Ao longo da história, vários Papas se manifestaram contrários à escravidão dos negros tratando explicitamente o problema
Padre Antônio Aparecido Alves*
Dia da Consciência Negra
Esta semana comemoramos o Dia Nacional da Consciência Negra, que foi instituído em 2003, para lembrar a morte de Zumbi, líder do quilombo dos Palmares e que representou a luta do negro contra a escravidão no período do Brasil Colonial. Ele morreu em 20 de novembro de 1695, defendendo a liberdade para seu povo, mas a abolição da escravatura só veio em 1888, quase 200 anos depois.
Esta data é uma oportunidade de conscientização e reflexão sobre a importância do povo africano para a formação da cultura brasileira. É preciso salientar que, de acordo com o IBGE, mais da metade da população brasileira é afrodescendente e, por isto, o Brasil é considerado o maior país africano do mundo, fora da África.
O perverso tráfico negreiro
A Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, pôs fim a quase 300 anos de escravidão em nosso país. No entanto, quando isto aconteceu, o Brasil era o único país ocidental que ainda admitia a escravidão. Os negros africanos, arrancados de suas famílias e trazidos à força para o Brasil, eram transportados nos porões dos navios negreiros. Em função das péssimas condições deste meio de transporte desumano, muitos morriam durante a viagem. Após desembarcarem no Brasil eram comprados como mercadorias por fazendeiros e senhores de engenho, que os tratavam de forma cruel e violenta.
A Igreja e a Escravidão¹
A Igreja Católica, desde o século XV, tomou posição contra a escravidão. Em 13 de janeiro de 1435, através da Bula Sicut Dudum, o primeiro documento que trata explicitamente da questão, o Papa Eugénio IV mandou restituir à liberdade os escravos das Ilhas Canárias. Em 1462, o Papa Pio II (1458-1464) deu instruções aos Bispos contra o tráfico negreiro que se iniciava, proveniente da Etiópia. Por sua vez, o Papa Leão X (1513-1521) despachou documentos no mesmo sentido para os reinos de Portugal e da Espanha.
Nos séculos seguintes, contra a escravidão e o tráfico se pronunciam também os papas Gregório XIV (1590-1591), por meio da Bula Cum Sicuti (1591), Urbano VIII (1623-1644), na Bula Commissum Nobis (1639) e Bento XIV (1740-1758) na Bula Immensa Pastorum (1741). No século XIX, no mesmo sentido se pronunciou o Papa Gregório XVI (1831-1846) ao publicar a Bula In Supremo Apostolatus (1839). Em 1888, o Papa Leão XIII, na encíclica In Plurimis, dirigida aos Bispos do Brasil, pediu que apoiassem a abolição da escravidão no País.
A cultura afro-brasileira e discriminação
Os negros africanos colaboraram muito, durante nossa história, nos aspectos políticos, socioculturais, gastronômicos e religiosos. Porém, infelizmente, ainda existem preconceitos com relação a sua cultura ou mesmo com as religiões afro-brasileiras. Pior ainda são os casos de injúria racial e discriminação, episódios lamentáveis que vez ou outra ocupam os noticiários, embora isso ocorra com frequência de forma velada.
Permanecem muitas situações de exclusão social, além do preconceito arraigado em nossa mente de que negro é sinal de perigo. Assim, fala-se de “buraco negro”, de que “a coisa está preta” e outras expressões semelhantes. Precisamos varrer de nosso coração e de nossa sociedade todo e qualquer preconceito para com os afrodescendentes. Vamos viver como irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Pai. Não ao preconceito, sim à fraternidade.
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1 VIANA, Marina. Documentos Oficiais da Igreja contra a escravidão. Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com/index.php/magisterio/documentos-eclesiasticos/decretos-e-bulas/506-documentos-oficiais-da-igreja-contra-a-escravidao>, acessado 21/11/2017.
*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br