Em meio ao cenário político e social conturbado, padre Anderson Marçal explica sentido da festividade de Corpus Christi para fiéis
Júlia Beck
Da redação
Carregada de tradições, a Festa de Corpus Christi – Corpo de Cristo — acontece nesta quinta-feira, 31, em meio a um cenário de manifestação, paralisação, desabastecimento e crise política no Brasil. Doutor em teologia bíblico-litúrgica, padre Anderson Marçal afirma que, em tempos difíceis, a festividade leva o cristão a três buscas de sentido: “Corpus Christi nos leva a uma fé inteligente, uma esperança de céu e uma caridade que nos remete ao outro”.
Primeiro, o sacerdote explica sobre a necessidade do cristão ter uma fé inteligente: “Dificuldades todos nós passamos, mas a nossa fé inteligente ela tem que nos levar a viver o que Ele [Jesus] nos prometeu. Ele [Jesus] não prometeu vida boa aqui nessa terra, Ele nos prometeu vida boa no céu. ‘Na casa do meu Pai há muitas moradas’ disse Jesus, então eu tenho que ter uma fé inteligente de pensar e não me deixar levar pelos ânimos da raiva, do partidarismo, de qualquer coisa neste sentido. O meu lugar aqui é só de passagem o que eu espero é o céu, é a eternidade”, revelou padre Anderson.
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O segundo sentido apontado: a esperança, vem, de acordo com o padre, do corpo de Jesus ressuscitado. “O que Ele viveu, a cruz, a morte, o sofrimento, a paixão Dele [Jesus] não foram a última palavra. Ele [Jesus] ressuscitou, então Ele dá a esperança de que todo sofrimento que eu passo, tudo isso que o nosso país está vivendo, não é a última palavra e não pode ser a última palavra”, explicou. Então, celebrar Corpus Christi é, para o sacerdote, manifestar esperança em meio ao sofrimento, acreditar e esperar no que foi por Cristo prometido.
A caridade é o último sentido apontado por padre Anderson como fundamental na busca por tempos melhores. Segundo o sacerdote, ela deve ser sempre espelhada em um Cristo que se doou pela humanidade. “Como nosso Brasil seria muito melhor e nós provavelmente não estaríamos vivendo o que estamos vivendo, se cada um pensasse um pouquinho no outro”, comentou.
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Para a compreensão da dimensão da solenidade de Corpus Christi, o sacerdote chama atenção dos católicos para o valor da festividade e de sua vivência. “Como que o católico vive esse dia? Digo, fazendo uma comparação, por exemplo, com uma festa de aniversário. Como eu comemoro o aniversário de uma pessoa que eu amo muito? Eu comemoro dando àquele dia a verdadeira excelência, vou visitar aquela pessoa, vou conversar com aquela pessoa, quero estar com aquela pessoa. Então, se o católico realmente ama a Jesus, se é uma festa de Jesus, não é um feriado”, recorda padre Anderson, que acrescenta: “É o dia que devemos manifestar o nosso amor a Jesus participando das celebrações”.
A história
A festa de Corpus Christi nasceu a partir de um milagre eucarístico. Conhecido como o milagre de Bolsena, o milagre ocorreu quando um padre, como conta padre Marçal, enquanto celebrava a Missa, com pouca fé na Eucaristia, ao elevar o Corpo de Cristo, notou que a hóstia começou a sangrar. O sacerdote colocou a hóstia sob as toalhas do altar e a levou para o Papa da época, Urbano IV, que morava em Orvieto, na Itália.
Segundo padre Anderson, após o milagre foi iniciada a procissão de Corpus Christi rumo à Igreja em Orvieto no qual mantiveram a toalha com as manchas do sangue de Jesus. Na época, ainda de acordo com o sacerdote, o Papa sentiu a necessidade de instituir a festa de Corpus Christi, ainda que a Eucaristia já fosse recordada na quinta-feira, data de sua instituição. Para padre Anderson, esta necessidade de mais uma festa de devoção ao corpo e sangue de Jesus surgiu do desejo de manifestar a presença concreta de Deus no meio de seu povo.
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“A promessa dele de estar conosco até o fim dos tempos é visível através do Corpo de Jesus na Eucaristia. A importância disso para nós e para os nossos tempos é essa: Jesus disse que ficaria conosco. Só que não foram somente palavras jogadas ao vento, Ele prova isso em cada Missa celebrada, nas hóstias consagradas, em cada Igreja Católica sempre tem um tabernáculo, um sacrário, com a presença de Jesus. Não só o santíssimo que eu comungo, mas em todas as Igrejas o corpo de Jesus está presente para dizer: aquilo que Ele prometeu não foram apenas palavras, Ele deixou visível a sua promessa”, alerta o sacerdote.
Procissão e tapete: tradição portuguesa e judaica
A procissão de Corpus Christi foi sendo instituída ao longo dos tempos, recordou padre Anderson. Segundo o sacerdote, o milagre eucarístico deu início à procissão do santíssimo sacramento no meio do povo já que, até a data, não existiam procissões como hoje. “Conforme foi o andamento da história, cada Igreja, cada Bispo e cada povo foi tentando dar uma excelência àquela procissão”, contou.
“A devoção hoje e a tradição que nós temos dos tapetes vieram dos portugueses, então os portugueses trouxeram isso”, recorda o sacerdote. Ele conta que o passeio do Santíssimo Sacramento no meio das cidades e vilas incentiva o povo a fazer como em Jerusalém, manifestar sua submissão. “Quando Jesus entra em Jerusalém, o povo começa a jogar suas roupas, ou seja, é o rei que está entrando, então nós, súditos deste rei, manifestamos a nossa submissão a este rei, jogando os nossos mantos para que Ele passe por cima. Isso é uma forma judaica. Isso foi trazido pelos portugueses, fazemos os famosos tapetes para que o Santíssimo possa passear depois da missa”, explicou.
O dia destinado ao Corpus Christi é também apontado pelo sacerdote como o único dia em que se pode dar a benção da missa com o Santíssimo Sacramento: “É o único dia em que a adoração ao santíssimo sacramento e a missa fazem parte de um único rito, todos os outros dias têm que ser em ritos diferentes. Missa é uma coisa, Adoração ao Santíssimo é outra, mas no dia de Corpus Christi a Igreja permite que seja tudo dentro de um rito só”.