Artigo - Doutrina Social

No Jubileu de Ouro da Rerum Novarum

Pio XII pode considerar-se o precursor imediato do Concílio Vaticano II e do ensino social dos Papas que lhe sucederam

Padre Antônio Aparecido Alves*

Todos sabemos como é importante o Jubileu de Ouro. Pensemos, por exemplo, nas bodas de ouro de um casal, no jubileu de um presbítero ou de uma Paróquia. No jubileu de ouro da Rerum Novarum de Leão XIII o mundo estava em guerra e não se sabia como seria o futuro, quais os problemas sociais que resultariam desse conflito bélico e aos quais os cristãos deveriam dar uma resposta.

Por isso, Pio XII utilizou uma Radiomensagem na Solenidade de Pentecostes, em 01/06/1941, para homenagear a encíclica leonina, onde pretendeu discorrer sobre três temas que, segundo ele, se entrelaçam e que são o uso dos bens materiais, o trabalho e a família (La Solennità, n. 11).

O uso dos bens materiais

A contribuição mais importante desta Radiomensagem à Doutrina social é a questão da destinação universal dos bens da criação, que encontra sua fundamentação no livro do Gênesis e na tradição patrística e foi formulado por Santo Tomás ao falar do poder que tem a pessoa de gerir e de usar dos bens (Suma Teológica II-II, q. 66, a. 2).

Pio XII detalha esse direito ao uso dos bens da criação, dizendo que seu titular é todo homem e sua função é assegurar à pessoa humana uma base material segura para cumprir seus deveres. Esse direito é natural e fundamental, primário e inalienável, como intimamente unido à dignidade e aos demais direitos do homem, que não pode ser suprimido por outros direitos, de modo que a propriedade privada deve estar subordinada a ele (La Solennità, n. 12-14).

O trabalho e a família

Quanto a estes temas Pio XII não acrescenta muito ao que já vinha da Rerum Novarum, mas apenas enfatiza seu ensinamento. Quanto ao trabalho humano, o Pontífice afirma que esse tem duas propriedades, como já dissera Leão XIII: ele é “pessoal”, porque se efetua com as forças particulares do homem e é “necessário” porque através dele se sustenta a vida (La Solennità n. 19).

O dever e o direito ao trabalho é concedido ao indivíduo em primeira instância pela natureza e não pela sociedade e o papel de organizá-lo pertence primeiro aos imediatamente interessados (La Solennità n. 20). No que refere à família o Pio XII utiliza o conceito de “espaço vital”, afirmando ser direito de toda família ter um terreno e uma casa que pode chamar de seu lar, pois somente desta maneira ela poderá ser de fato a célula mater da sociedade (La Solennità n. 22-25).

O rico magistério social de Pio XII

Pio XII não escreveu nenhuma encíclica social, mas em várias Radiomensagens abordou temas sociais, além desta comemorativa da Rerum Novarum. Ele estendeu ao máximo possível o âmbito da Doutrina Social, abarcando com seus ensinamentos todo o campo da vida social, tais como o Estado, a democracia, a técnica a paz e outros temas.

Em tudo isto sempre insistiu na posição central da pessoa humana. O seu magistério foi
recolhido por João XXIII nas encíclicas Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963), de onde passou para a Constituição Pastoral Gaudium et Spes do Concílio Ecumênico Vaticano II. Por isso se afirma que “Pio XII pode considerar-se o precursor imediato do Concílio Vaticano II e do ensino social dos Papas que lhe sucederam” (Orientações para o ensino e o estudo da Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal, n. 22).

Esta radiomensagem não esgota o magistério social de Pio XII. Antes ao contrário, em numerosos discursos, radiomensagens e outros documentos estendeu ao máximo então possível o âmbito da DSI, abarcando com seus ensinamentos todo o campo da vida social: a família, o Estado, a democracia, o direito, a economia, a propriedade, o trabalho, o salário, a empresa, a situação humana e social da humanidade, e a construção duma nova ordem social, política e internacional após o fim da guerra.

Pio XII insistiu em todos estes campos, na posição central da pessoa humana em todas as instituições como origem, fundamento e fim das mesmas 1 . Este magistério, recolhido por João XXIII na Mater et Magistra em muitos dos seus pontos fundamentais, através da qual passou à Constituição Pastoral Gaudium et Spes, pode-se dizer que está na base da DSI posterior a Pio XII.

Por isso, segundo se afirma nas OR 22a, “Pio XII pode considerar-se o precursor imediato do Concílio Vaticano II e do ensino social dos Papas que lhe sucederam”. Enfim, de acordo com Nell Breuning 2 , ainda que Pio XII não publicou nenhuma encíclica social, porém, promulgou a mensagem social da Igreja duma forma que tem suscitado sempre a maior admiração e tem a maior importância não só para a DSI mas também para a história social do mundo inteiro.

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1 Cfr. R. Sierra Bravo, La persona humana en el magisterio social de Pío XII. Madrid: Aguilar 1960.
2 O. Nell Breuning, “Mater et Magistra”. Barcelona: Herder 1963, p. 47.

*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br

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