Não à violência

Violência contra a mulher: lei Maria da Penha completa 12 anos

Após mais de uma década desde sua criação, a Lei Maria da Penha tornou-se um marco contra a violência doméstica no Brasil

Thiago Coutinho
Da redação

Medo, segundo psicóloga, é o estado emocional que deixa as vítimas receosas a não denunciarem seus agressores / Foto: Canção Nova

Sancionada em 7 de agosto de 2006, entrava em vigor há doze anos a Lei Maria da Penha. Um dispositivo jurídico que veio para proteger a mulher da violência doméstica e todo tipo de agressão. O nome da lei é uma referência à farmacêutica Maria da Penha que, por duas vezes, sofreu tentativa de assassinato do seu então marido ― que acabou por deixá-la paraplégica.

Paralelo a esses doze anos, o governo federal lança a campanha Agosto Lilás, que visa reforçar todo o conceito de proteção à mulher difundido pela Lei Maria da Penha. Mas, qual seria o primeiro passo para uma mulher se defender de atos violentos que são cometidos por seus parceiros? Segundo a delegada titular Nadir Bernardes de Souza May, responsável pela Delegacia de Defesa da Mulher, em Cruzeiro (SP), o primeiro passo é procurar as autoridades.

“Ela noticiará o fato criminoso à autoridade, essa pedirá que ela seja submetida a um exame de corpo de delito para tipificar o crime cometido. Assim, a vítima não terá só o registro da ocorrência, mas a comprovação de uma eventual lesão ou abuso sexual”, explica a delegada.

Assim que a violência é constatada, a vítima conta ainda com a medida protetiva. Trata-se de um recurso que a lei disponibiliza à mulher para coibir que outros atos de violência sejam praticados. De acordo com a delegada, o pedido de medida protetiva é feito após o registro da violência ser comprovado por meio de provas testemunhais e o citado exame de corpo de delito.

Leia também
.: Pastoral Familiar e violência doméstica: saiba o que diz o Sínodo
.: Violência contra a mulher: “é um problema de todos”, afirma psicóloga

Todo esse trâmite será avaliado pelo juiz. Com tudo aprovado, a medida protetiva é concedida. “Hoje, o seu descumprimento chega a levar à prisão em flagrante. E mesmo que não haja o flagrante, pode ser pedida a prisão preventiva, que também será analisada pelo juiz”, explica.

Além desses recursos, a mulher pode ser encaminhada à assistência judiciária gratuita ou receber auxílio social. “Se ela não trabalha, pode precisar de algum tipo de assistência social ou até ser encaminhada para um abrigo até que o juiz resolva a situação”, afirma a delegada. “Se necessário, há uma série de outras medidas a que ela pode recorrer”, reitera.

A medida protetiva não possui prazo de validade. “Mas o juiz às vezes estabelece, por exemplo, 30 dias para que a vítima consiga junto com a Defensoria Pública ou assistência judiciária entrar com uma ação civil para resolver a questão”, diz Nadir. O juiz pode determinar ainda, segundo a delegada, que a medida dure até o término do processo gerado com o registro do crime praticado.

Cultura machista

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até o final de 2017, havia um processo judicial de violência doméstica para cada 100 mulheres brasileiras. Mas por que, após tantos avanços jurídicos, os casos de violência contra as mulheres continuam tão altos? Para a psicóloga Lara Diamantino, esses números mostram o quanto a sociedade ainda está arraigada a valores machistas.

“O elevado número de atos violentos contra mulheres no Brasil e em outros países, em parte, decorre sim de uma cultura machista alastrada e de como foram internalizados os papéis sociais atribuídos aos homens e às mulheres”, explica Lara.

Leia também
.: Santa Sé: estatística de violência contra a mulher é alarmante

Entender os motivos que levam um homem a agredir sua parceira são complexos. Segundo a psicóloga, em algum momento de sua vida é provável que ele também foi vítima de agressão. “O agressor, provavelmente, de algum modo foi vítima direta ou indiretamente algum dia, apesar disso não justificar e autorizá-lo a depositar toda sua agressividade em outra pessoa”, diz.

Assim como a vítima, o agressor também precisa de tratamento psicológico para se recuperar e não voltar a cometer esses atos violentos. “Um tratamento psicanalítico seria importante para que ele pudesse também dar voz às suas vivências, à sua história de vida, falar de seus relacionamentos afetivos, de seus próprios traumas, de sua agressividade, repensar suas autorizações internas, ressignificar e elaborar todos esses e demais conteúdos que possam surgir”, afirma Lara.

Já a delegada Nadir atribui às drogas ilícitas os vários registros de violência doméstica que acontecem na delegacia que fica sob seu comando. “Diria que hoje, pelo menos aqui em Cruzeiro, é em razão das drogas, seja o uso ou tráfico”, detalha a delegada.

O medo de denunciar

Apesar de a lei brasileira ter avançado a ponto de criar uma delegacia especializada na violência contra a mulher, bem como leis que garantam a sua segurança, o caminho até a justiça pode ser longo. O medo, segundo a psicóloga, é o estado emocional que deixa as vítimas receosas a não denunciarem seus agressores.

“O ato de denunciar o agressor perpassa por uma longa, complexa e conflitiva tomada de decisão”, afirma Lara. “A dinâmica da vida e das relações não são como lógicas matemáticas, há muitas questões envolvidas. Portanto, denunciar o agressor encontra caminhos ambíguos. Enfrentar o medo consiste em um movimento que demanda muita força interior, força esta que já se encontra comprometida antes mesmo da violência se estabelecer”, acrescenta a psicóloga.

A jovem (que não identificamos para preservação da vítima) é uma vítima da violência doméstica. O primeiro ano de seu relacionamento aconteceu sem transtornos. Mas, a partir do segundo, as coisas se transformaram. Seu companheiro começou a beber e a participar de jogos de azar. Começaram as agressões e, em seguida, os pedidos de perdão. “Sempre imaginamos que nosso companheiro vai mudar, mas isto não acontece, eles nunca mudam”, relata a jovem. 

As agressões se tornaram recorrentes e cada vez mais violentas. “Pedi ajuda a Deus e resolvi me libertar deste relacionamento”, conta. Duas semanas após o término do relacionamento, acrescenta a vítima, ele foi até a casa dela e arrancou sua orelha e nariz a mordidas.

O homem está foragido. Ela, porém, tenta dia após dia se recuperar do trauma a que foi submetida e diz que hoje é uma pessoa mais consciente sobre a violência doméstica. “Nós, mulheres, podemos tudo. Precisamos ter forças e resiliência. Não fique calada e denuncie”, aconselha.

Atendimento irrestrito

Atualmente, o Brasil conta com 114 varas ou juizados especiais de violência doméstica e familiar. Existem ainda 369 Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres e 131 núcleos, postos ou seções de atendimentos à mulher. A delegada Nadir, porém, lembra que o registro de violência não precisa ser feito necessariamente em uma delegacia feminina.

“Todos os recursos que ela tem numa delegacia especializada, a autoridade policial daquela em que não há terá que dispensar a ela os mesmos direitos e recursos da que tem”, assegura a delegada. “Ela poderá pedir medida protetiva, por exemplo, e tudo que há na especializada terá direito nas outras delegacias à sua disposição”, finaliza.

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

↑ topo