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Em novo livro-entrevista, Papa responde à 100 perguntas dos pobres

Obra “Em diálogo com o mundo: o Papa responde” pode ser encontrada nos idiomas italiano, francês e espanhol

Da redação, com Vatican News

Papa Francisco/ Foto: Vatican Media/IPA/ABACA via Reuters

Cem perguntas vieram de pobres de todo o mundo: das crianças das favelas do Brasil, mulheres das planícies indianas, jovens do deserto iraniano, americanos sem-teto, prostitutas asiáticas e famílias malgaxes. Quatro grupos de moradores de rua e trabalhadores precários da Associação “Lazare”, que se dedica a dar um lar às pessoas em situação de rua na França e em outros países, fizeram perguntas ao Papa Francisco quando recebidos na Casa Santa Marta.

Desses encontros nasceu o livro “Em diálogo com o mundo. o Papa responde” disponível nas livrarias a partir desta sexta-feira, 1, nos idiomas italiano, francês e espanhol.

 

Christian, Ricardo, Philippe, Manoli, Diana, Jesús, Charlotte, Orelio e Alain foram os porta-vozes dos pobres de 80 países, que dirigiram perguntas ao Papa através da “Lazare” e de cerca de 20 associações e ONGs dos cinco continentes, tais como “Fidesco” e “Enfants du Mékong”.

Acompanhados por Pierre Durieux e Loïc Luisetto, respectivamente secretário e diretor-geral de “Lazare”, gravaram as respostas de Francisco, que não se esquivou a nenhuma pergunta.

Luisetto contou ao Vatican News: “A gente deu a ele uma campainha no início da primeira reunião, para que pudesse passar à pergunta seguinte se alguma o perturbasse. E, claro, não só não utilizou a campainha”, mas “disse que nenhuma pergunta o incomodava”.

Perguntas sobre pobreza e injustiça

Assim, os últimos do mundo, não só cristãos, puderam fazer perguntas ao Papa sobre a sua vida e o pontificado, sobre a fé e a Igreja, sobre a paz e a guerra. Para muitos, a pobreza e a injustiça são os temas mais importantes e urgentes.

Como é possível viver pobre numa sociedade de consumo? Que uso faz o Vaticano da sua riqueza? O que a Igreja faz concretamente para combater a injustiça e a violência no mundo? A todas estas perguntas diretas e urgentes, o Pontífice responde com grande franqueza e simplicidade.

“Qual é o salário do Papa”?

“Me magoa que homens da Igreja, padres, bispos, cardeais, dirigem carros de luxo e, longe de dar o exemplo de pobreza, dão os testemunhos mais negativos”, explica o Papa Francisco quando questionado sobre a pobreza na Igreja.

“Qual é o seu salário?”, pergunta Chandni da Índia. “Eu não ganho nada”, é a resposta, “realmente nada! Eles me mantêm e, se eu precisar de algo, peço. Afinal, eles sempre me dizem que sim. Não se discute com o Papa! Se eu preciso de sapatos, peço. É bom, porque quando se está tão ‘protegido’, como no meu caso, pode-se ficar com os bolsos vazios. Na ausência de proteção, por outro lado, é preciso ter algo no bolso, a sua dignidade depende disso. A minha é uma pobreza fictícia, porque não me falta nada”.

“Assim que me levanto, pareço um ‘zumbi’…”

Francisco confessa, ironicamente, que se parece com “um zumbi” na primeira meia hora depois de acordar, e admite que por vezes adormece durante a oração. Recusa as calças brancas tradicionais, porque “não sou um sorveteiro”, e define-se a si próprio como “um homem comum”.

Ele responde que sim à espanhola Manoli que lhe pergunta se ele tinha tido uma namorada. “Ele respondeu que tinha tido um grande amor antes de entrar no seminário”, explica Manoli, “que eles foram dançar juntos. E até admitiu que ainda está em contato com ela! A essa Amália, o amor da sua juventude, Jorge Bergoglio tinha anunciado que se tornaria padre se ela não se casasse com ele…”.

Se retirar os pobres do Evangelho, desaba

Ricardo, outro dos “entrevistadores”, foi especialmente tocado pela simplicidade do Pontífice. “Como tem problemas intestinais, só come arroz, batatas cozidas, peixe grelhado e frango… Simples! E come com todos…”.

Quando surge o tema da política, o Papa Francisco explica: “há quem afirma que eu sou comunista… Eu só digo que se tirarmos os pobres do Evangelho, ele desaba”, e reitera que “a solução social só pode vir dos movimentos populares”.

Uma paixão por Eneida e Baudelaire

Perguntado por Wivine de Bruxelas sobre o livro ou poema favorito, o Papa responde que ama muito a melancolia de Paul Verlaine, e cita de cabeça: “os longos gritos dos violinos de outono me rasgam o coração com uma linguagem monótona…”, mas também ama muito Baudelaire.

Dos livros, recorda que o seu favorito “é definitivamente o Eneida. Também li muitos autores modernos”, continua ele, “mas a minha formação veio dos clássicos”.

A ideia para o livro

Ele é verdadeiramente o “Papa dos pobres”, comentam os quatro editores no prefácio. Juntamente com os convidados da Casa Santa Marta, eles tentaram “entrar no coração deste homem, no coração das suas palavras e ações”, e a melhor maneira, escrevem, é “ouvi-lo falar, não sobre pobreza, mas com os mais pobres”.

Eles contam que a ideia do livro surgiu na primavera de 2020, em pleno lockdown da pandemia de Covid-19, quando em vez de cancelar a audiência pelo aniversário de 10 anos da Associação “Lazare”, Francisco convidou um pequeno grupo de sem-teto ao Vaticano, conectando-se a outros por videoconferência.

Era 29 de maio de 2020, e depois dequele “primeiro encontro verdadeiramente extraordinário”, escrevem os editores, “percebemos que aquele diálogo tinha que continuar. Christian, em particular, sentindo o seu apetite despertar, sugeriu ao Pontífice de prosseguir a conversa durante o almoço. Naquele dia não foi possível, mas o pedido fala muito da espontaneidade das nossas trocas. E a proposta de continuar a partilha, abrindo-a aos pobres do mundo e produzindo um livro, foi acolhida”.

Direitos de autor às ONGs que receberam as perguntas

Através dos pobres, concluem, o Papa Francisco “estabelece um diálogo com o mundo inteiro”.

“Os mendigos éramos nós, mas foi ele quem disse obrigado. E optou por renunciar aos seus direitos de autor, doando-os às associações que nos ajudaram a receber as perguntas”.

Luisetto: Papa contente com a franqueza dos pobres

Mais uma vez Luisetto, na entrevista ao Vatican News, recorda que desde o primeiro encontro, “vimos que estava feliz por ver pessoas, por passar tempo conosco e responder às perguntas dos nossos inquilinos”. “Isso nos deu a ideia de ir mais longe, recolhendo as perguntas dos pobres de todo o mundo e de fazer um livro de entrevistas com o Papa”.

O diretor-geral da “Lazare” acompanhou quatro delegações de sem-teto ou ex-moradores de rua para falar com o Papa, e sublinha: “o ambiente era de liberdade, fomos lá com franqueza. Cada vez que eles vinham, o grupo permanecia durante vários dias na Casa Santa Marta. Descreveram-no como um homem simples, autêntico, atento aos seus hóspedes. À pergunta: ‘faltam os leigos, as mulheres e os pobres na Santa Marta?’, Francisco respondeu afirmativamente: ‘seria um bem para nós, sim'”. 

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