“Os novos beatos sofreram e sacrificaram a sua vida, opondo-se a um sistema ideológico iliberal e coercivo dos direitos fundamentais da pessoa humana”, sublinhou Francisco
Da redação, com Vatican News
O Papa Francisco deixou Bucareste, na manhã deste domingo, 2, último dia de sua visita à Romênia, em direção a Sibiu. Ao chegar a Sibiu, embarcou num helicóptero e foi a Blaj, onde beatificou sete bispos greco-católicos mártires romenos, durante a Divina Liturgia, celebrada no Campo da Liberdade.
Os sete bispos greco-católicos mártires beatificados são: Vasile Aftenie (1899-1950), bispo titular de Ulpiana e bispo auxiliar da Arquieparquia de Alba Iulia e Făgăraș; Valeriu Traian Frenţiu (1875-1952), bispo de Oradea; Ioan Suciu (1907-1953), administrador apostólico da Arquieparquia de Alba Iulia e Făgăraș; Tit Liviu Chinezu (1904-1955) bispo auxiliar da Arquieparquia de Alba Iulia e Făgăraș; Ioan Bălan (1880-1959), bispo de Lugoj; Alexandru Rosu (1884-1963), bispo de Maramureș; e Iuliu Hossu (1885-1970), bispo de Cluj Gherla.
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“O cego de nascença” foi a passagem extraída do Evangelho de São João, que norteou a homilia do Papa Francisco. “Jesus, como os seus discípulos, vê o cego de nascença, é capaz de o reconhecer e colocá-lo no centro. Depois de ter declarado que a sua cegueira não era fruto do pecado, mistura o pó da terra com a sua saliva e, com a lama feita, unge os seus olhos; depois ordena-lhe que vá lavar-se na piscina de Siloé. Depois de se ter lavado, o cego recupera a vista”, recordou o Pontífice.
Francisco afirma ser interessante notar que o milagre é narrado apenas em dois versículos, já que todos os outros concentram-se, não sobre o cego curado, mas sobre as discussões que levanta. “Parece que a sua vida e especialmente a sua cura se tornam banais, jocosas ou motivos de debate bem como de enfado e irritação”, constata o Santo Padre.
“Toda a cena e as discussões revelam como é difícil entender as ações e as prioridades de Jesus, capaz de trazer para o centro aquele que estava na periferia. O cego tinha de conviver não apenas com a sua própria cegueira, mas também com a daqueles que o rodeavam”, frisou o Papa, que acrescentou: “É o que fazem as resistências e hostilidades que surgem no coração humano, quando no centro, em vez das pessoas, se colocam interesses particulares, rótulos, teorias, abstrações e ideologias, que, onde campeiam, nada mais fazem senão cegar tudo e a todos”.
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O Pontífice sublinha que a lógica do Senhor é diferente: “Longe de se esconder na inatividade ou na abstração ideológica, procura a pessoa com o seu rosto, com as suas feridas e a sua história. Vai ao encontro dela, e não Se deixa enganar por discursos que são incapazes de dar a prioridade e pôr no centro aquilo que realmente é importante”. O Papa prosseguiu fazendo uma referência à Romênia: “estas terras conhecem bem o sofrimento do povo, quando o peso da ideologia ou dum regime é mais forte do que a vida e se antepõe como norma à própria vida e à fé das pessoas; quando a capacidade de decisão, a liberdade e o espaço para a criatividade se veem reduzidos e até eliminados”.
“Vocês suportaram os discursos e as intervenções baseadas no descrédito que chegavam à expulsão e aniquilação de quem não se pode defender, e silenciavam as vozes dissonantes”, disse ainda Francisco. Sobre os sete bispos greco-católicos proclamados beatos, o Santo Padre pediu a seguinte reflexão: “Perante a feroz opressão do regime, demonstraram uma fé e um amor exemplares pelo seu povo. Com grande coragem e fortaleza interior, aceitaram ser sujeitos a dura prisão e a todo o tipo de maus-tratos, para não renegar a pertença à sua amada Igreja. Estes pastores, mártires da fé, recuperaram e deixaram ao povo romeno uma herança preciosa que podemos resumir em duas palavras: liberdade e misericórdia”.
A propósito da liberdade, o Papa destacou o fato de a Divina Liturgia ser celebrada no Campo da Liberdade. “Este significativo lugar recorda a unidade de seu povo que se realizou na diversidade das suas expressões religiosas: isto constitui um patrimônio espiritual que enriquece e caracteriza a cultura e a identidade nacionais romenas. Os novos beatos sofreram e sacrificaram a sua vida, opondo-se a um sistema ideológico iliberal e coercivo dos direitos fundamentais da pessoa humana. Naquele triste período, a vida da comunidade católica foi colocada a dura prova pelo regime ditatorial e ateu: todos os bispos e muitos fiéis da Igreja Greco-Católica e da Igreja Católica de Rito Latino foram perseguidos e encarcerados”, recordou.
Francisco prosseguiu: “Neles, a tenacidade em professar a sua fidelidade a Cristo foi acompanhada por uma disposição ao martírio sem palavras de ódio contra os perseguidores, em relação aos quais demonstraram uma substancial mansidão. É eloquente o que declarou durante a sua prisão o Bispo Dom Iuliu Hossu: ‘Deus mandou-nos para estas trevas do sofrimento, a fim de perdoar e rezar pela conversão de todos’”.
As palavras de Dom Iuliu Hossu são, segundo o Santo Padre, o símbolo e a síntese da atitude com que os beatos, no período da provação, sustentaram o seu povo para continuar confessando a fé sem cedências nem retaliações. A atitude de misericórdia dos beatos para com os verdugos é, para o Papa, uma mensagem profética, porque aparece hoje como um convite a todos a superarem o rancor com a caridade e o perdão, vivendo com coerência e coragem a fé cristã.
Luta contra as novas ideologias
De acordo com o Pontífice, voltaram a surgir novas ideologias que procuram, de maneira sutil, impor-se e desenraizar o povo das suas mais ricas tradições culturais e religiosas. Francisco aponta que estas novas ideologias são colonizações que desprezam o valor da pessoa, da vida, do matrimônio e da família e que, com propostas alienantes e não menos ateias do que no passado, lesam de modo particular os jovens e crianças deixando-os privados de raízes que lhes permitam crescer. “E então tudo se torna irrelevante, se não servir os próprios interesses imediatos, e induz as pessoas a aproveitarem-se umas das outras e a tratá-las como meros objetos. São vozes que, semeando medo e divisão, procuram cancelar e sepultar a herança mais preciosa que estas terras viram nascer”, explicou.
O Papa incentivou os romenos a levarem a luz do Evangelho às pessoas e a continuarem lutando, como os bispos beatos mártires, contra as novas ideologias que vão surgindo. “Que vocês sejam testemunhas de liberdade e misericórdia, fazendo prevalecer a fraternidade e o diálogo sobre as divisões, incrementando a fraternidade do sangue que tem a sua origem no período de sofrimento em que os cristãos, divididos ao longo da história, se descobriram mais próximos e solidários”, concluiu.
Liturgia
O cálice e o evangeliário da missa presidida pelo Papa são os mesmos utilizados por um dos mártires, o bispo Traian Frentiu, o mais idoso no momento da prisão dos bispos greco-católicos romenos. A cadeira litúrgica da celebração é feita de tábuas de madeira dos leitos das prisões e com as barras de ferro das janelas das prisões onde morreram os novos beatos.
História
Desde a noite dos dias 28 e 29 de novembro de 1948, quando todos os bispos greco-católicos foram presos, até 25 de dezembro de 1989, fim do regime comunista, a única Divina Liturgia em romeno para os fiéis era a transmitida pela Rádio Vaticano.
Outros dados
Na Divina Liturgia em Blaj, presidida pelo Papa Francisco, estavam presentes – segundo os organizadores locais – cerca de 100.000 pessoas. Entre as autoridades presentes: o presidente Klaus Iohannis, a primeira-ministro Viorica Dancila com alguns membros do governo e o prefeito de Blaj. Além dos fiéis reunidos no Campo da Liberdade de Blaj, outras 20.000 pessoas seguiram a Divina Liturgia em telões em algumas das praças de Blaj.