Dia de Combate ao Câncer Infantil

Câncer infantil: famílias contam experiência de dor e superação

Câncer é a primeira causa de morte por doença entre crianças e adolescentes

Denise Claro
Da Redação

Nesta quarta-feira, 23, o Brasil comemora o Dia Nacional de Combate ao Câncer Infantil. O problema corresponde a um grupo de várias doenças, como leucemias (que afeta os glóbulos brancos), linfomas (sistema linfático), sarcomas (tumores de partes moles), entre outras, que acometem crianças e adolescentes.

Segundo Instituto Nacional de Câncer (INCA), assim como em países desenvolvidos, no Brasil o câncer já representa a primeira causa de morte (7%) por doença entre pessoas de 1 a 19 anos de idade.

Nas últimas quatro décadas, o progresso no tratamento do câncer na infância e na adolescência foi extremamente significativo. Hoje, em torno de 70% das crianças e adolescentes afetados pelo câncer podem ser curados, se diagnosticados precocemente e tratados em centros especializados. A maioria consegue ter boa qualidade de vida após o tratamento adequado.

A psicopedagoga hospitalar Elaine Marques trabalha, há dois anos e meio, em um hospital voltado ao tratamento de crianças com câncer. Ela conta que busca desenvolver o trabalho da forma mais humanizada possível. 

“É preciso ir além da doença. A criança em tratamento muitas vezes se revolta, não quer tomar os remédios, e muitas vezes nem entende muito bem o que está acontecendo. A criança muda sua rotina, com a internação, o que para ela é muito difícil. Existe todo um acompanhamento multidisciplinar para cuidar das suas necessidades.”

A especialista ressalta a importância do papel dos pais e familiares no processo de acompanhar uma criança com essa doença. “Peço sempre aos pais que conversem muito com os médicos, para que entendam realmente a situação de seu filho. São eles que vão ser os parceiros da criança, que não podem deixar de dar os remédios, de ser fiéis às consultas. Nesse momento é muito importante que a família se una para vencer a doença”. 

Elaine diz que o diagnóstico é normalmente encarado pela família como uma sentença de morte, mas que logo vem a vontade de vencer e de ver a criança bem. “O apoio que os pais dão a criança é mostrar que estão junto com ela. O amor supera qualquer coisa. Muitas vezes a gente olha e parece que a criança não percebe o que está acontecendo, mas eles vêem que ali está sendo travada uma batalha, e o que cada família espera é vencer.”

Testemunhos

Norma Lopes e seu neto, João Gabriel, em tratamento contra leucemia./ Foto: Arquivo Pessoal

Norma Lopes e seu neto, João Gabriel, em tratamento contra leucemia./ Foto: Arquivo Pessoal

A paranaense Norma Lopes sabe bem o que é isso. Seu neto João Gabriel descobriu a leucemia aos três anos de idade. Ela conta que o primeiro momento foi o mais difícil para o neto. 

“Nos primeiros dias de internação, João Gabriel não queria brincar, comer, falar, nada. Só queria deitar e dormir. Mas logo depois passou a reagir bem, não chorou mais para internar, toma os remédios e mesmo quando tem febre, e precisa ir com a ambulância para o hospital, ele obedece.”

Já a família sente mais, diz Norma, ao ver o sofrimento da criança. E também, pelos corredores do hospital, acabam conhecendo muitas histórias de crianças que não suportaram. “Em muitos momentos nós temos que nos policiar para não cobrar de Deus explicações.”

A carioca Rita de Cássia é mãe de João Pedro, diagnosticado aos cinco anos com neuroblastoma, um tipo de câncer  geralmente encontrado nas glândulas suprarrenais.. Ela conta que o filho sempre foi saudável, mas que começou a apresentar sintomas como manchas roxas no corpo, dores nas pernas e a ficar muito irritado e agressivo.

“Quando essas coisas começaram a acontecer, eu de início não percebi. Achava que as manchas eram por batidas, pois meu filho tem a pele muito clara. As dores nas pernas atribuía ao crescimento, e o temperamento, tanto eu como a escola suspeitávamos que havia mudado devido à chegada do irmão mais novo. Até o dia em que ele teve uma dor no ouvido, febre, e em uma consulta o pediatra, examinando, sentiu uma massa na suprarrenal. Era o tumor, que já estava grande. Hoje fico mais atenta, porque sei que o corpo fala.”

Rita de Cássia lembra que após vários exames, constatou-se o câncer. Seu filho foi operado em seguida, para retirada do tumor, e fez ao todo 38 sessões de quimioterapia. “No momento do diagnóstico, nosso mundo caiu. A gente olhava e não acreditava. Eu e meu marido ficamos desesperados, só vinha na nossa cabeça que a gente ia perder o nosso filho”. 

A mãe conta que, para o filho, a primeira internação foi a mais difícil, pois ele perdeu o contato com os amigos, perdeu sua rotina. Mas depois a reação foi outra. “Quando eu tive que contar para ele que ele ficaria careca, não sabia como ia fazer isso. Chorei muito. Achei na internet um testemunho de um homem que tinha passado pelo câncer, e que tinha fotos do tempo do tratamento. Mostrei a ele e esperei ele me perguntar, e então disse que ele perderia o cabelo, mas que voltaria a crescer. Para minha surpresa, meu filho, na maior naturalidade, riu e disse:… ‘Ah, então tá bom. Se vai nascer de novo não tem problema. Vamos voltar a ver o desenho…’”

A psicopedagoga explica que o tratamento do câncer infantil deve ser estendido a toda a família do paciente. A descoberta da doença é um momento estressante e até mesmo traumático, muito impactante, porque o câncer ainda é doença bastante estigmatizada.

“Não só a criança precisa de cuidados, mas também a família. Em uma doença séria como o câncer, a família adoece junto, temos que olhar para o que está em volta”, reforça Elaine.

Força em meio ao sofrimento

Rita de Cássia e o filho Joao Pedro, que teve neuroblastoma./ Foto: Arquivo Pessoal.

Rita de Cássia e o filho Joao Pedro, que teve neuroblastoma./ Foto: Arquivo Pessoal.

Rita de Cássia conta que ela e o esposo fizeram o trato de tentar não demonstrar tristeza para o filho.

“Nosso momento de choro era quando ele dormia a noite, aí sim é que a gente desabava. O momento mais difícil para mim foi uma noite em que a médica conversou com a gente e foi bem realista sobre a gravidade da doença do João. Naquela noite eu chorei e rezei a noite inteira, me senti muito impotente. Não tínhamos o que fazer, somente acreditar em Deus.”

Ela conta que a experiência entre as famílias dos pacientes também foi muito forte. 

“Nos meses de hospital eu aprendi que quando uma mãe de outro quarto chora, você chora junto, você sente exatamente a dor dela, porque entende a intensidade. Olhar a luta dos nossos filhos também nos fortalecia. Não tinha como fraquejar olhando para eles.”

Ajudando outras pessoas

João Gabriel, neto de Norma, está hoje na fase das quimioterapias, vivendo cada dia como uma vitória. Mas a família de Norma já não é a mesma. 

 “Tenho dito para minha família que o sofrimento do João Gabriel não pode ser em vão, que nós precisamos mudar interiormente. Precisamos estar atentos porque o Gabriel não pode sair dessa batalha e nós continuarmos a ser as mesmas pessoas. Hoje somos voluntários da Rede de Combate ao Câncer da nossa cidade, abraçamos a causa, porque muitas pessoas precisam ser ajudadas.”

Rita de Cássia conta que hoje João Pedro está curado, e faz exames semestrais para acompanhamento, mas que a experiência que ela fez também a modificou. 

“Essa experiência me ensinou muito, porque eu reclamava muito da vida, reclamava dizendo que minha vida era só trabalhar, correria, mas ali eu vi que eu era a pessoa mais feliz do mundo, e eu queria minha rotina de volta, meu filho bem de novo.”

Ela acrescenta que, nessa experiência, ela conheceu um mundo que não conhecia, sabia apenas o que passava na TV ou em redes sociais. Agora isso mudou. “Hoje fazemos outras campanhas, de doação de medula, de plaquetas… Já doei cabelo e agora estou deixando crescer para doar de novo. Fico feliz por poder dar um pouco mais de alegria para as crianças”. 

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