Legado de Bento XVI

Após 15 anos, Verbum Domini segue promovendo a Palavra de Deus

Exortação Apostólica do Papa Bento XVI foi publicada em 30 de setembro de 2010; saiba como documento sobre a Sagrada Escritura segue atual 

Julia Beck
Da Redação

Papa Bento XVI e a Exortação Apostólica Verbum Domini /Fotos: REUTERS/Kai Pfaffenbach; Edições CNBB

Neste último dia do Mês da Bíblia – celebrado no Brasil – a Exortação Apostólica Verbum Domini, do Papa Bento XVI, completa 15 anos. Mestre em Ciências da Religião, padre Rafael Beck, da diocese de Lorena (SP), explica que este documento é fruto de dois importantes eventos eclesiais: a Constituição “Dei Verbum” do Concílio Vaticano II, sobre a Palavra de Deus, e da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.

Padre Rafael Beck / Foto: Arquivo Pessoal

Segundo o sacerdote, a Verbum Domini aprofunda o impulso conciliar de valorização da Palavra de Deus, além de ser um documento em que Bento XVI denota a comunhão da Igreja e revela que seu conteúdo foi amadurecido na sinodalidade eclesial.

“Isso é muito importante se pensarmos que as Sagradas Escrituras, divinamente inspiradas, são um conjunto de livros escritos por muitas mãos em diferentes épocas, uma sinfonia que revela a harmonia do Espírito Santo na fluidez da história da salvação”, reflete.

Dei Filius, Dei Filius e Verbum Domini

O professor doutor Rudy Albino sublinha que o texto, apesar de ser fruto de uma reflexão conjunta com bispos do mundo inteiro, revela marcas das preocupações pessoais que o Papa carregou consigo ao longo de sua trajetória teológica.

“Eu diria que Verbum Domini (…) completa um tríptico importante: Deus comunica verdades sobre si (Dei Filius, Vaticano I), mas, sobretudo, Revela a Si mesmo em vista de uma comunhão com o homem (Dei Verbum, Vaticano II); e isso se dá tendo em conta o destinatário da Revelação, que é o sujeito Povo de Deus, a Igreja, que contém um espaço privilegiado para a transmissão dessa revelação, isto é, a Liturgia (Verbum Domini, Bento XVI)”, pontua. 

Professor Doutor Rudy Albino /Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Albino, revelação e fé (Verbum Dei), a Escritura na Igreja e em sua liturgia (Verbum in Ecclesia) e, no mundo (Verbum mundo) – as três partes da Verbum Domini – deixam claro tanto a interpretação quanto o anúncio do que Bento XVI ensinou sobre a autocomunicação de Deus.

Na Verbum Domini, padre Rafael reitera que o Papa Bento XVI explica o adequado lugar da Palavra de Deus no coração da Igreja. “O cristianismo não é uma ‘religião do Livro’ como outros credos monoteístas, mas é uma religião ‘da Palavra encarnada’ que é Jesus Cristo”, disse.

Para compreender por que a Bíblia é chamada de “Palavra de Deus”, o sacerdote reforça ser preciso valer-se da linguagem analógica, que, na metafísica de Santo Tomás de Aquino, é a linguagem do Ser: a Bíblia é Palavra de Deus em analogia a Cristo, Verbo do Pai.

Jesus faz da Bíblia um livro único

Joseph Ratzinger (nome de batismo do Papa Bento XVI) pregou uma “exegese canônica” que leva em conta duas coisas: a unidade da Escritura, entre Antigo e Novo Testamento, ou seja, uma leitura cristológica da Escritura, prossegue Albino. 

Além disso, o professor doutor recorda que Ratzinger pedia uma leitura bíblica que levasse em conta três sujeitos: os autores, os grupos de autores e o “sujeito vivo da Escritura”, que é o povo de Deus.

“É preciso, para o nosso teólogo, levar em conta os remetentes e os destinatários dessa comunicação de Deus conosco, a que chamamos revelação. Isso significa que desconectar o Jesus histórico do Cristo da fé significa amputá-lo do ambiente vital no qual a sua interpretação é correta, é completa e mantém a sua vitalidade no tempo”, afirma.

Albino deixa claro que a vinculação com a interpretação eclesial e litúrgica não é a imposição da Igreja sobre a pesquisa acadêmica, mas a salvaguarda do verdadeiro conhecimento de Jesus.

Escritura, Tradição e Magistério

O professor doutor Rudy Albino frisa que a Verbum Domini resume bem a conexão entre Escritura, Tradição e Magistério – tendo as últimas duas “brotado” da única fonte da Revelação.

“Na analogia de Ratzinger teólogo, Tradição e Escritura são como a bifurcação de um leito de um rio que nasce de uma só fonte. O Magistério tem a função de salvaguardar (guardar para salvar, para preservar) essa água pura, essa fonte. E isso se dá porque o mesmo Espírito Santo que guiou a Igreja na sua pregação oral, que operou a inspiração da Escritura é o que faz com que a Igreja toda não caia no erro, ao longo do tempo, na interpretação desse depósito, dessa fonte”, ressalta.

Ele assinala que não faria sentido Deus dar tantas palavras pelo Espírito e o tirar da humanidade, deixando-a sozinha com elas, em busca dos seus sentidos, sem o seu Autor. “A unidade da fé vem do ensino que a Igreja dá a partir da escuta diligente do Espírito Santo, que a guia”.

Valorização da Palavra

Padre Rafael afirma que a Verbum Domini incentiva os fiéis a valorizar a Palavra de Deus na liturgia, tratando-a com dignidade no espaço litúrgica e dando espaço para que ela seja acolhida nos corações.

“Para tanto, o número sessenta e seis do documento recomenda expressamente o silêncio na liturgia. O silêncio interior é fundamental para que a Palavra seja acolhida, transforme nossa vida e seja respondida na nossa oração e com nossas ações! Uma assembleia barulhenta não favorece o acolhimento da Palavra”, observa. Também é crucial estudar a Palavra com seriedade, seja na Academia, seja nos círculos bíblicos comunitários e nas casas, prossegue o sacerdote.

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Albino complementa que, para vencer uma crise da escuta da Palavra, percebida nos tempos atuais, é preciso uma catequese centrada na Sagrada Escritura, verdadeiramente mistagógica (“introdução ao mistério”), uma renovação homilética (menos sermões genéricos e mais pregações ancoradas nos textos bíblicos lidos segundo a regra da fé”) e uma catequese adulta (“com estudo e introdução na riqueza desafiadora da Sagrada Escritura”).

Formação dos leitores

A Verbum Domini destaca a necessidade da formação dos chamados “leitores” ou “proclamadores”, aqueles que proclamam a Palavra nas celebrações. De acordo com padre Rafael, o objetivo é que desempenhem dignamente este ministério.

O documento também recomenda o estudo bíblico, que pode valer-se de espaços acadêmicos já existentes, ampliando o seu alcance para que o laicato e parcelas mais amplas do Povo de Deus possam crescer no conhecimento das Escrituras. Nesse sentido, o sacerdote cita os cursos de “Teologia para Leigos”, oferecido por alguns centros de ensino, e cursos para os Leitores que proclamam a Palavra nas comunidades.

“Penso que precisamos tomar cuidado para não decairmos no sacramentalismo e não nos fecharmos na piedade popular em detrimento da meditação e do estudo da Palavra de Deus – a ‘Lectio Divina‘ (Leitura Orante da Palavra)”, alerta.

Por fim, padre Rafael recorda os fiéis que a Palavra de Deus é memória, fundamento, sabedoria, profecia e esperança para o cristão.

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