Prosseguindo com as reflexões sobre “vícios e virtudes”, Francisco alerta para a relação do homem com a alimentação e aponta para a sobriedade como caminho
Da Redação, com Vatican News
A gula foi o principal objeto da fala do Papa Francisco durante a Audiência Geral desta quarta-feira, 10. Na Sala Paulo VI, ele prosseguiu com o ciclo de reflexões com o tema “vícios e virtudes”.
O Pontífice iniciou seu ensinamento retomando o relato no Evangelho do primeiro milagre de Jesus Cristo, nas Bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11). Na ocasião, como o vinho veio a faltar na festa de casamento, Jesus transformou água em vinho, e a celebração prosseguiu.
Esta passagem das Sagradas Escrituras revela a simpatia de Jesus pelas alegrias humanas e sua preocupação. Ele age diferentemente de João Batista, lembrado pela sua ascese, comendo o que encontrava no deserto. Por outro lado, “Jesus é o Messias que vemos muitas vezes à mesa”, afirmou o Santo Padre.
Ele comentou que o comportamento de Jesus causava escândalo, pois além de ser benevolente com os pecadores, ainda comia com eles. Esse gesto é uma demonstração do desejo de Cristo de comunhão e proximidade com todos.
“Jesus quer que sejamos alegres na sua companhia, mas quer também que participemos nos seus sofrimentos, que são também os sofrimentos dos pequenos e dos pobres. Jesus é universal”, declarou Francisco.
A relação do homem com o alimento
Na sequência, ele recordou que o cristianismo não faz distinção entre alimentos puros e impuros. A atenção com a alimentação, disse o Papa, não deve estar voltada para a comida em si, mas a relação da pessoa com o alimento. “Quando uma pessoa tem um relacionamento desordenado com a comida, come apressadamente, come com vontade de se saciar, mas nunca se sacia, é escrava da comida”, explicou.
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O Santo Padre apontou que essa relação serena estabelecida por Jesus precisa ser redescoberta, especialmente nas sociedades onde se manifestam muitos desequilíbrios e patologias. “Comemos demasiado, ou demasiado pouco. Muitas vezes, comemos sozinhos. Os distúrbios alimentares estão a espalhar-se: anorexia, bulimia, obesidade… E a medicina e a psicologia tentam resolver a má relação com a comida, que é a raiz de muitas doenças”, afirmou.
“Diz-me como comes e eu te direi que alma tens”
– Papa Francisco
Francisco lembrou quão dolorosas são esses problemas, e reiterou que, “como Jesus ensinava, não são os alimentos em si que fazem mal, mas a relação que temos com eles”. Neste sentido, ele pontuou também que a relação com a alimentação é a manifestação de algo interior, revelando tanto “a empatia de quem sabe repartir a comida com o necessitado, ou o egoísmo de quem guarda tudo para si”. “Diz-me como comes e eu te direi que alma tens”, completou.
“Fúria do ventre” que está matando o planeta
Abordando o vício da gula do ponto de vista social, o Pontífice frisou que este pecado “está matando o planeta” e compromete “o futuro de todos”. “Nós nos apoderamos de tudo, para nos tornarmos donos de tudo, enquanto tudo foi entregue para nossa custódia, não para a exploração”, refletiu.
Prosseguindo, ele citou que os padres da Igreja chamavam a gula de “gastrimargia”, um termo que pode ser traduzido como “loucura da barriga”. “Eis então o grande pecado, a fúria do ventre: renunciamos ao nome de homens, para assumir outro, o de ‘consumidores’. Nem mesmo percebemos que alguém começou a nos chamar assim”, declarou.
Por fim, o Papa enfatizou que o homem foi criado para ser “eucarístico”, capaz de agradecer e ser discreto no uso da terra. Entretanto, a humanidade transformou-se em um grupo de predadores. “Atualmente, estamos nos dando conta de que essa forma de gula tem causado muitos danos ao mundo”, comentou, exortando todos a pedir a Deus “que nos ajude no caminho da sobriedade para que todas as formas de gula não tomem conta de nossas vidas”.