Frei Evaldo explica importância do novo documento e frisa valor da acolhida, escuta e acompanhamento, por parte da Igreja, com as vítimas e seus familiares
Julia Beck
Da redação
Diversas ações sistemáticas somadas às denúncias de casos de abusos de menores por parte de clérigos tem levado a Igreja a intensificar a busca por instruções e melhores procedimentos na averiguação da verdade e punição dos culpados. O pontificado do Papa Francisco é marcado por documentos e eventos que reforçam esta busca por “tolerância zero” nestes casos.
As “Diretrizes para a Proteção dos Menores das Pessoas Vulneráveis” (datada de março de 2019) e o Motu Proprio “Vos Estis Lux Mundi” (datado de maio de 2019), além do Encontro “A Proteção dos Menores na Igreja” (realizada em fevereiro de 2019) são algumas ações recentes de destaque, sendo a última delas o “Vademecum” de autoria da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano.
Uma espécie de guia, o “Vademecum” – publicado há aproximadamente 10 dias traz alguns pontos de procedimento no tratamento dos casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos. A novidade já é de conhecimento da Igreja no Brasil, que, desde então, busca colocar em prática as instruções vindas da Santa Sé.
O consultor canônico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e membro da Comissão Especial de Proteção da Criança e do Adolescente, frei Evaldo Xavier Gomes, definiu o documento como um “passo firme e decido do Papa Francisco na luta pela justiça e pela verdade”.
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“Não se trata de um texto normativo, mas sim de indicações concretas sobre o procedimento a ser seguido pelo ordinário e pelos seus auxiliares em face desta que é definida como uma ferida profunda e dolorosa que precisa ser curada”, comentou o frei.
Além de levar em conta os documentos e iniciativas do Papa Francisco, o consultor canônico da CNBB pontua que os procedimentos apresentados pelo “Vademecum” são fundamentados nas normas do direito da Igreja, mas especificamente no Motu Proprio “Sacramentorum sanctitatis tutela” do Papa João Paulo II (2001), atualizado pelo Papa Bento XVI (2010)”.
Para compreender melhor os procedimentos indicados pelo “Vademecum”, frei Evaldo afirma ser preciso conhecer o “princípio da tutela da pessoa humana”. O religioso frisou que, desta forma, as três ações que o documento exorta no tratamento das vítimas – acolher, ouvir e acompanhar – são vistas de forma mais clara e fundamentada.
O silêncio e o segredo
Em sintonia com a tradição secular da Igreja e com o vigente Código de Direito Canônico (can. 220), o novo documento destaca que a boa fama das pessoas envolvidas deve ser tutelada. Frei Evaldo alerta, porém, que “a divulgação de notícias sobre a existência de uma acusação não constitui necessariamente uma violação da boa fama” (n. 44). “Preservando a intimidade das partes o documento afirma a obrigação da autoridade eclesiástica ‘observar o segredo de ofício’ (n. 30). “Por outro lado afirmam que não podem ser impostos quaisquer vínculos de silêncio seja à pessoa que fez a denúncia, seja ao ofendido e nem mesmo às testemunhas”, esclareceu.
Essas pessoas devem ser informadas que, no caso de uma eventual “apreensão judiciaria ou uma ordem de entrega dos atos de investigação pelas autoridades civis, a Igreja já não poderá garantir a confidencialidade dos depoimentos e da documentação adquirida em sede canônica” (n.44), explicou o consultor canônico da CNBB.
No final do ano passado, o Vaticano divulgou dois documentos importantes relacionados a essa questão. Um colocou fim ao segredo pontifício nos casos de violência sexual e de abuso de menores cometidos por clérigos, e o outro alterou a norma relativa ao crime de pornografia infantil, inserindo-o no caso da “delicta graviora” – os crimes mais graves -, a detenção e difusão de imagens pornográficas envolvendo menores até aos 18 anos de idade.
A Igreja e o Estado
Um dos pontos fortes do “Vademecum” é o pedido de que Igreja e Estado colaborem para a verificação e punição dos casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos.
Para o consultor canônico da CNBB, tanto a Igreja como o Estado devem colaborar e auxiliar-se mutuamente, respeitando-se naturalmente os respectivos espaços de autonomia, na luta em prol do bem maior da defesa e proteção dos menores. “O documento recorda que a autoridade eclesiástica, no exercício da atividade de investigação deve agir no respeito às leis civis de cada Estado (n. 27)”.