Primaz do Brasil destaca que decisão do STF sobre ensino religioso nas escolas protege o direito de quem crê e quem não crê
Dom Murilo S.R. Krieger, scj*
Recentemente, os meios de comunicação deram destaque ao julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal – STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.439/2010. Tal ação tinha como autor o Ministério Público Federal – MPF e o apoio de algumas entidades. Seu objetivo era que o STF declarasse inconstitucional o artigo 11, §1.º, do acordo Brasil – Santa Sé (Decreto n.º 7.107/2010) e desse uma nova interpretação ao artigo 33, §§ 1.º e 2.º da LDB, para se compreender que o ensino religioso mencionado na Constituição Federal (artigo 210, §1.º) refere-se ao ensinamento da história e da doutrina das várias religiões, sob perspectiva laica, isto é, secular.
O STF, no dia 27.09.2017, por maioria – 6 a 5 -, julgou improcedente o pedido do MPF, declarando, em consequência, a constitucionalidade do acordo Brasil-Santa Sé. Assim, à luz do artigo 210, § 1.º da Constituição da República, o ensino religioso pode ser ministrado com caráter confessional, vale dizer, com aulas de catolicismo para os alunos católicos, com aulas de protestantismo para os alunos protestantes, com aulas de judaísmo para os alunos judeus etc.
Na prática, o que isso significa? Significa que, embora seja um Estado laico, o Brasil não se reconhece como um Estado ateu. Ele respeita a liberdade de crença a tal ponto que permite que, numa escola pública (isto é, numa escola que se mantém com o dinheiro de impostos pagos pelos cidadãos), a religião de cada aluno seja respeitada.
Aliás, fique claro: nenhum aluno será obrigado a assistir a aulas de religião, nem de sua própria. Quem insinua, pois, que agora os alunos serão obrigados a assistir a tais aulas e que os professores de religião farão sua cabeça, doutrinando-os sem lhes dar liberdade de escolha, ou faz essa afirmação por ignorância (isto é, não leu os textos referentes à matéria) ou insiste nessa afirmação por má fé (contra isso, não há argumento que convença).
Como observou o Dr. Sarubbi Cysneros, o que prevaleceu na histórica decisão do STF foi a liberdade e não a proibição. O Acórdão do Supremo protege o direito de quem crê e de quem não crê. Defendemos que os pais são os primeiros responsáveis pelas crianças e por sua formação. Por que o Estado não poderia ajudá-los na formação de seus filhos?
Agora, definida essa questão, há todo um trabalho pela frente: organizar o ensino confessional nas escolas públicas. Para isso, certamente, todas as religiões serão chamadas a dar sua preciosa contribuição, convictas de que o Estado brasileiro é leigo e, por isso, não pode se intrometer no conteúdo da religião. Mas não é ateu, por isso não pode propagar o ateísmo ou a irreligião, que também são formas de religião.
Enfim, prevaleceu o bom senso.
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*Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, scj, é o arcebispo de Salvador, Primaz do Brasil e Vice-presidente da CNBB. É autor de vários livros, escreve em revistas e jornais e tem programas na televisão. http://arquidiocesesalvador.org.br