Entrevista

Zamagni: na Cop26 um fundo para apoiar a transição verde

Presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais falou sobre a iniciativa da Cop26 e abordou Laudato Si’

Da redação, com Vatican News

mudanças climáticas

Presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais falou sobre a iniciativa da Cop26 e abordou Laudato Si’/ Imagem de marcinjozwiak por Pixabay

Passar das palavras aos fatos. O Papa Francisco já fez este apelo muitas vezes quando falou das mudanças climáticas e suas consequências para a vida dos mais vulneráveis. Um apelo que ecoou, nesta segunda-feira, 4, no encontro importante no Vaticano que reuniu líderes religiosos, estudiosos e jovens comprometidos com a defesa da criação. 

“Fé e Ciência. Rumo à Cop 26”, produziu um apelo destinado ao presidente da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas a ser realizada, em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro.

Um apelo exige um compromisso por parte das nações e dos governos para inverter a rota, porque o tempo está se esgotando e para que não se entre um mundo doente às novas gerações. O professor Stefano Zamagni, economista e presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, tomou a palavra durante a iniciativa.

Professor Zamagni, que balanço o senhor faz deste encontro?

Eu diria que reunir na Sala das Bênçãos representantes de todas as principais religiões mundiais – eram 35 – e cientistas, assim como representantes de associações, especialmente associações juvenis, não é algo que acontece com muita frequência. A iniciativa produziu um documento no qual foi reconhecido que a situação se tornou incontrolável, à beira do abismo, e que era necessário começar a passar do “factum” ao “faciendum”. Até agora, muita atenção tem sido dedicada a representar o fenômeno da degradação ambiental em todas as suas diversas manifestações, e isto era necessário, mas agora devemos passar a fazer algo diferente, porque o risco de cair numa espiral retórica é bastante alto.

As coisas que precisam ser feitas são possíveis, ao nosso alcance, e são aquelas que todos já conhecem, mas sobre as quais ainda não há acordo unânime, pois a “transição verde”, a descarbonização, a redução da temperatura, coloca problemas que são tecnicamente chamados de “transversais”. É inevitável que, durante esta transição, alguns grupos sociais percam, e muito, e outros ganhem. Então, aqueles que perderão, se não forem compensados de alguma forma, formarão coalizões no nível político que bloquearão o processo de início da transição. Apresentei a proposta de criação de um fundo internacional cuja função seria receber contribuições daqueles que se beneficiam da transição verde e depois transferi-las para aqueles que serão prejudicados de alguma forma. Se não tivermos coragem de fazer estas coisas, não haverá nada a fazer, porque hoje países como China, Austrália, Índia e África do Sul dizem que, sem ajuda específica, não se considerarão comprometidas nesta luta implacável contra a degradação ambiental.

Outra implicação diz respeito ao aspecto cultural, o que significa que estas coisas devem ser explicadas às crianças desde a escola primária. O nosso estilo de vida ainda é o mesmo das últimas décadas, quando não falávamos sobre o problema do ambiente. Por isso, não basta pensar apenas no âmbito institucional, mas também devemos chegar a um nível individual. Por fim, a terceira linha de ação diz respeito ao sistema financeiro internacional, porque não podemos continuar com um sistema financeiro que vaza de todos os lados. Pensemos, por exemplo, nos paraísos fiscais, que 35 anos atrás não existiam. Então, eu me pergunto: um ato de vontade política não acaba com essa sujeira?

Professor, o senhor disse que é preciso mudar de rumo, como defende o Papa Francisco, também em relação à educação e ao estilo de vida. No apelo, há também uma referência muito forte aos líderes religiosos e seu compromisso com a ação climática. Isso significa que houve falhas no passado?

Eu não diria falhas, mas desatenção, o que significa que não foi dada muita atenção à “dualidade”, como é chamada, entre as questões ecológicas e as questões sociais. Pensava-se que as duas questões fossem separadas e assim, no passado, a fim de tomar medidas para resolver a questão social, não foi dada nenhuma atenção à questão ambiental. Vou dar um exemplo banal, mas que aconteceu: se estou num país onde há muito desemprego e chegam empresas multinacionais para perfurar o solo, cavar túneis para procurar matérias-primas e emprega milhares de pessoas para fazer isso. Se sou o patrão tendo a fechar os olhos, porque considero o problema social mais grave, enquanto pensaremos em consertar as coisas mais tarde no campo ecológico e ambiental.

Não era um desejo perverso, era que não se entendia que fazendo isso se conseguia o pior de todos os resultados porque se destruía o ambiente e também a dimensão econômica e social, porque se o meio ambiente não aguenta, não há empregos ou fábricas que possam proporcionar emprego decente para todos. Gostaria de sublinhar aqui o grande mérito do Papa Francisco e a consideração que os líderes das várias religiões demonstraram em relação a ele. Todos reconheceram que a Laudato Si’ de 2015 é um autêntico raio de luz capaz de iluminar uma sala que até então estava escura.

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