Família

Psicóloga orienta sobre uso de telas pelas crianças durante pandemia

Adriana Rozenowicz afirma que pais podem gerenciar o que as crianças assistem nas telas, mas também propor alternativas e criar uma rotina bem definida

Kelen Galvan
Da redação

Especialista afirma que deve haver limites no tempo que a criança está exposta às telas, atenção ao seus comportamentos e ter uma rotina bem estabelecida / Foto: ongchinonn por Pixabay

Nestes últimos meses, com a pandemia do novo coronavírus, as famílias têm vivido um momento incomum. Com as escolas fechadas, os pais precisam conciliar o trabalho home office com os cuidados com as crianças. Diante disso, o acesso aos dispositivos eletrônicos, antes mais restrito, tornou-se mais flexível.

Psicóloga Adriana Rozenowicz / Foto: Arquivo pessoal

A psicóloga Adriana Rozenowicz, especialista em avaliação psicológica, afirma que, diante desta realidade atípica que a sociedade vive, essa flexibilização é importante, entretanto, deve haver limites no tempo que a criança está exposta às telas, atenção ao seus comportamentos e ter uma rotina bem estabelecida.

O tempo de utilização dos dispositivos eletrônicos pelos pequenos sempre foi alvo de reflexões entre os pais e educadores. Segundo as determinações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Sociedade Brasileira de Pediatria, crianças até 2 anos não devem ter nenhuma exposição às telas; para crianças de 2 a 5 anos, o tempo máximo é de uma hora; e de 6 a 10 anos, duas horas.

Contudo, a psicóloga destaca que, com este tempo de pandemia, está fora da realidade achar que uma criança de cinco anos terá acesso a apenas uma hora de tela por dia. Mesmo porque a maior parte das escolas está utilizando o espaço virtual para transmitir seus conteúdos. 

Intoxicação digital

Adriana Rozenowicz afirma a intoxicação digital é o efeito mais frequente do excesso de telas. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, os sintomas dessa intoxicação são os psicológicos (ansiedade, irritabilidade, agressividade) e os físicos (com excesso de sedentarismo, má postura, problemas de visão, de audição etc). Ela destaca que, além disso, há também as questões sociais como o cyberbulling e uma exposição precoce a questões de sexualidade.

“Crianças até cinco anos têm que ser muito monitoradas e controlado o tempo de exposição às telas.”
Adriana Rozenowicz

Uma pesquisa indiana sobre o impacto da quarentena na saúde das crianças, divulgada em junho, apontou que 65% dos pequenos ficaram viciados em dispositivos eletrônicos, enquanto que 50% deles não puderam ficar longe dos seus aparelhos por nem 30 minutos.

O estudo foi realizado por médicos do Hospital JK Lone, em Jaipur, na Índia, com 203 crianças — 55% meninos e 45% meninas. A pesquisa de amostra apontou que, além da dependência, houve aumento na obesidade e no padrão de comportamento irritável.

A psicóloga alerta que é preciso ter cuidados e observar as alterações de comportamento nas crianças. “As crianças podem começar a ficar mais ansiosas, ou deprimidas e isoladas. Isso seriam características de um adoecimento psíquico que pode ter sido causado por excesso de tela. Então, a gente tem que ter muito cuidado. E crianças até cinco anos têm que ser muito monitoradas, e controlado esse tempo de exposição”, enfatiza.

Jogos eletrônicos

Em relação ao excesso do uso de jogos eletrônicos, a especialista destaca que algumas pesquisas apontam que eles são, de fato, viciantes, por liberarem serotonina, dopamina e outros hormônios de prazer. E defende que é preciso reduzir o tempo de exposição a eles.

“É importante que os pais conversem com a criança, sempre dando opções e entendendo que ela faz escolhas.”

“Precisa usar com controle. Não tem como impedir, mas dá para controlar. E esse controle tem que ser negociado com a criança, de acordo com cada faixa etária. É importante que os pais conversem com a criança, sempre dando opções e entendendo que ela faz escolhas”, explica.

Uma sugestão é usar o “ou se”, com o intuito de fazer a criança escolher. “Por exemplo: ‘Ou você fica usando duas horas por dia o jogo ou eu serei obrigada a tirar o jogo no dia seguinte’. Aí, se a criança extrapolar, no dia seguinte não terá jogo. A criança pode chorar, ficar com raiva, fazer birra, mas os pais devem ficar firmes e dizer: ‘você escolheu isso’. Isso é importante. Implicar a criança no processo de escolha, ela entender que é uma escolha dela, e dar esse limite”, esclarece.

Rotina estabelecida

Para lidar com essa realidade, a especialista indica a importância de ter uma rotina bem definida com as crianças. “É preciso estabelecer uma rotina onde a criança tenha o tempo de tela, mas tenha pausas onde ela possa naturalmente brincar muito”, aponta.

Rozenowicz destaca que é preciso estimular as crianças a fazerem outras atividades fora das telas, devido aos efeitos nocivos que esse excesso de exposição têm sobre elas. “Elas estão em fase de desenvolvimento neurológico, e a gente sabe que isso pode interferir nesse desenvolvimento, nas conexões cerebrais”.

“É preciso estabelecer uma rotina onde a criança tenha o tempo de tela, mas tenha pausas onde ela possa naturalmente brincar muito.”

Ela enfatiza que esse controle é muito importante, e que os pais podem oferecer outras alternativas, como jogos de tabuleiro ou convidá-las para ajudar nas atividades de casa. “As crianças gostam de se sentir úteis, produtivas. Então, é importante que, dentro da nossa rotina em casa, por mais que esteja difícil, a gente consiga ter momentos para estar com essa criança. Ela precisa de atenção”.

Outro ponto fundamental é manter uma alimentação adequada e uma regularidade de sono. “Reduzir o tempo de tela antes de dormir. Duas horas antes de dormir é recomendado não ter mais uso de tela. Pode ter leituras de livros, brincadeiras mais calmas para a criança ir se preparando para a hora de sono”, indica.

A psicóloga sugere que, para reduzir o tempo de exposição às telas, os pais ofereçam outras alternativas adequadas à idade da criança / Peggy und Marco Lachmann-Anke por Pixabay

Alternativas

A psicóloga sugere que, para reduzir o tempo de exposição às telas, os pais ofereçam outras alternativas adequadas à idade da criança, como jogos, brinquedos, quebra-cabeça, criar minicircuitos dentro de casa com almofadas e outros objetos para a criança praticar atividade física, fazer desenhos, colorir etc.

Mesmo com as telas, é possível escolher algo que gere uma interação maior da criança

“Estimular outras atividades, mexer com o lado criativo. Isso é muito importante, porque a exposição às telas acaba estimulando uma passividade excessiva”, destaca.

Um ponto a ser considerado pelos pais é que, mesmo com a telas, é possível escolher algo que gere uma interação maior da criança e não optar por programas em que ela apenas assiste como telespectadora. “Tem jogos que demandam um maior envolvimento cognitivo, ela tem que usar o raciocínio, ou alguns jogos que a criança dança, movimenta-se. Se for algo que a coloque em ação, em atividade, ele é muito menos nocivo”.

Mundo após a pandemia

Adriana Rozenowicz destaca que a pandemia acelerou alguns processos em relação à transformação digital. É o caso da educação à distância. Um ponto que há muito tempo se fala e já se pratica, principalmente em pós-graduações e graduações, e agora está se tornando presente nas escolas cada vez mais cedo.

Ela acredita que o uso de plataformas digitais para a educação é algo que deve continuar, mesmo com o fim da pandemia, e será incorporado na rotina. “A gente acabou trazendo para uma idade ainda mais precoce o acesso ao mundo digital. Porque se a criança tinha 5 ou 6 anos e a gente evitava o acesso digital, com a pandemia isso se tornou muito difícil, porque elas precisam até para ter interações afetivas e sociais”.

Para a especialista, o mundo digital está cada vez mais incorporado e não há mais como ser evitado, porém a forma como ele é utilizado é determinante. “É preciso dosar. Tudo na vida é o equilíbrio. O quanto a gente incorpora desse mundo digital na nossa vida, numa dose regular, que não seja excessiva, pode sim gerar um maior desenvolvimento cognitivo”.

Ambiente familiar

Toda essa realidade do isolamento social afeta cada indivíduo de forma diferente. E as crianças menores são as que mais sentem, por não entenderem porque precisam ficar só dentro de casa, explica a psicóloga.

Mas um aspecto muito importante é como os pais têm lidado com essa realidade, porque as crianças refletem esse comportamento. “Esses pais estão tranquilos, dentro do possível? Estão sabendo administrar bem sua própria ansiedade e irritabilidade? As crianças aprendem por modelos, então se os pais estão conseguindo administrar relativamente bem, alternando momentos de mais relaxamento com os momentos de trabalho, conseguindo conduzir a situação de forma relativamente tranquila, será muito mais fácil para as crianças”, afirma.

“Sempre vão ter problemas e desafios, mas vão ter uns ganhos, se a gente souber tirar alguma coisa desse momento.”

Do contrário, se os pais estão se sentindo privados, irritados, sendo mais agressivos e impacientes, as crianças vão responder no mesmo nível emocional. “Se a criança está apresentando muitas alterações, provavelmente o ambiente não está favorecendo mais tranquilidade”.

Uma dica é que a família tire um momento do dia para estar mais unida, para conhecer e se aproximar ainda mais dos seus filhos. “Aproveitar esse momento para ter um olhar sobre ele, ver o processo de aprendizagem dele na escola, como ele se relaciona com os colegas, com os professores, quais suas dificuldades”.

Ela afirma que é possível aprender muita coisa nesse tempo. “Sempre vão ter problemas e desafios, mas vão ter uns ganhos, se a gente souber tirar alguma coisa desse momento”.

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