindo o estilo de Deus, o único que renova a história. Caminha e acredita que, com Deus, sempre se pode recomeçar, sempre se pode voltar a partir, sempre se pode perdoar!
Oração, comunidade, honestidade, perdão. Chegamos ao último dedo: o mindinho. Tu poderias dizer: sou pequeno, e o bem que possa fazer não passa duma gota no oceano. Mas é precisamente a pequenez, o fazer-se pequenino que atrai Deus. Há uma palavra-chave neste sentido: serviço. Quem serve, faz-se pequenino. Como uma semente minúscula que parece desaparecer na terra e, em vez disso, dá fruto. Segundo Jesus, o serviço é o poder que transforma o mundo. Deste modo, a simples pergunta que poderias até atar ao dedo, para não te esqueceres de a fazer cada dia, é esta: Eu, que posso fazer pelos outros? Ou seja: como posso servir a Igreja, a minha comunidade, o meu país? Olivier, disseste-nos que nalgumas regiões isoladas sois vós, os catequistas, que servis diariamente a comunidade dos fiéis e que isto, na Igreja, deve ser «tarefa de todos». É verdade! E é belo servir os outros, cuidar deles, fazer algo gratuitamente, como Deus faz connosco. Quero agradecer-vos, queridos catequistas: para muitas comunidades, sois vitais como a água! Fazei-as crescer sempre com a clareza da vossa oração e do vosso serviço. Servir não é ficar de braços cruzados, é mobilizar-se. Muitos movem-se, porque seduzidos pelos próprios interesses; vós não tendes medo de vos mobilizar em prol do bem, investir no bem, no anúncio do Evangelho, preparando-vos com paixão e adequadamente, dando vida a projetos organizados e de longo prazo. E não tendes medo de fazer ouvir a vossa voz, porque, nas vossas mãos, está o futuro e também o presente. Vós estais mesmo no ponto central do presente!
Amigos, deixei-vos cinco conselhos para identificar prioridades no meio das inúmeras e persuasivas vozes que circulam. Muitas vezes na vida, como na circulação estradal, é a desordem que cria engarrafamentos e inúteis bloqueios, que fazem perder tempo e energias e alimentam a cólera. Ao contrário, faz-nos bem, mesmo na confusão, dar ao coração e à vida pontos firmes, direções estáveis, para iniciar um futuro diferente, sem se deixar levar pelos ventos do oportunismo. Queridos amigos, jovens e catequistas, agradeço-vos pelo que sois e fazeis: pelo vosso entusiasmo, a vossa luz e a vossa esperança. Quero dizer-vos uma última coisa: nunca desanimeis! Jesus confia em vós e nunca vos deixa sozinhos. A alegria que hoje tendes, guardai-a e não deixeis que se apague. Como dizia Floribert aos seus amigos, quando estavam deprimidos: «Pega no Evangelho e lê-o! Consolar-te-á, dar-te-á alegria». Juntos, saí do pessimismo, que paralisa. A República Democrática do Congo espera, das vossas mãos, um futuro diverso, porque o futuro está nas vossas mãos. O vosso país voltará a ser, graças a vós, um jardim fraterno, o coração de paz e liberdade da África! Obrigado!