As abordagens da doutrina da Igreja Católica sobre a sexualidade possuem sempre o mesmo pano de fundo: entendê-la como fator que afeta profundamente a identidade do ser humano e a ele conferem as características – biológicas, psicológicas e espirituais – que o fazem homem e mulher.
O tema é foco de acalorados debates e discussões e já foi abordado largamente em documentos do Magistério. “A sexualidade é um dom do Criador, mas também uma função que tem a ver com o desenvolvimento do próprio ser humano. Quando não é integrada na pessoa, a sexualidade torna-se banal e ao mesmo tempo destrutiva. Vemos isto, hoje, em muitos exemplos da nossa sociedade”, disse o Papa Bento XVI na Carta aos Seminaristas após o Ano Sacerdotal.
Segundo o médico italiano e membro da Secretaria Internacional do Movimento Famílias Novas, Raimondo Scotto, autor do livro O Amor tem mil faces, “a sexualidade não é uma dimensão acessória, mas um componente fundamental do ser humano, que diz respeito a toda a pessoa. […] A sexualidade influencia todo o tipo de ação e comportamento da pessoa, dando um caráter próprio às personalidades masculina e feminina de qualquer ser humano. Ela estende a sua influência inclusive à dimensão espiritual da existência. Assim, a sexualidade não é uma coisa agregada ao corpo, um atributo seu, mas é uma realidade intrínseca a cada ser humano, uma dimensão que perpassa toda a sua existência”.
A “Declaração Persona Humana sobre alguns pontos de ética sexual”, da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), explicita que, “mesmo entre os cristãos, pontos de doutrina, critérios morais e maneiras de viver, até há pouco fielmente conservados, no espaço de poucos anos foram fortemente abalados; e são em grande número hoje em dia aqueles que, perante tantas opiniões largamente difundidas em oposição com a doutrina que eles receberam da Igreja, chegam a perguntar-se o que é que devem ainda manter como verdadeiro”.
Nessa perspectiva, vale perguntar: O que a Igreja realmente pensa e ensina sobre a sexualidade? A partir dessa semana, você confere uma série de reportagens especiais sobre o tema, com base em entrevistas e documentos da Igreja que abordam o assunto.
Documentos de interesse
.: Declaração Persona Humana sobre alguns pontos de ética sexual
.: Orientações educativas sobre o amor humano – linhas gerais para uma educação sexual
.: Sexualidade humana: verdade e significado
Principais pontos
O doutor em Teologia Moral e coordenador nacional do grupo de reflexão sobre problemas morais da CNBB, padre Rafael Durán, explica que o documento “Sexualidade humana: verdade e significado”, do Pontifício Conselho para a Família (PCF), aborda a sexualidade como dom. “Ser homem ou mulher é uma graça imensa. A obra criadora de Deus coloca em cada um de nós uma identidade própria”, afirma.
O padre elenca três pontos centrais:
1 – Deus nos cria e, ao nos criar, nos dá um corpo, que é templo, fala, ilumina a caminhada de todos os seres no mundo. Aqui destaca-se o valor sagrado do corpo;
2 – Homem e mulher Deus nos criou: aqui está riqueza de toda antropologia (modo de entender o homem) cristã. É o valor de cada um poder manifestar a sua sexualidade como dom e, ao mesmo tempo, expressar a sua riqueza de forma harmoniosa, celebrativa, redescobrindo o valor do ato conjugal como gesto responsável em meio a uma sociedade em que as relações pré-matrimoniais tomaram conta;
3 – Castidade. Não somos feitos para o corpo, mas para a glória. Esse ponto somente pode ser entendido a partir da vivência gloriosa, mas humana e lutada, da castidade. “É maravilhoso encontrar batizados que descobrem alegria de serem castos pelo Reino. Para mim, aqui estaria o verdadeiro desafio do século XXI: retomar o tema da castidade, afiançar o valor do corpo como doutrina essencial, a dimensão do corpo salvífico”, afirma padre Durán.
Declaração Persona Humana – esclarece que, com relação à ética sexual, “tais princípios e tais normas não têm, de maneira nenhuma, a sua origem num determinado tipo de cultura, mas sim no conhecimento da lei divina e da natureza humana. Não podem, portanto, ser considerados como algo caducado, nem postos em dúvida, sob o pretexto de uma nova situação cultural”.
1 – Como saber quando um ato sexual é moralmente aceitável? O documento explica: “é o respeito pela sua finalidade que garante a tal ato a própria honestidade. Este mesmo princípio, que a Igreja deduz da Revelação divina e da sua interpretação autêntica da lei natural, fundamenta também aquela sua doutrina tradicional, segundo a qual o uso da função sexual não tem o seu verdadeiro sentido e a sua retidão moral senão no matrimônio legítimo”;
2 – Relações sexuais pré-matrimoniais – não basta ter uma “afeição já conjugal” pela outra pessoa. A doutrina cristã ensina que é no contexto do matrimônio que se deve situar todo o ato conjugal do ser humano. “É uma união estável aquela que Jesus quis e da qual ele estabeleceu as primeiras exigências, tendo como ponto de partida as diferenças sexuais”;
3 – Masturbação – salienta-se que, muitas vezes, nega-se que tal ato constitua uma desordem moral. Até mesmo algumas áreas da psicologia e a sociologia defendem que é um fenômeno normal da evolução da sexualidade. A Igreja explica que, seja qual for o motivo que o determine, “o uso deliberado da faculdade sexual fora das relações conjugais normais contradiz essencialmente a sua finalidade”. Falta a relação de doação recíproca num contexto de autêntico amor;
4 – Castidade – não significa apenas evitar as faltas anteriores, mas aspectos muito mais positivos e elevados. “Em todo e qualquer estado de vida, a castidade não se reduz a uma atitude exterior; ela deve tornar puro o coração do homem. […] É uma virtude que marca toda a personalidade no seu comportamento, enobrece o ser humano e capacita para um amor verdadeiro, desinteressado, generoso e respeitoso para com os outros”.
Como vivê-la? “Os fiéis devem empregar os meios que a Igreja sempre recomendou para levar uma vida casta: a disciplina dos sentidos e da mente, a vigilância e a prudência para evitar as ocasiões de quedas, a guarda do pudor, a moderação nas diversões [arriscadas], as ocupações sãs, o recurso frequente à oração e aos sacramentos da Penitência e da Eucaristia. Os jovens, sobretudo, devem ter o cuidado de fomentar a sua devoção à Imaculada Mãe de Deus e propor-se como modelo a vida dos Santos e daqueles outros fiéis cristãos, particularmente dos jovens, que se distinguiram na prática da virtude da castidade”.
“Orientações educativas sobre o amor humano – linhas gerais para uma educação sexual”, da Congregação para a Educação Católica (CEC) – destaca quatro pontos de especial relevância:
1 – A sexualidade é um componente fundamental da personalidade, um modo de ser, de se manifestar, de comunicar com os outros, de sentir, de expressar e de viver o amor humano. Portanto ela é parte integrante do desenvolvimento da personalidade e do seu processo educativo;
2 – A sexualidade caracteriza o homem e a mulher não somente no plano físico, como também no psicológico e espiritual marcando toda a sua expressão. Esta diversidade que tem como fim a complementaridade dos dois sexos permite responder plenamente ao desígnio de Deus conforme a vocação à qual cada um é chamado;
3 – A genitalidade orientada para a procriação é a expressão máxima, no plano físico, da comunhão de amor dos cônjuges. Fora deste contexto de dom recíproco – realidade que o cristão vive sustentado e enriquecido de maneira particular pela graça de Deus – ela perde o seu sentido, dá lugar ao egoísmo e é uma desordem moral;
4 – A sexualidade deve ser orientada, elevada e integrada pelo amor que é o único a torná-la verdadeiramente humana. Preparada pelo desenvolvimento biológico e psíquico, cresce harmonicamente e realiza-se em sentido pleno somente com a conquista da maturidade afetiva, que se manifesta no amor desinteressado e no total dom de si.