Exercícios Espirituais do Papa

João Paulo II deixa grandiosa herança espiritual, diz carmelita

Um círculo de santos e de anjos que estão de mãos dadas e estendem as mãos aos que ainda estão sobre a terra. É a imagem que melhor representa o sentido e o espírito dos exercícios espirituais quaresmais, que acontecem desde o dia 13 e seguem até 19 de março, na Capela Redemptoris Mater, no Vaticano, na presença do Papa Bento XVI e da Cúria Romana.

Todas as audiências do Pontífice para esta semana foram canceladas. Após quatro cardeais (2006-2009) e um padre salesiano (2010), desta vez é um carmelita descalço o responsável pelas pregações. Trata-se do secretário-prelado da Pontifícia Academia de Teologia, o carmelitano descalço François-Marie Léthel, que escolheu como tema "A luz de Cristo no coração da Igreja: João Paulo II e a teologia dos santos".

Nesta entrevista ao jornal oficial do Vaticano L'Osservatore Romano, o religioso fala sobre o conteúdo e o método dos exercícios e explica motivos que levaram à escolha do tema.

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L'Osservatore Romano: Estes exercícios giram em torno da beatificação de João Paulo II: como é desenvolvido o tema?

Padre François-Marie Léthel: Depois que o Papa me chamou para ministrar estes exercícios espirituais, recolhi-me em oração e me ficou clara a orientação a ser dada às meditações: uma preparação espiritual para a Beatificação de João Paulo II, que acontecerá em 1º de maio próximo, domingo da Oitava da Páscoa, festa da Divina Misericórdia, início do mês mariano e também festa de São José Operário. Estou convencido de que se trata de um acontecimento de imenso alcance para a Igreja e para o mundo, que requer uma profunda preparação espiritual de parte de todo o povo de Deus e, de modo exemplar, de parte do Santo Padre e dos seus mais próximos colaboradores. Ao mesmo tempo, tive claro também o tema – a luz de Cristo no coração da Igreja – e o subtítulo: João Paulo II e a teologia dos santos. Assim aconteceu também com a escolha dos santos como guias para esses dias. De fato, a beatificação é como a coroação de um extraordinário pontificado exatamente sob o signo da santidade. Para desenvolver o tema, escolhi um ícone da comunhão dos santos: uma pintura do beato frei Angélico que representa os santos e os anjos no céu que se dão as mãos e fazem uma espécie de círculo. Os santos se dão e nos dão a mão para guiar-nos no caminho da santidade. Esse é o sentido da conversão quaresmal: comprometer-nos a também nós entrarmos mais neste "círculo dos santos". Um círculo guiado pelo Papa Wojtyla, que dá a mão aos dois santos mais próximos a ele: São Luís Maria de Montfort, que inspirou o seu Totus tuus, e Santa Teresa de Lisieux, a única santa proclamada doutora da Igreja durante o seu Pontificado.

LOR: O que se entende por teologia dos santos?

Padre Léthel: É essa grande consciência do Mistério de Cristo de que São Paulo fala na sua Carta aos Efésios, quando pede "de joelhos" ao Pai a abundância do dom do Espírito Santo para os fiéis, a fim de que, mediante a fé e o amor, possam "com todos os santos conhecer o amor de Cristo que supera todo o conhecimento". Na sua linguagem, "os santos" são os fiéis, os batizados, de certo modo nós todos, se vivemos verdadeiramente da fé, esperança e caridade. Assim, São Luís Maria de Montfort fala da "grande ciência dos santos" e, do mesmo modo, o faz Santa Teresa de Lisieux na sua Autobiografia. Sobre esse ponto, também João Paulo II deu-nos o exemplo. Era, antes de tudo, o homem da oração profunda, era um místico. A oração animava e penetrava toda a sua reflexão teológica, filosófica, poética. Na Igreja do Ocidente, com o nascimento da universidade no medievo, surgiu o risco de reduzir a teologia à somente sua forma intelectual, acadêmica, e isso é um grande empobrecimento. Depois do Concílio Vaticano II, em 1970, Paulo VI deu um passo decisivo quando declarou doutoras da Igreja a duas mulheres, duas santas que não tinham estudado na universidade: Teresa d'Ávila e Catarina de Sena. Receberam o mesmo título dos santos que eram grandes intelectuais, como Anselmo, Tomás e Boaventura. Assim, enquanto na encíclica Fides et ratio fez referência a esses grandes representantes da "grande razão", João Paulo II indicou na Novo millennio ineunte o exemplo de Catarina de Sena e Teresa de Lisieux como representantes da "teologia vivida dos santos".

LOR: Quais são os aspectos mais significativos da herança espiritual de João Paulo II?

Padre Léthel: É uma herança imensa, que diz respeito a todos os aspectos do mistério de Deus e do homem em Cristo. Para mim, está toda concentrada na sua grandiosa espiritualidade cristocêntrica e mariana. Devemos sobretudo reler as suas encíclicas Redemptor hominis, Dives in misericordia, Dominum et vivificantem e Redemptoris Mater. A afirmação fundamental está concentrada nas primeiras palavras da Redemptor hominis: "O Redentor do homem, Jesus Cristo, é o centro do cosmos e da história", com o grande lema da Gaudium et spes: "Cristo uniu-se a todo o homem".

LOR: Alternaram-se pastores e estudiosos de várias disciplinas como pregadores dos exercícios ao Papa. Agora toca a um teólogo como o senhor, pertencente a uma ordem mendicante. Crê que essa sua formação tenha influenciado a escolha do Pontífice?

Padre Léthel: Pertenço ao Carmelo, ordem mendicante nascida no medievo, quase ao mesmo tempo daquelas de São Francisco e São Domingos. Temos uma longa história, uma grande tradição teológica e espiritual, especialmente na nossa ordem dos carmelitanos descalços, reformado por Santa Teresa de Jesus. Tenho profunda consciência de cumprir essa missão de pregação para o Papa não de maneira individual, mas como representante da minha família religiosa do Carmelo, e, de modo particular, da minha comunidade acadêmica do Teresianum, que é a Pontifícia Faculdade Teológica dos carmelitanos em Roma. Trabalhamos muito pela Igreja e pelo Papa, e não somente através do ensino teológico.

LOR: João Paulo II tinha uma inata simpatia pela Ordem do Carmelo. A São João da Cruz dedicou também a mesma admiração. Qual aspecto do magistério o senhor acredita que tenha sido influenciado pela espiritualidade desse santo?

Padre Léthel: Creio que o influxo mais profundo foi sobre a sua própria vida espiritual. Sabemos que recebeu as obras de São João da Cruz juntamente ao Tratado da verdadeira devoção a Maria, de Luís Maria Grignion de Montfort, em 1940, de um santo leigo, Jan Tyranowski. Era um período decisivo da sua vida, durante a ocupação nazista na Polônia, quando devia trabalhar como operário para evitar a deportação à Alemanha. Foi o momento da escolha decisiva da vocação sacerdotal. São João da Cruz abriu ao jovem Karol os horizontes da oração profunda: fez dele um autêntico místico, isto é, um homem que vive a fé, a esperança e a caridade em um nível sempre mais intenso, sempre mais profundo. Com São João da Cruz, pôde também aprofundar a grande temática do amor esponsal e cultivar a poesia como expressão privilegiada do mistério.

LOR: Além de São João da Cruz, o senhor também falará de São Luís Maria de Montfort, Santa Teresa de Lisieux e Santa Joana d'Arc. Que influxo tiveram sobre João Paulo II?

Padre Léthel: Diria que Luís Maria Grignion de Montfort é o santo que exerceu o influxo mais profundo sobre a sua vida, com a sua doutrina cristocêntrica e mariana sintetizada na obra prima do Tratado. Desde os 20 anos até sua morte, teve sempre presente esse livro. Na graça da sua beatificação, João Paulo II convida-nos a redescobrir essa obra essencial para todo o povo de Deus, no seu modo de transforma a devoção mariana em um caminho privilegiado de santidade: não mais uma devoção entre outras, mas a própria vida batismal de fé, esperança e caridade vivida com Maria e em Maria, "para encontrar Jesus perfeitamente, amá-lo ternamente e servi-lo fielmente".

LOR: Nas suas meditações, podem ser encontradas referências a temas da atualidade?

Padre Léthel: Certamente, os santos sempre dizem respeito às realidades essenciais da vida cristã e da condição humana. O grande tema é como viver a santidade no mundo de hoje, nos diversos contextos. Padroeira das missões, Teresa di Lisieux tem muito a dizer sobre o tema da nova evangelização. A escolha de Catarina de Sena e de Joana d'Arc para esses exercícios está, de certo modo, mais ligada a Bento XVI, que dedicou duas importantes catequeses a essas santas do fim do medievo, como exemplos de "mulheres fortes" em um contexto de grandes sofrimentos e crises da Igreja e da sociedade. Com esses santos, a luz de cristo vem encontrar as trevas do pecado que se encontram também no interior da Igreja mesma, para purificá-la, para reformá-la. E isso é evidentemente de grande atualidade.

LOR: Qual é, segundo o senhor, o papel do teólogo na Igreja e na sociedade moderna?

Padre Léthel: Deve ser um testemunho autêntico da luz de Cristo. Hoje, pode ser um homem ou uma mulher, um leigo ou um sacerdote, uma pessoa casada ou consagrada. Mas deve ser alguém pessoalmente comprometido no caminho da santidade, isto é, uma pessoa humildade, em um caminho de conversão permanente ao Evangelho. Nas perspectivas de João Paulo II e de Bento XVI, deve ser uma pessoa que, na luz de Cristo, é testemunho da "grande razão" e do "grande amor", em um contínuo diálogo com o Senhor, na escuta e no estudo da sua Palavra, e em diálogo com a humanidade de hoje.

 

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