Francisco se encontra com participantes de projeto do Scholas Ocurrentes em Portugal, produtores de um mural que expressa os sofrimentos de diversos grupos humanos

Gabriel Fontana
Da Redação

Na manhã desta quinta-feira, 3, o Papa Francisco visitou a sede da Scholas Ocurrentes no município de Cascais, em Portugal. No local, encontrou-se e conversou com jovens que participaram de um projeto artístico intitulado “Vida Entre Mundos”. Conjuntamente a diversos grupos sociais, eles produziram a maior obra de arte do mundo: um mural com mais de três quilômetros de comprimento.

Segundo o site do projeto, esta obra busca expressar “uma outra forma de habitar a terra, uma forma em que todos os jovens, todos os mundos, se encontram, se escutam e celebram a vida, criando juntos”. Jovens, idosos, pobres, pessoas de diferentes religiões, entre outros grupos e comunidades, pintaram para manifestar seus sofrimentos e dores, em um processo que envolveu escuta, partilha e acolhimento.

O encontro se realizou em uma sala da sede do Scholas Ocurrentes, que também foi pintada como uma parte do projeto. Alguns jovens explicaram elementos que compõem a pintura, comparada pelo Papa a uma “Capela Sistina” feita pelos próprios jovens. Na sequência, três testemunhos foram apresentados a Francisco, juntamente com perguntas prontamente respondidas.

Scholas, local de encontro

O primeiro jovem que se apresentou é muçulmano e natural da Guiné-Bissau. Ele citou a boa convivência entre todos, mesmo com as diferenças crenças. Isso porque são unidos pelo apelo ao bem estar da comunidade e pelo cuidado com o próximo. Diante disso, perguntou: por que o Scholas é um espaço onde todos se identificam e por que é precisa tanta diversidade para se ter uma obra de arte.

O Santo Padre afirmou que o Scholas Ocurrentes possibilita que cada um se sinta interpretado, com grande respeito. Contudo, este não é um respeito estático, mas dinâmico, que os impulsiona para fazer as coisas e se expressar fazendo. Assim, um respeita e ouve o outro, pois tem algo a dizer, resultando em uma troca que une. “É um encontro caminhando, todos, do país que seja, da religião que pertença, em que olham para frente e caminham juntos”, manifestou.

Uma vida sem crises não serve para nada

Na sequência, outro jovem falou que o tema dos dois meses de trabalho neste projeto foi o caos. No processo, eles visitaram várias comunidades e pessoas, de religiões e culturas diferentes, constituindo uma oportunidade de se aprofundar em cada um e descobrir o sentimento que tinham, a dor que sentiam. Assim, questionou o que seria da existência humana sem o caos original.

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Para responder, o Pontífice explicou a origem da palavra “crise”, ligada ao processo da colheita do trigo. Durante este processo, segundo ele, o grão é amassado e passa pelo crivo. Da mesma forma, a crise nas pessoas são as situações pelas quais passam na vida, e é preciso escolher entre uma vida com crise ou asséptica.

Francisco comparou a vida sem crises à água destilada, que “não tem sabor e não serve para nada”. Ele indicou ser necessário assumir as crises e resolvê-las. Esse enfrentamento também não deve ser feito sozinho: “no Scholas Ocurrentes, todos caminham juntos para enfrentar as crises juntos e seguir adiante, crescendo”.

Transformar o caos em cosmos

O último testemunho foi de uma jovem que manifestou o privilégio de ouvir e se abrir verdadeiramente às histórias dos outros. Ela também partilhou suas próprias percepções sobre a obra que produziram, expressando que, se de perto é possível ver apenas linhas espalhadas, ao se distanciar torna-se possível observar as formas que compõem a pintura. Ao encerrar sua fala, ela perguntou ao Papa o que ele havia sentido, enquanto pessoa, ao ver o mural, e o entregou um pincel, representando todos os artistas envolvidos no projeto.

O Pontífice afirmou que a vida humana é justamente fazer do caos um cosmos, dando sentido àquilo que está desordenado. Ele exemplificou esse movimento abordando o relato da criação do mundo no livro do Gênesis. Segundo Francisco, o autor usou uma linguagem poética para narrar como Deus transformou o caos em cosmos, fazendo a luz e todas as outras coisas.

“Na nossa vida acontece a mesma coisa: há momentos de crise que são caóticos, e todos vivemos estes momentos”, prosseguiu. Entretanto, para o Papa, o caminho de cada um é transformar o caos. Afinal, uma vida que permanece no caos é uma vida fracassada, e uma vida que nunca viveu o caos, é uma vida “destilada”. “A vida que sentiu a crise como um caos, e lentamente, dentro de si e na comunidade, se transforma num cosmos, vai adiante”, concluiu.

Sujar as mãos, para não sujar o coração

Ao final da conversa, Francisco recebeu um pincel conectado a um aparelho, para dar a última pincelada do projeto e conectar dois mundos, real e virtual. Com tinta verde e movimentos circulares, ele deu o toque final à pintura da sala onde todos estavam reunidos, enquanto o trajeto feito por suas mãos foi registrado também virtualmente.

Em troca, o Santo Padre presenteou a escola com um quadro que ilustra a parábola do bom samaritano contada por Jesus (cf. Lc 10, 25-37). Ele explicou brevemente aos jovens a passagem bíblica e as ilustrações que a representavam no ícone entregue. “Muitas vezes se prefere a pureza virtual do que a proximidade humana (…). Às vezes, na vida, é preciso sujar as mãos, para não sujar o coração”, frisou.

Do lado de fora, foi apresentada ao Papa uma oliveira, plantada pelos jovens como um símbolo de paz. Ele abençoou e regou a planta, e após este momento, deixou a escola.

Scholas Ocurrentes

O Scholas Ocurrentes é uma organização internacional de direito pontifício presente em 190 países com o objetivo de promover uma cultura do encontro para a paz através da educação. Compõe uma rede que abrange mais de 400 mil realidades educativas, públicas e privadas, e alcança mais de 1 milhão de crianças e jovens. Nasceu do projeto “Escuelas de vecinos” (“Escolas de vizinhos”, do espanhol) e “Escuelas hermanas” (“Escolas irmãs”, do espanhol), desenvolvidos em Buenos Aires pelo então arcebispo Jorge Mario Bergoglio.

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