Três vezes ao ano, sangue solidificado do mártir retorna ao estado líquido; padre brasileiro e professor Felipe Aquino comentam sobre a devoção popular
Gabriel Fontana
Da Redação, com informações de Vatican News
Repetiu-se o fato prodigioso: o sangue de São Januário mais uma vez se liquefez. Nesta terça-feira, 19 de setembro, a Igreja celebra São Januário, que viveu entre os séculos III e IV na região de Benevento, Itália, e foi martirizado. O santo conta com uma grande devoção popular em Nápoles, cidade da qual é padroeiro e na qual, três vezes por ano, acontece um incrível fenômeno: a liquefação do sangue do mártir, guardado na Catedral de Nápoles.
Na época em que Januário viveu, os católicos ainda eram perseguidos pelo Império Romano. Ele foi bispo de Benevento, e há diferentes versões sobre como se deu o martírio do santo. Contudo, os relatos convergem para a morte por decapitação, o que possibilitou a coleta do sangue de Januário após sua morte – uma prática comum naquele tempo.
A relíquia do mártir
O sangue derramado foi recolhido em duas ampolas, entregues ao bispo de Nápoles, que mandou construir duas capelas. Naturalmente, o sangue se endurece, mas quase um milênio depois, um fato prodigioso foi observado. Em 1389, ele pareceu ferver, e retornou ao estado líquido (fenômeno cientificamente denominado “liquefação”).
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Desde então, o sangue de São Januário voltou a se liquefazer em diversas ocasiões. Normalmente, o evento acontece em 19 de setembro, 16 de dezembro e no sábado anterior ao primeiro domingo de maio. A primeira data corresponde à memória litúrgica do santo. A segunda relembra 1631, quando o vulcão Vesúvio estava prestes a entrar em erupção e a população napolitana fez uma procissão carregando a relíquia do santo, impedindo a destruição da cidade. A última data é ligada à primeira transladação do corpo de São Januário.
Um padre brasileiro devoto de São Januário
O padre Cleyton Oliveira, que hoje é estudante do Pontifício Ateneu Santo Anselmo em Roma, tem uma íntima ligação com o santo italiano. Nascido em 19 de setembro, ele quase recebeu o nome de Januário devido à grande devoção de sua avó. Embora sua mãe o tenha batizado com outro nome, ele herdou a proximidade da avó com São Januário.
“Ele não se cansava de falar de Deus, e, no seu semblante, via-se a bondade desse Deus que ele pregava. Se tem algo que eu quero transmitir na minha vida, é transmitir com a minha face a bondade desse Deus que eu também prego”, partilha o sacerdote.
Com esta devoção, o padre cultivava o sonho de visitar Nápoles no dia de seu aniversário – o que conseguiu realizar no ano passado. Devoto desde a infância, por muitas vezes o jovem Cleyton assistiu às transmissões da Santa Missa pelo YouTube. Em 2022, ao dirigir-se para a Roma a fim de estudar, ele aproveitou e visitou Nápoles no dia da festa do santo. O sacerdote partilha que pôde, inclusive, concelebrar a Missa e presenciar o milagre bem de perto.
Ele relata que, logo cedo, a catedral fica cheia. Em procissão, padres do mundo todo caminham junto com o povo em direção à Capela do Tesouro, onde fica guardada a relíquia. Um vigário a toma, com um pano cobrindo o relicário com o sangue. Segue-se a celebração de uma Missa, e ao final dela, o vigário retira o tecido, a fim de confirmar se o fenômeno aconteceu como esperado ou não.
E se o sangue não ficar líquido?
O professor de História da Igreja, Felipe Aquino, assinala que nem sempre ocorre a liquefação do sangue de São Januário. “O povo de Nápoles tem como certo, para ele, que quando o sangue não se liquefaz (porque ele fica solidificado nas ampolas que são hermeticamente fechadas), quando o milagre não acontece, é por causa do pecado do povo, então há muitas orações”, explica.
Da mesma forma, ele descreve que o povo napolitano considera a não concretização do fenômeno como um sinal de uma tragédia que está a caminho. Professor Felipe Aquino cita, entre as ocasiões em que o sangue não se liquefez, os anos de 1939 e 1940, que marcaram o início da Segunda Guerra Mundial; 1943, quando aconteceu uma ocupação nazista; 1973, quando Nápoles foi atingida por uma epidemia de cólera; e 1980, quando a região da Irpinia foi atingida por um terremoto.
Seguindo a tradição, nesta terça-feira, 19, o sangue de São Januário se liquefez, e a multidão reunida em Nápoles reagiu à repetição do fato prodigioso com grande festa. Com a firmeza da fé, o povo napolitano segue acreditando que sua cidade continua bem guardada e protegida pelo mártir.