“O avesso da morte, o nascimento, é bem mais do que sinônimo de esperança. Nascer é símbolo de renovação”
Pedro Teixeira*
Nenhum vírus, perda familiar, divisão política ou religiosa será capaz de deter nossa capacidade de superação. Não se trata de otimismo, mas de uma afirmação prática: o mais poderoso dos homens nasceu pobre, em situação de rua, desprovido de qualquer assistência médica ou de direitos de cidadania.
E de repente, lá estava Ele, entre nós, num pequeno estábulo, sob a luz das estrelas e a proteção dos anjos. Um cidadão celeste, agora sujeito às limitações naturais da condição humana. Com o tempo, cresceria e cumpriria em curto período de anos a missão designada pelo Pai: resgatar o que nenhuma inteligência humana seria capaz: a salvação eterna, a escada para o céu.
O avesso da morte, o nascimento, é bem mais do que sinônimo de esperança. Nascer é símbolo de renovação, e, por consequência, de permanência, senão física, espiritual. No Natal passado, o finlandês Kerrylee Stovell embalava o filho Stovell Kori Parkin, de nove anos de idade, em uma cama de hospital. Aguardava o falecimento do filho em seus braços depois de ouvir do médico que a criança teria apenas mais 12 horas de vida. Mas algo aconteceu. Após milagrosa recuperação do segundo transplante de coração, Kori vai celebrar o Natal deste ano em casa. Está ansioso para ajudar a mãe no preparo do jantar e, claro, abrir os presentes, cercado pela família.
O triunfo da vida é invisível, mas poderoso. Enquanto a natureza humana corrompe nossa essência existencial, o amor do Pai a repõe por meio do elo estabelecido com o homem em nome do Filho Jesus. Essa graça os olhos físicos não podem mais contemplar. O plano do Pai, muitas vezes, só é notado nos momentos de crise. Se não durante, talvez depois.
Diz o Papa Francisco: é impossível uma alma ser verdadeiramente orante se ela não traz em si preocupação com a dor e com o sofrimento do outro. Neste ano, ao contrário de Kori, muitos passarão o Natal sem a família completa. Além de um milhão e meio de famílias desfalcadas por causa da pandemia, outras vítimas, de desastres naturais, incêndios, atentados, atos de racismo, clamam por mais justiça pelo sangue derramado de crianças, idosos e enfermos.
Os olhos do Menino pobre na manjedoura sondam a vasta escuridão das noites desoladas deste ano, consumidas no vazio do coração de quem sobreviveu. Agora, o silêncio, por si só, basta. Na noite escura de todo ser, Deus consola o choro angustiante das misérias humanas. Nenhuma ideologia, nenhum grito de protesto, nenhuma revolta falará tão alto quanto o ensurdecedor silêncio da manjedoura. Uma estrela ilumina e indica o caminho a seguir. Não é difícil descobrir onde ele se encontra, afinal, em Mateus (25, 31-40) Jesus aponta a direção.
Neste Natal, que teus olhos se voltem para céu, mas percebam do lado, o próximo. Que tuas mãos se juntem em oração, mas que braços não se cruzem diante das injustiças sociais. E que bocas pronunciem orações, ao mesmo tempo em que os ouvidos ouçam o clamor das comunidades, o abandono dos hospitais, viadutos presídios e outros tantos cantos pobres deste país. Em um deles, pode ser que você encontre o Menino lá, já à sua espera. Em silêncio.
*Pedro Teixeira é Jornalista e editor de textos do telejornal Canção Nova Notícias