Dom Oscar Ojea foi bispo auxiliar do Cardeal Bergoglio em Buenos Aires, e atualmente é presidente do episcopado argentino
Da redação, com Vatican News
Neste sábado, 13, o Papa Francisco completa oito anos de pontificado. Em entrevista ao Vatican News, o presidente do episcopado argentino, que foi bispo auxiliar do Cardeal Bergoglio em Buenos Aires, Dom Oscar Ojea, comentou a vida e missão de Francisco.
O bispo começou recordando do “arcebispo simples, que pegava ônibus, que viajava de metrô, aquele arcebispo que, de preferência, ficava mais tempo nas paróquias da periferia, aquele arcebispo que tinha uma pregação maravilhosa”, alguém que alcançou “uma plenitude”, fruto de um serviço “para o qual, sem dúvida, o Espírito Santo o tinha preparado e sem o saber, tinha-se preparado a si próprio”.
Para o Bispo de San Isidro, “Bergoglio é o Papa que está tentando fazer avançar o Concílio”, fazendo uma leitura atual da Lumen Gentium e Gaudium et Spes. Segundo dom Oscar Ojea, a pandemia marcou um antes e um depois no pontificado de Francisco. Salienta também a importância de fazer uma leitura das suas viagens, visitando quase sempre as periferias geográficas e existenciais.
O prelado argentino também comenta a relação do Papa Francisco com a Argentina, onde parte da imprensa, que muitas vezes manipula as suas palavras, insiste em “afirmar que o Papa não ama a Argentina”. Olhando para o futuro, o pontificado do Papa Francisco deveria ser marcado pelos “temas de Fratelli Tutti”, segundo o presidente do episcopado argentino, que insiste na espiritualidade muito profunda do Papa.
O senhor fazia parte do clero de Buenos Aires e foi bispo auxiliar do cardeal Bergoglio, o que nos faz ver que o conhece há muito tempo. Como são semelhantes o cardeal Bergoglio e o Papa Francisco, e como diferem após oito anos de pontificado?
Gosto de colocar as diferenças em termos de integralidade, não em termos de oposição. Segundo a minha visão, o que estava em germes naquele arcebispo que caminhava por Buenos Aires, simples, que pegava ônibus, que viajava de metrô, aquele arcebispo que, de preferência, ficava mais tempo nas paróquias da periferia, aquele arcebispo que tinha uma pregação maravilhosa, porque dizia sempre alguma coisa em cada homilia, e a gente saía com alguma coisa.
Esse arcebispo atingiu agora uma plenitude, em todas as ordens da sua vida, mesmo na ordem física. Tenho-o visto como mais transparência, com um humor excepcional, a sua capacidade de trabalho é como se tivesse multiplicado. Sempre teve capacidade de trabalho, mas agora é muito maior. Colocá-lo-ia em termos de plenitude, no exercício de uma função e de um serviço na Igreja, para o qual, sem dúvida, o Espírito Santo o preparou, e ele tinha-se preparado sem o saber.
Colocá-lo-ia nessa escala, não sinto uma oposição entre um e outro, como se diz frequentemente. Senti algo bastante linear, que está atingindo a sua plenitude, o que dá grande alegria àqueles que o conhecem e o amam.
O que podemos dizer que são os elementos fundamentais do pontificado do Papa Francisco nesses oito anos?
Bergoglio é o Papa que está tentando fazer avançar o Concilio de uma forma mais concreta. A Constituição Lumen Gentium é relida de alguma forma na Evangelii Gaudium, numa chave de Igreja em saída, uma Igreja que corre o risco de ter acidentes, de se machucar, de falhar em algumas coisas, mas onde a criatividade, o ardor apostólico, o fervor apostólico, o zelo apostólico são privilegiados. Estes foram temas que ele, quando era Arcebispo de Buenos Aires, também tinha levantado, o tema do zelo apostólico, seguindo a ideia de João Paulo da nova evangelização, nova no seu zelo, nova nos seus métodos e nova na sua expressão.
De certa forma, a reflexão sobre a Igreja, que é a primeira exortação, faz-nos pensar em como condicionar as estruturas de modo a torná-las mais simples, mais missionárias, mais próximas das pessoas de hoje, mais próxima. Há uma espécie de aprofundamento da Lumen Gentium em termos de evangelização, em função da Evangelii Nuntiandi, que de alguma forma é relida em Evangelii Gaudium. Isto parece-me ser um aprofundamento da Lumen Gentium, que vai à própria natureza da Igreja, também relida em Aparecida. Todas essas contribuições de Aparecida, Evangelii Gaudium, cada tentativa de aprofundar e refletir sobre a própria Igreja, ele resume-a na Evangelii Gaudium.
Acrescentaria outro aspecto do Concílio, que Bergoglio toma e lhe dá um lugar muito forte em termos de pensamento sobre a Igreja. Este tema da Igreja como Povo de Deus. O conceito de povo nele vai infinitamente além do que podemos compreender pelo termo país, que se refere mais a uma categoria geográfica, o termo nação, que se refere a um consenso jurídico, dentro do qual a mesma igualdade jurídica é acordada. O conceito de povo tem a ver com a história, tem a ver com um projeto, tem a ver com as raízes.
O Concílio redefine a Igreja de acordo com aquela frase de São Cipriano que diz que a Igreja é um povo unido, com a unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Um povo unido, não com uma unidade qualquer, mas com a unidade da Trindade. De alguma forma, esse conceito de povo, que está encarnado em todos os povos da Terra, é por isso que a Igreja tem esta multiculturalidade, esta “pluriculturalidade”, é o povo de Deus que está encarnado nos povos da Terra, e de certa forma recebe deles certos sinais culturais que são muito importantes. Este conceito de que é todo o povo que evangeliza o povo, a comunidade dos batizados que evangeliza o mundo, este conceito é retomado e torna-se extremamente rico, porque é precisamente a noção de povo.
Se é o povo que evangeliza, a sinodalidade, que o povo caminha junto, que o povo tenha de ser consultado e que o povo participa de alguma forma, tudo isto se torna uma única reflexão. Acredito que a Igreja, o conceito do povo e a Lumen Gentium como um gatilho. Evangelii Gaudium não é apenas uma linguagem de análise e reflexão, mas é uma linguagem de ação e conversão.
Sabemos que o Papa Francisco é um homem de processos, mas o senhor diria que há um momento decisivo nestes primeiros oito anos de pontificado do Papa Francisco?
Podemos divergir, mas creio que a pandemia tem sido um ponto de viravolta. O Papa tornou-se, desde a pandemia, uma espécie de líder de uma certa humanidade. Há falta de pessoas no mundo com capacidade de interpretar o que está acontecendo, com tantas interpretações que demonstraram a total falta de humildade de muitas pessoas, mesmo na ciência, acreditando que sabem tudo, quando não sabem nada, ou muito pouco. Vimos nos meios de comunicação social uma invasão de pessoas que diziam coisas com tanta certeza, ou projetavam medidas com tanta certeza, e depois de pouco tempo isto caiu, com muito nervosismo, mal-estar em diferentes camadas da população.
Perante este panorama, no dia 27 de março, naquela Praça São Pedro vazia, o Papa, sozinho, vai saudar Maria, adorar a Cruz, e dar-nos de presente aquela pregação sobre a tempestade acalmada do Evangelho de Marcos, que é maravilhoso, foi de enorme importância, mesmo do ponto de vista da imagem, e parece-me que, nesta circunstância, fomos retratados de forma enérgica. Por que digo que a pandemia é um ponto de viravolta, porque permitiu ao Papa, embora a encíclica Fratelli tutti já estivesse em elaboração, formulá-la com uma nova consciência de que o fundo foi atingido.
Ele diz que, com a certeza de que o fundo foi atingido, a pandemia revelou uma série de coisas contra as quais será necessário fazer escolhas. O tempo para testes ou tentativas terminou, para ele é demasiado claro o caminho a seguir após esta exibição de um mundo absolutamente fragmentado. A proposta, e aqui entra a segunda força do papado de Francisco, que é a Gaudium et Spes. Tal como Evangelii Gaudium, é uma reflexão sobre Lumen Gentium, missionária, assim, na minha opinião, tanto Laudato si como Fratelli tutti são encíclicas que têm a ver com a relação entre a Igreja e o mundo.
Aqui, temos o número de gestos que tiveram lugar em torno dessas duas encíclicas. O Sínodo da Amazônia é uma implementação concreta do Laudato si, e os encontros com os imãs, tanto com os imã sunita como xiita, na última viagem, que gestualmente nos diz que devemos necessariamente viver o poliedro, e habituar-nos a falar dentro de um grande poliedro e abandonar todas as pretensões individualistas do mundo em que vivemos.
O senhor falou de Aparecida, Francisco é o primeiro Papa latino-americano. Poderíamos dizer que, para levar a cabo, não sei se é a palavra mais apropriada, as suas grandes reformas, ele quis confiar isso à Igreja latino-americana, como aconteceu com o Sínodo para a Amazônia ou agora com a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, que foi o próprio Francisco que quis que esse modelo fosse assumido, e não uma nova Conferência Geral do Episcopado latino-americano?
Por natureza, é dado que aquele que pertence a um Povo, a uma região, que tem raízes históricas, tende a fazer o seu primeiro ensaio, a sua primeira abordagem, em áreas que conhece bem, mesmo com episcopados e clérigos que conhece bem. A resposta é sim, mas parece-me que temos de estar muito atentos a esta seleção que Francisco faz das suas viagens. A última viagem, depois as viagens à África, a visita a Madagáscar, há uma série de prioridades que o Papa está estabelecendo que transcendem a América Latina.
Esta viagem, tão combatida internamente, como perigosa, arriscada, a viagem ao Iraque, significa que o Papa quer visitar Igrejas vivas, Igrejas onde há cristãos que foram queimados vivos dentro da Igreja. O tema da homenagem aos mártires e o tema da proximidade a uma Igreja mártir tem a ver com a proximidade da Igreja a uma área do mundo que está permanentemente em conflito, ou seja, a cabeça de praia de todas as guerras, porque as guerras começam lá e terminam lá. Para ver o Papa chegar a um lugar onde a Igreja é destruída, onde há vestígios de guerra, e o Papa quer dialogar com o povo, naturalmente com os líderes, ouvir, rezar ali, este tipo de gestos tem muito a ver com uma mensagem para o mundo.
A viagem ao Médio Oriente foi coberta por alguns jornais europeus. Aqui na América Latina, nem sequer se sentiu, pelo menos na Argentina, que é o seu país, que evidentemente tem uma grande parte da imprensa que é inimiga do Papa, aqui, para além de estar nas redes, não teve a transcendência que a viagem teve noutras partes do mundo.
O senhor acabou de falar da Argentina, antes falou do conceito de povo que ultrapassa o conceito de país. Na conferência de imprensa durante o voo de regresso da viagem ao Iraque, foi-lhe perguntado novamente sobre este tópico tão procurado, se vai renunciar e regressar à Argentina, quando vai visitar a Argentina. Qual é a leitura que o senhor, como argentino e como presidente da Conferência Episcopal Argentina, faz destas tentativas de nacionalizar e manipular a figura do Papa Francisco, algo de que ele já mostrou que não gosta?
Ele dá uma entrevista ao autor de um livro sobre a doença dos Papas, Dr. Nelson Castro, e o jornalista pergunta-lhe sobre a sua morte, onde planeja morrer, ou onde planeja acabar, este é o contexto da pergunta. Então, diz o Papa, aqui em Roma, porque é a minha diocese. Mas quando esta notícia foi transmitida, os meios de comunicação social retiraram-na do contexto, e disseram que o Papa não queria vir à Argentina, esta foi a notícia que lemos.
Portanto, ele queria esclarecer este mal-entendido, uma coisa é dizer que me imagino morrendo em Roma, porque é a minha diocese, e não voltar para lá, do que dizer que a possibilidade de ele vir para a Argentina está encerrada. Acredito que a possibilidade de ele vir à Argentina ainda está aberta, e Deus queira que ele venha à Argentina, não sei quando, mas bem, seria um presente para nós argentinos, seria um presente muito importante. É um sinal de que, nesta questão, como noutras, o Papa é tirado do contexto. Há uma parte da imprensa que quer afirmar que o Papa não ama a Argentina.
Aquela imprensa que nos quer dizer que o Papa não ama a Argentina são pessoas que ficam muito nervosas quando a popularidade e o afeto pelo Papa acontecem na Argentina. É um problema que tem a ver com afeto, não é tolerado que o Papa ganhe um espaço que o torne popular na Argentina.
Ninguém conhece o futuro, e não sabemos o que poderá acontecer amanhã, mas, na sua opinião, qual é o futuro que o Papa Francisco prevê para si próprio, o que pensa que ele tem em mente para o futuro não só da Igreja, mas também da humanidade?
Parece-me que ele gostaria que os temas da Fratelli Tutti, a possibilidade de criar espaços de fraternidade, a possibilidade de nos perguntarmos realmente o que podemos fazer concretamente, é uma encíclica que fala muito do concreto, de não esperar que as soluções venham do Estado, nem de um governo populista, nem de um governo neoliberal, que são um pouco os polos em que se movem os governos da América Latina, penso que também em algumas outras partes do mundo, o desejo desta última encíclica, onde fez uma síntese de muitas coisas suas, onde se cita muito, e como se também quisesse deixar um legado. Tenho a impressão de que o seu sonho é continuar trabalhando nos temas da Fratelli Tutti, amizade social, diálogo, a reivindicação da política, a experiência profunda da parábola do Bom Samaritano.
Tenho a impressão de que ele quer que estes temas sejam instalados, penso que isto está nos seus horizontes. Penso que haverá outras coisas, é nisso que posso pensar neste momento, conhecendo-o. Isto está dentro dele, é sempre acompanhado por uma espiritualidade muito profunda. Ao mesmo tempo que o mundo está sendo destruído, leio, todos os dias, aterrorizado, os números sobre a situação da pandemia em Manaus, em certos lugares da Amazônia, a situação particularmente no Brasil, estamos falando de coisas extremamente dolorosas. Tenho a impressão de que, no meio de tudo isso, que ele conhece perfeitamente bem, ele coloca este ano de São José, como para cuidar da casa, da família, da Igreja, ele é o patrono da Igreja. A última vez que o vi, agora em janeiro deste ano, estava muito feliz por ter podido consagrar a São José este ano. Portanto, isto também tem de ser lido.