Abolição da escravatura no Brasil completa 130 anos; professor defende que educação é caminho para acabar com o racismo
Thiago Coutinho
Da Redação
A Abolição da Escravatura, celebrada neste domingo, 13, chega aos seus 130 anos. Mais de um século depois, casos ainda recorrentes de racismo dos quais se tem notícia ou a chamada escravidão moderna mostram que ainda há resquícios dessa época na sociedade atual.
“Existe todo um costume em se tratar o cidadão afrodescendente como se fosse de ‘segunda categoria’”, explica o professor de Filosofia e pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, Lino Rampazzo. “Os Estados Unidos, por exemplo, levaram muito tempo para escolherem um presidente negro. Lá, havia até banheiros separados para brancos e negros. Se as leis resolvessem tudo, faríamos uma que acabasse com a fome, por exemplo. O comportamento exige – utilizando uma palavra cristã – conversão e isto leva tempo para acontecer”, afirma.
A hostilidade contra o negro só diminuirá, segundo o professor, com mudanças nos costumes e na educação diária. Por exemplo, com o fim do famigerado “jeitinho brasileiro” para se resolver as coisas. “A educação vem de família. Se percebermos, este conceito de tirar vantagem começa em nosso dia a dia. Por exemplo, se meu filho precisa de um tratamento e, numa fila, há dez pessoas à minha frente, mas se eu der uma gorjeta ao funcionário do posto de saúde, vou furar a fila e meu filho será atendido na hora. Quantas pessoas segurariam a gorjeta para esperar a fila andar? Essas mudanças têm que começar em nosso dia a dia”, exemplifica Rampazzo.
No Brasil, um aspecto que chama a atenção com relação ao comportamento racista é o fato de que o povo brasileiro é miscigenado, ou seja, é composto por uma mistura de raças, etnias e culturas. Segundo pesquisa divulgada no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos 205,5 milhões de brasileiros, 95,9 milhões deles se declararam negros.
Sobre a origem da escravidão dos negros, o professor Rampazzo traz uma explicação histórica, relacionada à economia da época: “O poder econômico, na época das navegações, que procurava matéria-prima, chegou à conclusão que seria mais rentável escravizar os africanos que foram trazidos para cá nos navios negreiros”, recorda o professor Rampazzo. “Agora temos uma herança de séculos que não se tira de um dia para o outro”, acrescenta.
A escravidão do século 21
A escravidão da maneira como era conhecida deixou de existir. O século 21, porém, trouxe novas formas de escravidão que se tornaram tão nocivas à sociedade quanto àquela conhecida pouco mais de um século atrás. Deportações em massa, genocídios, tráfico de seres humanos, prostituição, crianças soldado, exploração de trabalhadores e o tráfico de drogas são as principais formas de escravagismo encontradas atualmente.
Segundo professor Rampazzo, na raiz dessas problemáticas há um fator de ordem financeira. “A avareza é origem de todos os males, já dizia o apóstolo Paulo. As pessoas nunca ficam satisfeitas. Partimos deste problema capital. O consumismo pode se tornar uma escravidão quando ficamos dependentes daquilo que não precisamos”, reflete o professor Rampazzo.
Este mesmo sistema econômico contribui para maneiras de escravidão muitas vezes brutais como, por exemplo, o tráfico de órgãos humanos. “Participei de um seminário de bioética há algum tempo em São Paulo que falava de três modalidades que movimentam muito dinheiro hoje: fabricar armas, vender drogas e, o que me deixou mais triste, o tráfico de órgãos de humanos. Vendem-se órgãos humanos, sobretudo de mulheres negras e pobres”, diz Rampazzo.
Outro drama que o mundo ainda não encontrou maneiras de solucionar tem a ver com os refugiados. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), somente na Síria, que vive há anos uma grave crise humanitária, 80% dos refugiados estão vivendo abaixo da linha da pobreza. “Quantos escravos morriam atravessando o Atlântico, vindos da África para o Brasil? Muitos morreram. Pensemos também nos imigrantes que vieram para cá. É algo antigo”, lastima o professor.
Rampazzo, porém, não deixa de ter uma visão otimista com relação à superação dessas problemáticas. “Temos bem e temos mal. Estas são novas formas de escravidão que estão aparecendo. Haverá sempre, do meu ponto de vista, uma vitória do bem e uma recuperação do mal”, finaliza.