Políticas devem visar justiça para criar a paz, salienta o Papa

Em seu discurso histórico ao Parlamento alemão, pronunciado nesta quinta-feira, 22, o Papa Bento XVI enfatizou que a política deve ser um compromisso em prol da justiça e, assim, criar as condições para a paz.

Com base na pequena narrativa tirada do Primeiro Livro dos Reis, onde o rei Salomão pede a Deus “um coração dócil, para saber administrar a justiça ao teu povo e discernir o bem do mal”, Bento XVI salienta que a Bíblia quer indicar o que deve, em última análise, ser importante para um político.

“O seu critério último e a motivação para o seu trabalho como político não devem ser o sucesso e menos ainda o lucro material”, reforçou o Pontífice.

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.: NA ÍNTEGRA – Discurso de Bento XVI ao Parlamento alemão

A busca pelo sucesso é natural para um político, reconhece o Santo Padre, mas ele salienta que o sucesso há-de estar subordinado ao critério da justiça, à vontade de atuar o direito e à inteligência do direito. “O sucesso pode tornar-se também um aliciamento, abrindo assim a estrada à falsificação do direito, à destruição da justiça”, disse o Papa.

Estado sem justiça

“Nós, alemães, sabemos pela nossa experiência que estas palavras não são um fútil espantalho. Experimentamos a separação entre o poder e o direito, o poder colocar-se contra o direito, o seu espezinhar o direito, de tal modo que o Estado se tornara o instrumento para a destruição do direito: tornara-se uma banda de salteadores muito bem organizada, que podia ameaçar o mundo inteiro e impeli-lo até à beira do precipício”, salientou o Papa.

Para o Santo Padre, servir o direito e combater o domínio da injustiça é a tarefa fundamental do político.

“Num momento histórico em que o homem adquiriu um poder até agora impensável, esta tarefa torna-se particularmente urgente. O homem é capaz de destruir o mundo. Pode manipular-se a si mesmo. Pode, por assim dizer, criar seres humanos e excluir outros seres humanos de serem homens. Como reconhecemos o que é justo? Como podemos distinguir entre o bem e o mal, entre o verdadeiro direito e o direito apenas aparente? O pedido de Salomão permanece a questão decisiva perante a qual se encontram também hoje o homem político e a política”, afirmou.

Bento XVI salientou que nas questões fundamentais do direito, em que está em jogo a dignidade do homem e da humanidade, o princípio maioritário não basta: no processo de formação do direito, cada pessoa que tem responsabilidade deve ela mesma procurar os critérios da própria orientação.

Reuters
Em seu discurso ao Parlamento alemão, o Papa recordou a resistência de alguns alemães diante do nazismo’

Resistência dos alemães diante do nazismo

No século III,  recordou o Pontífice, o grande teólogo Orígenes justificou assim a resistência dos cristãos a certos ordenamentos jurídicos em vigor dizendo que “se alguém se encontrasse no povo de Scizia que tem leis irreligiosas e fosse obrigado a viver no meio deles, (…) estes agiriam, sem dúvida, de modo muito razoável se, em nome da lei da verdade que precisamente no povo da Scizia é ilegalidade, formassem juntamente com outros, que tenham a mesma opinião, associações mesmo contra o ordenamento em vigor”.

“Com base nesta convicção, os combatentes da resistência agiram contra o regime nazista e contra outros regimes totalitários, prestando assim um serviço ao direito e à humanidade inteira. Para estas pessoas era evidente de modo incontestável que, na realidade, o direito vigente era injustiça. Mas, nas decisões de um político democrático, a pergunta sobre o que corresponda agora à lei da verdade, o que seja verdadeiramente justo e possa tornar-se lei não é igualmente evidente”, disse o Papa.

Para o Pontífice, saber como reconhecer aquilo que verdadeiramente justo, atualmente, não é uma tarefa fácil, mas com base numa referência à Divindade é possível distinguir aquilo que é justo entre os homens.

“Ao contrário doutras grandes religiões, o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado, um ordenamento jurídico derivado duma revelação. Mas apelou para a natureza e a razão como verdadeiras fontes do direito; apelou para a harmonia entre razão objetiva e subjetiva, mas uma harmonia que pressupõe serem as duas esferas fundadas na Razão criadora de Deus”, destacou.

Ciência e religião

Em seu discurso, o Papa salientou que hoje é aceita uma concepção positivista de natureza, que compreende a natureza de modo puramente funcional sem criar qualquer ponte para a ética e o direito.

“A ética e a religião devem ser atribuídas ao âmbito subjetivo, caindo fora do âmbito da razão no sentido estrito do termo. Onde vigora o domínio exclusivo da razão positivista – e tal é, em grande parte, o caso da nossa consciência pública –, as fontes clássicas de conhecimento da ética e do direito são postas fora de jogo. Esta é uma situação dramática que interessa a todos e sobre a qual é necessário um debate público; convidar urgentemente para ele é uma intenção essencial deste discurso”, disse o Santo Padre ao Parlamento.

Segundo Bento XVI, o conceito positivista de natureza e de razão, a visão positivista do mundo é, no seu conjunto, uma parcela grandiosa do conhecimento humano e da capacidade humana, à qual não deve-se de modo algum renunciar. Mas ela mesma no seu conjunto não é uma cultura que corresponda e seja suficiente ao ser humano em toda a sua amplitude.

“Onde a razão positivista se considera como a única cultura suficiente, relegando todas as outras realidades culturais para o estado de subculturas, aquela diminui o homem, antes, ameaça a sua humanidade. Digo isto pensando precisamente na Europa, onde vastos ambientes procuram reconhecer apenas o positivismo como cultura comum e como fundamento comum para a formação do direito, enquanto todas as outras convicções e os outros valores da nossa cultura são reduzidos ao estado de uma subcultura”, afirmou.

O Papa destacou que a Europa se coloca, face às outras culturas do mundo, numa condição de falta de cultura e suscitam-se, ao mesmo tempo, correntes extremistas e radicais.

“A razão positivista, que se apresenta de modo exclusivista e não é capaz de perceber algo para além do que é funcional, assemelha-se aos edifícios de cimento armado sem janelas, nos quais nos damos o clima e a luz por nós mesmos e já não queremos receber estes dois elementos do amplo mundo de Deus. E no entanto não podemos iludir-nos, pois em tal mundo auto-construído bebemos em segredo e igualmente nos “recursos” de Deus, que transformamos em produtos nossos. É preciso tornar a abrir as janelas, devemos olhar de novo a vastidão do mundo, o céu e a terra e aprender a usar tudo isto de modo justo”, concluiu o Papa.

Ainda nesta quinta-feira, o Papa se encontrará com representantes da Comunidade Judia em Berlim.

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