Médico lembra a alta transmissão e mutação do Sars-CoV-2; país está próximo de completar um ano da notificação do primeiro caso da covid-19
Julia Beck
Da redação
Está próximo de completar um ano da notificação do primeiro caso da covid-19 no Brasil. De lá para cá, algumas constatações puderam ser feitas pelos profissionais da saúde com relação aos sintomas, contágios e formas de prevenção. O médico Martim Elviro de Medeiros Junior, que é professor da Faculdade Santa Marcelina (SP) e da Unifip (PB) e responsável pelo Programa Global Health da Universidade de Toronto no Brasil, destaca alguma delas:
“O que sabemos até o momento é que grande parte das pessoas que são infectadas pela covid-19 são assintomáticas ou oligossintomáticas, ou seja, não possuem sintomas ou sentem leves sintomas como febre, tosse, dor muscular, fraqueza, anosmia, disgeusia. Então, a maioria das pessoas têm sintomas muito leves ou nem tem sintomas”.
No entanto, o médico, que também é teleconsultor da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, esclarece que uma parte da população, infelizmente, desenvolve a forma grave da doença, chamada de síndrome respiratória aguda grave (SRAG). “Essa SRAG vai caracterizar em torno de 5% dos casos. Nessa condição, o paciente tem falta de ar intensa, ao fazer oximetria apresenta uma saturação abaixo de 95%, além de ficar com a frequência respiratória acima de 30″. O médico ressalva que uma frequência respiratória acima de 24 já é grave em adultos e idosos.
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Martim explica que os fatores avaliados para definir se um paciente tem um risco maior de ter um SRAG é a dispneia, o índice de saturação oximetria abaixo de 95%, a pressão baixa – abaixo de 90 X 60 mmHg é fator de risco – e a piora de doenças que a pessoa já tinha, como diabetes, insuficiência cardíaca, crise de asma, além do quadro de dificuldade intensa de respirar.
Alta transmissão e mutação
O Sars-CoV-2, vírus causador da covid-19, é muito transmissível e vem sofrendo mutação, recorda Martim. O médico sublinha que a transmissão se dá principalmente por contato direto entre as pessoas.
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“Fisiologicamente, a transmissão ocorre por uma proteína chamada Proteína Spike que fica na cápsula externa do vírus e se liga a um receptor que tem em todo corpo, o receptor de angiotensina II, que está presente nos pulmões, no sistema neurológico, na bexiga, no coração e em outros órgãos”, revela Martim.
O vírus pode contaminar não só o pulmão, mas todo o corpo, conta o médico. “É como se a proteína fosse uma chave e o receptor uma fechadura”.
Importância de manter os protocolos
A necessidade de seguir os protocolos de isolamento social e uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) é justamente para diminuir a transmissão do vírus, aponta Martim.
“Se mantivermos o isolamento, se evitarmos aglomerações, mantivermos a distância, usarmos máscara, higienizarmos as mãos e tomarmos medidas básicas será possível diminuir e muito a chance de transmissão”, reforça o médico. Não entrar de sapatos em casa, lavar as roupas assim que usadas, também são medidas indicadas pelo profissional como eficazes.
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A vacina e os próximos passos após o início da vacinação
A vacinação, que já começou em vários países, é apontada pelo médico como a medida que, a médio prazo, vai diminuir a transmissão. No Brasil, na última semana, a Anvisa recebeu o pedido para o uso emergencial de duas vacinas: CoronaVac e Oxford. Para ambos os casos, a Anvisa estimou que a análise deveria levar até 10 dias.
“Quando imunizamos as pessoas, independente do tipo de vacina, conferimos imunidade”, frisa. A vacina, explica Martim, impede que a pessoa, por um tempo ou para sempre (dependendo da vacina), tenha anticorpos contra o vírus.
“Quando o vírus entra no corpo, os anticorpos o neutralizam, impedindo que ele não penetre dentro da célula. O vírus no corpo não faz mal, o que faz mal é ele penetrar dentro da célula. O anticorpo da vacina impede que ele penetre, ele trabalha para que o vírus não possa infectar a célula”, destaca o profissional de saúde.
Sobre a eficácia das vacinas, Martim comenta que não é preciso que seja 100% para ter eficiência. “Temos uma vacina contra influenza que salva milhões de vidas e não é 100%, contra tuberculose também não é 100%. A maioria das vacinas não tem eficácia próxima de 100%, mas conferem uma imunidade muito importante de 50%, 60%, 70%, o que impede que o vírus circule”.
O médico afirma que as vacinas, no entanto, não impedem completamente a doença, mas as suas formas graves. “A vacina BCG, que é para tuberculose, impede as formas graves da doença, então conseguimos salvar milhões de vidas. É muito importante tomar a vacina”.
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Os anticorpos produzidos pelo imunizante atuam fundamentalmente na glicoproteína S, que é a chave que permite que o vírus entre na célula. “O anticorpo obstrui a atuação desta ‘chave’, fazendo com que o vírus perca a capacidade de penetrar dentro da célula”.
Mesmo após a vacinação, o profissional de saúde alerta para o fato de a imunidade levar um tempo para acontecer. “Se começarmos a vacinação agora, final de janeiro, começo de fevereiro, só vai cair a mortalidade para maio, junho, na melhor das hipóteses, abril. Leva tempo para imunizar todo mundo e ter uma imunidade coletiva”.
Por isso, o médico explica que, mesmo depois da vacina, os protocolos deverão ser mantidos. “Não sabemos quanto tempo essa vacina irá conferir imunidade. A vacina da gripe, por exemplo, confere imunidade por 10 meses, por isso é tomada anualmente. E o vírus sofre mutação, então mesmo quem tomar a vacina, durante um tempo deverá permanecer usando máscara, mantendo isolamento, pois sabemos muito pouco ainda sobre o vírus”.
Essas regras devem permanecer por um tempo razoável, mesmo depois que todos forem vacinados. Será mais seguro para todos, concluiu Martim.