Grupo extremista aterroriza regiões do Oriente Médio com perseguições e decapitações; objetivo é restabelecer o grande Império Islâmico da antiguidade
Jéssica Marçal
Da Redação
Cristãos e outras minorias no Oriente Médio têm sofrido com a ação dos jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico (EI). Principalmente, desde junho de 2014, quando o grupo tomou a cidade de Tikrit, no Iraque, a onda de terror só cresce devido às práticas violentas dos jihadistas, que incluem, por exemplo, decapitações, sequestros e estupros.
Padre Samir Khalil, especialista em islamismo, explica que o escopo primário do Estado Islâmico é político. O grupo quer recriar o famoso califado da história islâmica, que imperou de 750 a 1258, ou seja, restabelecer um Império Islâmico que reúna todos os muçulmanos. Para que o objetivo seja atingido, tudo é permitido, até mesmo as barbáries em curso atualmente.
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A guerra é declarada, portanto, primeiramente contra os que não são muçulmanos autênticos, como os xiitas e alauitas. Por isso, veem-se os ataques à Síria, onde o governo é alauita; e ao Iraque, onde o atual governo é xiita. Os não muçulmanos, como os yazidis e os cristãos, também devem se submeter ao EI mediante o pagamento de taxas ou a conversão ao islamismo; do contrário, são expulsos ou até mesmo mortos.
Origem do Estado Islâmico e financiamento
Padre Samir explica que o grupo, tal como se apresenta hoje, é recente, tem apenas dois anos; mas a problemática remonta ao século XX, quando, em 1928, tiveram início as tentativas de islamizar de novo os muçulmanos, já que estes estavam adotando a mentalidade cristã do Ocidente. Foi criado, então, o movimento dos Irmãos Muçulmanos, que tinha como escopo reintroduzir as normas islâmicas na vida política, primeiro do Egito, mas também de todo o Oriente Médio.
“Na realidade, lutam, daquele ano 1928, contra todos os regimes – socialistas, comunistas, liberais e militares –, para instaurar aquele sistema islâmico”.
ASSISTA: Análise sobre o crescimento do EI no Oriente Médio
As primeiras tentativas, porém, não tiveram êxito. No Egito, até pareceu que eles tinham tomado o poder com o presidente Mohamed Morsi, mas esse governo durou apenas um ano. Na Síria, encontraram oposição com o controle alauita.
Agora, em ação, este grupo que é salafita, quer refazer este projeto do grande império islâmico como era no início. Padre Samir explica que “salafita” significa o retorno às práticas da primeira geração islâmica do sétimo século.
As práticas para conseguir um retorno permitem de tudo: reintroduzir a escravidão, a submissão das mulheres, a eliminação de todos aqueles que não são, segundo eles, autênticos muçulmanos, e matar com método selvagem os inimigos.
“Querem reproduzir o modelo do sétimo século para causar medo, para mostrar a determinação deles e a sua força; e um pouco por ideal, porque pensam que era a melhor civilização possível, aquela do início do Islã”.
O financiamento desse grupo, segundo padre Samir, vem dos estados árabes. Pensa-se que, provavelmente, estão por trás o Catar e a Arábia Saudita, estados que produzem petróleo e têm milhares de dólares. É deles que viria o apoio, mesmo que não se diga abertamente.
Preocupação para o Ocidente?
Embora, hoje, seja atuante no Oriente Médio, o projeto do Estado Islâmico certamente inclui o Ocidente, conta padre Samir. Porém, o sacerdote explica que o grupo cumpre passo por passo, de forma que não poderia confrontar-se com o ocidente de imediato. “Procuram, como primeiro passo, conquistar o mundo islâmico, o Médio Oriente, começando, como colocaram no programa, com a Síria e Iraque”.
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Para fazer isso, atacam os xiitas, yazidis e cristãos para ter o apoio dos sunitas, que são a maioria dos muçulmanos em cada país. “Se conseguem conquistar parte desses países, como já o fizeram ocupando uma parte do Iraque e uma parte da Síria – esperamos que não –, se estenderão para o Líbano, a Jordânia etc.”
O grupo já encontrou simpatizantes na África, mais precisamente na Líbia, por exemplo. O modelo do Estado Islâmico reforçou o que existe na Nigéria com o Boko Haram, que significa dizer que a cultura ocidental dos livros – “boko” é pecado – “haram”. “Lutam claramente contra o ocidente, começando a lutar contra a cultura ocidental que se encontra na Nigéria. Por isso, impedem os jovens, sobretudo as moças, de ir à escola; se querem estudar, devem estudar o Corão, a tradição islâmica etc”.
Recrutamento de jovens ocidentais
Uma das realidades que preocupam é o fato de o Estado Islâmico recrutar jovens, inclusive de países ocidentais. Especialistas apontam que o fluxo maior é pela internet, já que é muito difícil controlar as informações nesse meio.
Há dezenas de sites que explicam a visão radical do califado e do projeto da sociedade islâmica. São informações em várias línguas do ocidente. Segundo padre Samir, os extremistas encontram jovens, na maioria muçulmanos, que estão desiludidos, não tiveram sucesso onde se encontram, têm dificuldades de integração à cultura ocidental do país onde vivem ou, simplesmente, porque estão desorientados, sem ajuda da família e da sociedade civil. “São atraídos por esse ideal que diz ‘nós venceremos’, e eles veem que vencem”.
Parar o Estado Islâmico
Diante desse cenário da atuação violenta do grupo extremista, a pergunta que não quer calar é “como parar o Estado Islâmico?”. Padre Samir acredita que a guerra militar é algo difícil, pois não se pode fazer um bombardeio tendo em vista que existe uma população local.
“Eles se misturam com a multidão. Onde há 10 militantes do Estado Islâmico há centenas de pessoas da população. Um bombardeio seria catastrófico também para a população”.
O sacerdote menciona a necessidade de distinguir o aspecto político do aspecto religioso. “No religioso, cada um é livre, pertence a Deus. O político pertence à nação, é a minha relação com todos os outros cidadãos”. O sacerdote também destaca a necessidade de ajudar os muçulmanos a serem cidadãos nos países onde residem.