Dom Ricardo Hoepers e a psicóloga e logoterapeuta Ilzara Serafim comentam valorização da vida e prevenção ao suicídio
Denise Claro
Da redação
No mês de setembro, acontece, desde 2014, a Campanha Setembro Amarelo, voltada à valorização da vida e à prevenção ao suicídio. No Brasil, anualmente, são registrados mais de 13 mil suicídios; no mundo, mais de 1 milhão. Na contramão dos dados, esse mês traz consigo a mobilização de esforços para propor vida e ajudar a reencontrar seu sentido, muitas vezes, perdido.
O presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB, Dom Ricardo Hoepers, lembra que a vida é um grande dom de Deus. “A preservação e a beleza da vida é uma dádiva de Deus reconhecida de maneira sublime em cada pessoa que nasce e vive neste mundo. Quando Deus esteve ao mundo, veio aos homens em forma humana para mostrar-nos o seu amor.”
Para o bispo, o suicídio é um tema complexo e difícil de ser tratado. Mas a Igreja está cada vez mais atenta a esse drama, ressalta, buscando construir e anunciar uma cultura da vida.
Em primeiro lugar, a visão cristã ensina que a vida é um dom de Deus, sendo Ele o Criador e Senhor da vida. “Cada um foi criado à imagem e semelhança de Deus e cada vida humana tem um sentido de existir.”
Em segundo lugar, a vida é dada a cada um com uma inclinação natural para autoconservação. “Temos um desejo natural de cuidar de nós mesmos”.
Por fim, o ser humano foi criado para o encontro, para a convivência, para a relação e o cuidado com o outro. “Somos parte de uma família, de uma comunidade onde fazemos a experiência da responsabilidade com o outro. Dessa forma, o suicídio contradiz, de maneira radical, estas três inclinações naturais do ser humano, tornando-se um ato contra Deus, contra si e contra os outros”.
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Cultura de Morte e a mobilização das forças vivas
Dom Ricardo lembra que, quando se fala em suicídio, se toca em uma gama de fatores que devem ser considerados. Isso vai desde as fragilidades das estruturas familiares até as condições de sobrevida em um país que vive uma crise social e econômica.
“Tudo pode contribuir para a cultura da morte, que descarta e não tem perspectiva e nem esperança. Por isso, para combater o suicídio é necessário um empenho de todas as forças vivas da sociedade para um trabalho de prevenção.”
O bispo reforça que o papel da Igreja, neste quesito, é apontar caminhos, ajudar a organizar o suporte necessário para que ninguém se sinta sozinho, abandonado. “Temos que ser presença, consolo, apoio, e acima de tudo, solidários para com todos os que estão passando por essa situação em suas famílias. Evitar o suicídio é acima de tudo ajudar a pessoa a reencontrar o sentido de sua vida e que ela possa se sentir amada e ser capaz de amar.”
Cultura da Vida e Casa Comum
“Todos devemos trabalhar em prol da vida plena”. Dom Ricardo salienta que a cultura da vida só vai crescer quando todos se sentirem responsáveis pela casa comum e pela vida viável e digna que todas as gerações têm o direito de viver.
“Sem uma profunda espiritualidade que entenda a vida como dom de Deus, tudo se torna descartável e objeto de interesse tornando o ser humano em coisa. Somos filhos e filhas de Deus, somos irmãos uns dos outros e, em Cristo, salvos pelo amor e quem ama defende a vida.”
Sentido à vida
O religioso aponta para a importância de, ao longo da vida, ter um olhar positivo quanto às dificuldades que se apresentam.
“As dificuldades podem ser uma oportunidade de amadurecer e um grande aprendizado que nos torna pessoas melhores. Por isso, é muito difícil julgar o que acontece no coração suicida, pois a pessoa está vivendo um drama tão profundo que está indo contra a sua própria natureza que é de preservar a vida. Isso significa que a pessoa está perdendo o controle sobre si, sobre sua condição e as condições internas e externas estão fragilizadas ou desconectadas.”
Ele lembra que a fé pode ajudar as pessoas neste momento, a entenderem o sentido de suas vidas. A fé aponta para a verdade de quem realmente cada um é.
“Mas, muitas vezes, a pessoa está em busca de aliviar um sofrimento muito profundo e não consegue enxergar uma saída. Deus quer se fazer presente, mas a falta de sentido e o desespero afastam a pessoa de ver a sua luz e a resposta. Quando uma pessoa começa a dar sinais de falta de sentido para a vida, não podemos esperar que caia no fundo do poço, é preciso agir com presença e suporte espiritual e profissional.”
Tríade Trágica
Na luta pela vida e da busca de sentido, o profissional mais indicado a ajudar é o psicólogo. A psicóloga e logoterapeuta Ilzara Caldas Serafim lembra o pensamento de Viktor Frankl sobre o caminho da vida, em que há a tríade sofrimento, morte e culpa.
“O sofrimento é inevitável, e devemos acolhê-lo de modo a adotarmos uma atitude para com ele, encontrando um outro ‘significado’, dando um novo direcionamento para ele dentro de nós, como enxergá-lo noutro ângulo, ofertar em benefício de alguém. Aceitação da dor. Com a morte, desenvolver a compreensão acerca da finitude da vida, sua transitoriedade. Estão salvas dentro de cada um de nós as lembranças, vivências eternizadas acerca de quem faleceu. E a culpa, é necessário trabalhar com a reparação, buscar atos de reparação para com o que em nós está colocado como uma ‘culpa’.” Tudo isso ajuda a pessoa a viver bem e a encarar as dificuldades de uma forma mais eficaz.
A especialista lembra que um grande diferencial apresentado pela Logoterapia é o postulado de que o Sentido da Vida é encontrado por meio da realização de valores.
“Os criativos (eu realizo um trabalho, eu dou de mim ao mundo), estão ligados ao ‘sentido do trabalho’; os vivenciais (eu acolho do mundo, das pessoas, da natureza, as dádivas contidas aí, abertura de si ao outro, ao Outro, ao mundo), estão ligados ao ‘sentido do amor’; os de atitude (diante do sofrimento inevitável, como lidar com o sofrimento, como transformá-lo, aprender com ele), estão ligados ao “sentido do sofrimento”.
Apoio psicológico
A psicóloga lembra que, para se ajudar uma pessoa, é preciso, primeiramente, reconhecer os “sinais de alerta” como um pedido de socorro. Alguns sinais são isolamento, mudanças de hábitos, descuido com a aparência, perda de interesse por atividades que gostava, piora no desempenho na escola, no trabalho, alterações no sono e/ou no apetite. “A pessoa quer na verdade, se livrar da dor, do sofrimento que lhe parece insuportável.”
Depois, construir uma rede de proteção. Trata-se de não deixar a pessoa exposta a situações vulneráveis, como por exemplo, às influências das mídias sociais (séries ou programas que “incentivam” o suicídio). Examinar as relações consideradas nocivas para a pessoa. Rever a linguagem, não apresentar “julgamento” e sim empatia. Incentivar cuidados básicos para com sua saúde: cuidar do físico, alimentação, sono.
“A necessidade de escutar as pessoas é a grande prevenção. Ajudar a pessoa a vislumbrar ‘saídas’, cultivando a esperança, otimismo. É preciso ‘apelar pela vida’ e pelos sentidos que a envolvem, incentivando na pessoa a vontade de sentido e resgatando-a do vazio existencial no qual se encontra.”