Coluna da semana

Bispo reflete sobre suicídio assistido destacando a esperança

“A história de qualquer paciente terminal pode ter mais linhas”, diz Dom Antônio em reflexão sobre o suicídio assistido

Dom Antônio Augusto
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro

Esperança de Viver

dom antonio“Beneficiada pela lei do suicídio assistido, a jovem norte-americana Brittany Maynard, de 29 anos, colocou um fim à sua vida no último fim de semana”.

Assim sucinta aparece a notícia num jornal brasileiro de circulação 100% digital do Brasil com data de 3 de novembro passado. Portanto, “às vésperas do Dia de Finados, Brittany, quis “colocar um ponto final” na sua história de vida.

Uma história que até os meses finais de 2013 transcorria com a normalidade de qualquer jovem americana, com seus sonhos e seus projetos, inclusive o do casamento, que tornou-se uma realidade também no ano passado.

Brittany, com sua decisão, oferece aos jovens de hoje e também aos adultos uma oportunidade única: a de lembrar que todas as histórias de vida são como livros, nem sempre romanceados com final feliz, nem dramatizados com um término trágico. O realismo da história de cada um de nós mostra que existe um misterioso jogo de sonhos, os humanos – nem sempre realizáveis como se espera – e os de Deus, o supremo e o paterno Autor da vida humana, e que são realizáveis, se as pessoas quiserem primeiro conhecê-los e depois, livremente, assumí-los e executá-los até o último suspiro.

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Sonhos de Deus para a humanidade

Os sonhos do Criador do universo e da humanidade podem ser encontrados, entre outros textos bíblicos, em dois grandes profetas.
– “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus”. (Isaías, 55, 8)
– “Sei muito bem do projeto que tenho em relação a vós. É um projeto de felicidade, não de sofrimento: dar-vos um futuro, uma esperança!”. (Jeremias, 29, 11)

Essas breves revelações feitas por Deus levantam um pouco mais esse véu do mistério da vida, e apontam numa direção histórica, que nem sempre é percorrida pelas pessoas e, algumas vezes, é até discutida com revolta interior, por quem não quer abrir-se à esperança de viver.

Nos pensamentos e nos caminhos divinos traçados por Deus a respeito de cada pessoa humana, sempre a direção é única: tudo acontece na vida sonhada por Deus para existir a felicidade, para existir um futuro, temporal e eterno, iluminado pela esperança.

Brittany, seu marido, seus familiares e amigos, foram pessoas que escreveram, recentemente, capítulos dos seus respectivos livros da vida, e os seus leitores encontrarão essas linhas – que devem ser lidas com muito respeito e muito amor por essa jovem esposa e demais protagonistas – transcritas no vídeo produzido pela própria falecida, relatando toda sua angústia e sua vontade de morrer.

As palavras de Brittany no vídeo são claras e deixam à mostra o seu pensamento e o caminho que ela decidiu trilhar: “Adeus a todos meus queridos amigos e à minha família que amo. Hoje é o dia que escolhi para morrer com dignidade, dada a minha enfermidade em fase terminal, esse terrível câncer no cérebro que me encarcerou”.

Na semana anterior a esse dia escolhido por Brittany, ela realizou seu último sonho, que era conhecer o Gran Canyon. Pode-se dizer que não sobrou nenhum sonho a mais para ser realizável, e mesmo morrendo, beneficiada pela lei de suicídio assistido vigente nos Estados Unidos, uma questão ainda convém ser discutida.

Projeto futuro de Deus

Não é, certamente, a questão que vem percorrendo o mundo e cada vez que um fato como este é noticiado pela mídia internacional, reacende-se a questão polêmica da eutanásia.

A eutanásia direta, que consiste em pôr fim, com um ato ou omissão de uma ação devida, à vida de pessoas deficientes, doentes ou próximas da morte, e o suicídio e a cooperação voluntária com ele, enquanto é uma ofensa grave ao justo amor de Deus, de si e do próximo, são questões muito acima dos debates e das discussões parlamentares sobre possíveis projetos de lei a seu favor.

A eutanásia e o suicídio assistido colocam um ponto final numa história de vida, que certamente tem, segundo os pensamentos e os caminhos de Deus, algumas linhas a mais e alguns capítulos a serem acrescentados, até que o ponto final verdadeiro seja do Autor divino da história, e não iniciativa arbitrária das pessoas.

A questão, que quase ninguém tem coragem e serenidade de encarar e de debater, é esta: Deus tem ou não um projeto futuro, pleno de esperança, para as pessoas com enfermidades incuráveis e no momento terminal de sua existência temporal?

Por que são os protagonistas das histórias de suas vidas, e não o Autor do roteiro da vida, os árbitros da pontuação, colocando um ponto final, onde deveria ter um ponto e vírgula na linha da vida?

A história de qualquer paciente terminal pode ter mais linhas, ter outros capítulos novos, ter mais sonhos ainda realizáveis, com um valor e uma maravilha bem mais belos do que admirar um fenômeno geológico, como o Gran Canyon.

Necessidade de esperar em Deus

Como é difícil esperar o futuro capítulo da história da vida! O ser humano é impaciente e quer tudo imediatamente, sem demoras! Mais difícil ainda é esperar o futuro sob o fardo de uma doença incurável, dolorosa, quando nada mais se pode fazer!

Mas é nessa espera pelo amanhã, mesmo quando o hoje é de dor insuportável – e aqui cabe aos médicos usar sua ciência para aliviar essa dor, e não facilitar ações suicidas –, que o ser humano demonstra toda a sua dignidade, toda sua grandeza de ânimo ao escrever mais algumas linhas da sua história e, sobretudo, deixa em evidência a seus amados familiares e amigos que a tribulação produz a paciência, a paciência a prova, a prova a esperança, e a esperança nunca engana (cf. Romanos, 5, 3-5).

Se pelos sofrimentos na vida, inclusive os que fazem parte de uma doença terminal, dá-se o encontro com Deus-Pai e Autor da Vida, então é a esperança quem é capaz de reacender a vontade de viver e de realizar seu papel no extenso palco da existência no tempo.

Brittany deixou para o mundo atual uma palavra-chave para ser pensada; “esse terrível câncer no cérebro que me encarcerou”.

Encarcerar, ficar dentro de um cárcere, deixar-se aprisionar pelo medo de viver, pelo desespero e pela angústia; isolar-se, ocultar-se encerrar-se, enclausurar… O que significam todos esses termos senão viver sem um horizonte de esperança, de confiança no futuro, de expectativa de sonhos ainda realizáveis, mesmo com doenças incuráveis no corpo, mas não na alma que crê e espera tudo do Autor supremo da vida?

A esperança de continuar a vida é uma força, que nos liberta de cárceres interiores, onde nos aprisionamos pelas dores, que não são eternas nem destruidoras precoces de vidas sonhadas por Deus. Só o amor e a felicidade são eternos, já que só quem ama a vida e a vive na felicidade, mesmo com sofrimentos, realiza o sonho de Deus a seu respeito.

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