Missionários da Canção Nova, Shalom e Colo de Deus citam influência do santo em ministérios de arte; presbítero reitera relação entre catolicismo, fé e expressão artística
Julia Beck
Da redação
São João Paulo II, celebrado nesta semana, teve uma estreita relação com a arte. Durante seu pontificado, o santo impactou uma geração de artistas, chegando a dedicar, em 4 de abril de 1999, um valioso documento sobre o tema. Em um trecho dele, escreveu: “para transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, a Igreja tem necessidade da arte”.
O assessor da Juventude da Diocese de Lorena (SP) e vigário da Paróquia Senhor Bom Jesus do Livramento, localizada em Bananal (SP), padre Ailton Martins Evangelista, recorda que a arte, o canto, sobretudo o teatro, a dramaturgia, foi um espaço que fez sentido para João Paulo II ainda na sua juventude. Por ter vivido sua mocidade durante o período nazista, o sacerdote frisa que Karol Wojtyla também encontrou na arte um respiro, um refrigério.
No papado de João Paulo II, prossegue o presbítero, a arte não é periférica ou deixada de lado, muito pelo contrário, ela coabita a experiência religiosa. Este fato trouxe muitos frutos, entre eles a presença da arte em muitas comunidades, alguma delas: Canção Nova, Colo de Deus e Shalom.
Canção Nova
A missionária da Canção Nova e membro do Ministério de Artes (inserido dentro do Ministério Jovem) da comunidade, Ana Carolina da Silva, afirma que João Paulo II, mais que apaixonado pela arte, “era arte”.
“Em seu retiro aos artistas de 1962 (transcrito no livro “Deus é a Beleza”) sempre que vai se referir aos artistas ele usa o pronome ‘nós’. Isso me leva a crer que a arte é via segura de santidade para mim e para o outro. Afinal, o fim último da arte é revelar o Belo, o Bom e o Verdadeiro. E tudo que envolve a Beleza leva a Deus!”, reflete.
Ana conta que é artista desde pequena. Seu interesse pela arte a levou a apreciar as músicas de Beethoven, o balé de Svetlana Zakharova e Mikhail Baryshnikov, entre outros artistas que pouco atraíam as crianças da sua idade. Ao entrar para a comunidade Canção Nova, ela revela que teve medo de sufocar este talento.
“Padre Jonas escreveu um documento chamado ‘Não enterre seu talento’. E nesse documento, ele destrinchou a capacidade que a arte tem de alcançar os corações. Quando eu li este texto do meu fundador, entendi que existia um espaço para arte dentro da Canção Nova”, recorda.
Atualmente o Ministério de Artes da comunidade é um “braço” do Ministério Jovem. “Ali a gente trabalha com a dança, com artes visuais, teatro, enfim, todo tipo de arte”, conta. Atualmente estas expressões são mais voltadas para os jovens. Outras duas vertentes artísticas dentro da Canção Nova é a Dramaturgia, que é mais voltada para a TV, e a Companhia de Artes e Esporte, projeto social que disponibiliza aulas de balé e jazz para crianças e adultos de forma gratuita.
Colo de Deus
A líder das artes da Colo de Deus, Nicole Galdino, sublinha que João Paulo II é baluarte da comunidade. “Exemplo de uma pessoa mariana, de uma pessoa que se importava com os jovens, uma pessoa missionária”, define. A jovem afirma que a Colo de Deus sempre foi “artística”, tanto que foi a música que fez com que “ficasse conhecida no Brasil e no mundo”. A partir do incentivo do fundador da comunidade, ela conta que eles foram buscando mais expressões e as aperfeiçoando.
Leia também
.: Papa: arte e música podem ser instrumentos de paz para construir pontes
A comunicação através das redes sociais, das músicas, da dança, das artes tornou-se a marca da Colo de Deus. “A gente tem a intenção de comunicar o Evangelho. (…) São João Paulo II é um exemplo, um modelo em relação a isso”, pontua. Nicole acredita que o legado do santo enriquece o Ministério de Arte da Colo de Deus. “Nossas formações são sempre pautadas na carta de São João Paulo II aos artistas, porque foi um documento que ele deixou para nós”, acrescenta.
Comunidade Shalom
A Comunidade Shalom foi “gerada no coração da Igreja e do Papa João II”, frisa o coordenador do “Projeto Artes” da Missão São Paulo da Shalom, Danilo Machado. O ministério do Papa Wojtyla, prossegue o missionário, impacta até os dias de hoje a comunidade. “Tanto que temos um musical chamado “Lolek” que conta a sua história e vida. E com isso colocamos no nosso legado de evangelização as Artes, em todas as suas vertentes (música, dança, teatro e etc)”.
O Projeto Artes da Shalom surgiu da necessidade de pastorear os artistas que estavam na comunidade, mas também do desejo de alcançar mais o coração do homem com essa iniciativa, revela Danilo.
“Fomos entendendo que precisávamos também do profissionalismo no que fazemos para Deus e não fazer de qualquer forma. Então começamos a montar estruturalmente este ministério que foi crescendo com o tempo. Hoje dentro dessa estrutura nós temos o Ministério de Música, Ministério de Dança e o Ministério de Teatro”, conta. A ideia, explica o missionário, é que estes pequenos núcleos possam pensar em ações maiores do que as já existentes, como novos espetáculos, eventos, apresentações, bandas, shows.
Centralidade em Cristo
Catolicismo, fé e expressão artística. Estes três pontos, observa padre Ailton, se convergem porque há uma centralidade: Cristo. O sacerdote pondera que Ele sendo a verdade, toda a arte deve apontar para a verdade. Sendo uno, toda a arte deve apontar para a unidade. Deste modo, a arte deve ser um reflexo de Cristo, um reflexo do belo e trazer harmonia.
Leia mais
.: Papa diz que, pela arte, se descobre a beleza de Deus
A arte contempla a beleza e por isso eleva a alma, acredita o presbítero. “Então olhando para esses valores, percebemos uma marca da nossa fé: a dignidade humana. (…) A arte consegue chegar em espaços mais periféricos, alcançar o ser humano, colocá-lo no centro das discussões, promovendo a valorização da dignidade humana. Ela contribui para o desenvolvimento da fé, mas também para o desenvolvimento do próprio ser humano”, reafirma.
A partir destas reflexões, padre Ailton acentua que é possível entender o valor transcendente, que eleva a pessoa, que não a deixa, de certa forma, numa visão pequena, fechada, mas que eleva sua alma.
Ana Carolina frisa que Deus é a beleza, é o mistério da Beleza Encarnada. A partir disso, Danilo pontua que a beleza atrai o olhar, atrai a atenção, e o Belo (Deus) atrai o coração para uma experiência com a criação. “A beleza nos traz o significado de coisas que ainda não aprendemos, mas que podemos enxergar e assumi-las em nossas vidas. O Belo nos cura, nos acalma, nos dá o encontro com a nossa própria alma (autoconhecimento)”.
Evangelizar a partir da arte
O missionário da Shalom segue enfatizando que a arte tem o poder de transformar o coração do homem sem que ele perceba. “Nós, cristãos artistas, temos a capacidade de portar o Evangelho através da nossa arte. Trazemos em nós uma profecia de almas que só serão alcançadas por este tipo de manifestação. Nosso legado é como o de São João Batista, apresentar ao homem o Evangelho Vivo e Encarnado. Preparar, iluminar os corações e assim trazê-los para a verdade, que é o próprio Cristo”, medita.
São João Paulo II escreveu que o mundo precisa dos artistas, tanto quanto precisa dos professores, dos médicos, dos cientistas, recorda Nicole. “Precisa dos artistas para não morrer no desespero, na desesperança, no caos”. A missionária da Colo de Deus destaca que a Igreja precisa da arte para transmitir Deus, para comunicar a Boa Nova.
A liturgia da Santa Missa, todo o rito, as palavras, os gestos do sacerdote são a arte mais bela da Igreja, de acordo com Ana Carolina. A missionária da Canção Nova recorda que em seus escritos de 1962, João Paulo II diz que, “na alma humana, há certa sensibilidade peculiar à beleza; uma espécie de corda musical que vibra quando uma pessoa se encontra com a beleza. A beleza encanta e atrai. E essa atração indica que há algo latente para além dela”.
“A arte é um dos meios mais eficazes na evangelização, porque a arte pode evangelizar a todos. Quem não quer ser evangelizado não vai assistir a uma pregação, quem não quer ser evangelizado não vai escutar uma música cristã, mas quem não quer ser evangelizado pode assistir uma expressão artística e ser evangelizado sem nem ter interesse em ser evangelizado. Então eu acredito na potência da arte dentro da evangelização”, enfatiza.