Chipre é terra rica do ponto de vista histórico, mas, nos últimos anos, vem enfrentando uma grave crise migratória
Thiago Coutinho
Da redação
De quinta-feira, 2, a segunda-feira, 6, o Papa Francisco realiza sua 35ª Viagem Apostólica, com destino à Grécia e Chipre — com passagem pela ilha de Lesbos.
A viagem do Pontífice será composta por nove discursos, duas homilias e uma oração mariana do Angelus. A primeira parada do Santo Padre será no Chipre, com um discurso inicial marcado às 16h (hora local).
O Chipre, uma das maiores e mais populosas ilhas do Mediterrâneo, é dividido em duas partes: pouco mais da metade dela (60%) fica a controle da República do Chipre, composta pelos gregos. O restante do território é controlado pela República Turca do Norte do Chipre — reconhecida exclusivamente pela Turquia. Portanto, no Chipre, grego e turco são as duas línguas oficiais.
“O contexto de ocupação da ilha é extremamente complexo”, explica Roberto Gomes da Silva Filho, graduado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em História, Sociedade e Cultura pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). “Remete há, no mínimo, 1600 a.C., quando a ilha foi ocupada. A ilha sofreu duas dessas ocupações gregas por conta de sua localização estratégica”.
Um pouco de história
A ilha permaneceu sob forte orientação do mundo grego, apesar de sucessivas e inúmeras invasões, entre elas a egípcia, persa e romana. “Até que em 1540 os otomanos a tomaram. Há relatos de massacres de muitos gregos pelo império turco-otomano”, recorda Gomes.
Mas é no início do século XIX, com a guerra de independência da Grécia, que houve um grande apelo pela união do Chipre ao território grego em virtude da pobreza extrema e do teor nacionalista ali cultivado. “A união com a Grécia é então firmada. Já no fim do século XIX, no Congresso de Berlim, uma reunião de líderes das grandes potências europeias, cujo objetivo era dividir os Países dos Balcãs e a África entre si, o império britânico acaba assumindo a administração do Chipre e a utiliza como base militar estratégica — que fica próximo ao Canal de Suez, que liga o Mar Vermelho ao Mediterrâneo, uma importante rota comercial”, detalha o especialista.
Diversas revoltas têm início na década de 1930, período pós-Primeira Guerra Mundial, quando diversas agitações internas clamavam pela união do Chipre à Grécia. Houve, então, resistência da população de origem grega na ilha contra este movimento. Mas é só em 1974 que os cipriotas (população de etnia grega), com apoio dos militares turcos, ensaiam uma anexação da ilha à Grécia, o que provoca a invasão turca.
“Até hoje essa disputa é vigente, um impasse que está longe de acabar. A própria ONU não reconhece a ocupação turca — o Conselho de Segurança da ONU condenou esta ocupação”, diz Gomes.
Em 2004, o Chipre foi integrado à União Europeia, mesmo com todos esses empecilhos envolvendo o lado turco da ilha. É bom ressaltar ainda que os cipriotas-gregos formam maioria no país em face aos cipriotas turcos.
O problema da migração
O Chipre, bem como a Grécia e a ilha de Lesbos, estão no epicentro de uma crise migratória. Trata-se de uma região voltada ao Mar Mediterrâneo — uma histórica rota de deslocamento de imigrantes e refugiados.
“O Mediterrâneo banha o norte da África, parte do Oriente Médio e o sul da Europa. O Chipre está muito próximo do Oriente Médio, da Turquia e da Síria. No caso do Chipre, no ano passado, num momento de retenção social e política, 10 mil pessoas deixaram a porção norte da ilha, de ocupação turca, em direção à República do Chipre, buscando asilo”, detalha Gomes.
O governo do Chipre, no entanto, não viu com bons olhos este processo migratório. Segundo Gomes, até denúncias a organismos internacionais com relação a esta situação foram feitas. “Além disso, há o deslocamento de pessoas do Oriente Médio, em especial do Afeganistão, desde a tomada recente do poder pelo Talibã com a saída dos Estados Unidos”.
É neste contexto político e social complexo que se dá este imbróglio migratório. “Entre 2015 e 2016, mais de 2 milhões de refugiados se dirigiram à Europa, algo que preocupa as autoridades locais”, observa.
Lesbos, até 2020, abrigou o maior acampamento de migrantes e refugiados, o campo de Moria, que foi palco de um incêndio de grandes proporções. À ocasião do incêndio, este campo abrigava nada menos do que 12 mil refugiados — ou mais de quatro vezes a sua capacidade.
“O maior da União Europeia”, como bem recorda Gomes. “Houve a promessa de um novo acampamento muito próximo à Turquia, construído com recursos da União Europeia, mas que ainda não ficou pronto. A preocupação das autoridades da União Europeia é de uma nova crise migratória nesta rota de Lesbos”, diz.
Como resolver o problema
Em agosto, o governo grego levantou um muro de 40 quilômetros de extensão a fim de impedir a entrada de refugiados na Europa. Para Gomes, este tipo de medida é absolutamente ineficaz. “Pode até levar a uma diminuição, mas há outras rotas de migração”, lembra.
O que poderia minimizar o problema, para o especialista, seria uma postura mais responsável dos países desenvolvidos, sobretudo aqueles que integram a União Europeia, os maiores interessados nesta questão.
“Eles [europeus] fizeram várias interferências na Ásia e no Oriente Médio no século 19 com o processo de colonização, atraídos por interesses econômicos e, em boa parte, a responsabilidade [por este problema] é dessas potências europeias”, pondera Gomes.
A chegada do Santo Padre
Francisco, há cinco anos, esteve na ilha de Lesbos junto ao Patriarca Ecumênico Bartolomeu I. À época, Francisco já demonstrava grande preocupação com o drama dos refugiados no campo de Moria.
Esta nova visita de Francisco à região pode ser um alento de esperança a estas pessoas. “A visita tem um efeito simbólico em apoio aos migrantes e refugiados, que vivem em situação bastante precária. É uma visita que tem uma representatividade significativa, um apelo popular”, analisa Gomes.
Mas as lideranças políticas também precisam se atentar a este grave cenário degradante que cerca o drama dos refugiados. “Os interesses políticos e econômicos, infelizmente, acabam prevalecendo. As grandes potências, os países que precisam assumir essas responsabilidades, acabam por negligenciá-las”, finaliza.