Entrevista do Papa aos jornalistas durante voo ao México

Íntegra da entrevista que o Papa Bento XVI concedeu aos jornalistas durante o voo rumo ao México, onde o Pontífice inicia sua visita nesta sexta-feira, 23.

1- México e Cuba são terras onde João Paulo II fez história. Com que ânimo e esperança segues os traços do seu predecessor?

Bento XVI – “Queridos amigos, benvindos e obrigado por acompanherem-me nesta viagem que esperamos que seja abençoada pelo Senhor. Em relação àquilo que realizo em continuidade com João paulo II, me recordo muito bem da sua primeira viagem ao México, verdadeiramente histórica em uma situação política confusa. Assim como também me recordo da histórica viagem a Cuba. Desejo prosseguir seu caminho e seus passos.

Quando era cardeal, estive no México e tenho ótimas recordações dos mexicanos. Assim como, em cada quarta-feira vejo a alegria dos mexicanos, percebo o carinho, escuto os aplausos, é para mim uma grande alegria realizar esta viagem que desejava há muito tempo. Como ensina o Concílio Vaticano II, com a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, compartilho as alegrias e esperanças deste grande país, também diante das dificuldades que vive. Vou para encorajar e aprender. Para confirmar na fé, na esperança e na caridade. E para confortar no compromisso em favor do bem e da luta contra o mal. Esperamos a ajuda de Deus!

2- O México é um país com possibilidades maravilhosas, mas que nesses anos tem sido também terra de violências, pelo problema do narcotráfico. Se fala de 50 mil mortos nos últimos cinco anos. Como a Igreja Católica enfrenta esta situação? O senhor terá palavras para os responsáveis, para os traficantes que ás vezes se professam católicos ou benfeitores da Igreja?


Bento XVI –
“México, além de todas as suas grandes belezas, tem o grave problema do narcotráfico e da violência. Certamente é uma grande responsabilidade da Igreja Católica em um país com 80% de católicos. Temos que fazer o possível contra este mal destrutivo para a humanidade e para nossa juventude.

Antes de tudo, temos que proclamar a Deus. Deus que é juiz e nos ama. Mas nos ama para nos chamar ao bem e à verdade contra o mal. Portanto, é uma grande responsabilidade da Igreja a de educar as consciências e à responsabilidade moral e desmascarar o mal. Desmascarar esta idolatria do dinheiro que escraviza os homens; desmascarar estas falsas promessas, a mentira, o engano. Devemos ver que o homem tem a necessidade do infinito. É importante a presença de Deus que nos guie, que nos traga a verdade e neste sentido a Igreja desmascara o mal: faz presente a bondade de Deus, faz presente sua verdade, o verdadeiro infinito”.

3- O senhor falou que quer dirigir sua mensagem a toda a América Latina no bicentenário da independência. América latina, apesar do desenvolvimento, segue sendo uma região de conflitos sociais e de fortes contrastes entre ricos e pobres. Às vezes, parece que a Igreja Católica não está suficientemente encorajada a se engajar neste campo. Pode-se seguir falando de “teologia da liberação” de uma maneira positiva, depois que certos excessos –sobre o marxismo e a violência- tem sido corrigidos?

Bento XVI – Claro, a Igreja deve sempre se perguntar se faz o suficiente pela justiça social neste grande continente. Este é um assunto de consciência, que constantemente tem que ser indagado. O que deve fazer a Igreja, o que é que não pode e não deve fazer? A Igreja não é um poder político, não é um partido, mas é uma realidade moral, um poder moral. Ela deve ser uma realidade moral. Repito mais uma vez: o primeiro pensamento da Igreja é o de educar as consciências e criar, assim, a responsabilidade necessária. Educar as consciências individuais e públicas. Talvez, na América latina, mas também em outros lugares, há em muitos católicos uma certa esquizofrenia entre a moral individual e a moral pública: individualmente, são católicos fiéis, mas na vida pública seguem outros caminhos que não respondem aos grandes valores do Evangelho que são necessários para o estabelecimento de uma sociedade justa. É bom educar para superar esta esquizofrenia, educar não só a uma moral individual, mas também a moral pública. E tratar de fazer isso com a doutrina social da Igreja, porque, naturalmente, esta moral pública deve ser uma moral razoável e compartilhada, compartilhada também pelos fiéis, uma moral da razão. Claro, à luz da fé podemos ver melhor tantas coisas que a razão também pode ver. E precisamente a fé serve também para eliminar os falsos interesses e os interesses obscurecem a razão. Devemos trabalhar para superar esta divisão social.

4-  “Que Cuba se abra ao mundo e o mundo se abra a Cuba”. Passaram-se 14 anos, mas parece que estas palavras continuam sendo atuais. Como o senhor sabe, Santidade, à espera de sua viagem, muitas vozes da oposição e defensores dos direitos humanos foram sentidas. Sua Santidade, o senhor pensa em levar de novo a mensagem de João Paulo II, pensando na situação interna de Cuba e no plano internacional?

Bento XVI – Como já disse, sinto-me em completa continuidade com as palavras do Santo Padre João Paulo II, que seguem sendo pertinentes hoje em dia. Com esta visita, abriu-se um caminho de cooperação e diálogo; um caminho que é longo e requer paciência, mas que vai em frente. Hoje está claro que a ideologia marxista, tal como foi concebida, já não responde à realidade. Porque não tem respostas para a construção de uma nova sociedade. Devem ser encontrados novos modelos, com paciência. Este processo requer paciência, mas também decisão, queremos ajudar em um espírito de diálogo, para ajudar a construir uma sociedade mais justa. Queremos cooperar neste sentido. É óbvio que a Igreja está sempre do lado da liberdade: a liberdade de consciência, a liberdade de religião. (CdM / ER – RV).

          

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