Entrevista

Padre elenca possíveis causas da perseguição religiosa

Doutor em Teologia Moral, padre Mario Marcelo identifica como principais causas a intolerância e o fundamentalismo

Jéssica Marçal
Da Redação

Igrejas e locais de culto destruídos; cristãos são perseguidos em várias partes do mundo por causa de sua fé / Foto: Arquivo - AIS

Igrejas e locais de culto destruídos; cristãos são perseguidos em várias partes do mundo por causa de sua fé / Foto: Arquivo – AIS

Pessoas sequestradas, expulsas, humilhadas e até mesmo mortas por causa de sua fé. A perseguição por causa da religião é uma realidade que voltou a ganhar espaço no noticiário nos últimos tempos, mais precisamente desde que o auto-denominado Estado Islâmico começou uma invasão em Mossul, no Iraque, em junho de 2014.

Além do Estado Islâmico, mais três grupos radicais islâmicos estão entre os principais agentes dessa perseguição: Al Qaeda, Boko Haram e Al Shabab. Em comum a todos eles a violência para estabelecer soberania. Mas de forma geral, qual a razão dessa perseguição?

Em entrevista ao noticias.cancaonova.com, o doutor em Teologia Moral, padre Mário Marcelo Coelho, elenca duas possíveis causas: a intolerância e o fundamentalismo. A maior parte das ocorrências está no Oriente Médio, atingindo não só cristãos, mas demais minorias étnicas e religiosas, como os yazidis, minoria religiosa no Iraque.

O sacerdote também comenta na entrevista o que esses grupos buscam, o papel da comunidade internacional frente a essa situação e os primeiros passos a serem dados para que o quadro de violência possa ser revertido. Leia na íntegra:

noticias.cancaonova.com – Quais são as causas da perseguição aos cristãos e demais minorias?

Padre Mário – Eu poderia estabelecer duas causas hoje da perseguição aos cristãos. Claro, em primeiro lugar nós devemos entender que a perseguição aos cristãos vem de grupos radicais, não são todos de uma determinada religião que concebem essa perseguição. Mas para a perseguição, duas são as causa: uma é a intolerância religiosa, a falta dessa capacidade de perceber também o diferente, de acolher quem pensa diferente de nós mesmo em se tratando de questões de fé, mesmo em se tratando de religião. Essa intolerância com o diferente, então isso é consequência da segunda causa, que é um certo fundamentalismo. Quem vive na sua religião, com fundamentalismo, achando que só a sua religião tem a verdade, uma verdade de uma forma radical, não é capaz de perceber que também nas outras religiões há essa verdade. Então tem alguns grupos radicais que vivem esse fundamentalismo e essa intolerância religiosa e por isso acreditam que a sua religião vai predominar, destruindo ou perseguindo as outras religiões. Eu vejo que essas são as duas maiores causas da perseguição aos cristãos no mundo de hoje, por não aceitar os nossos princípios, os nossos valores e também a nossa fé.

Padre Mário Marcelo comenta sobre perseguição religiosa, em especial aos cristãos / Foto: Arquivo

Padre Mário Marcelo comenta sobre perseguição religiosa, em especial aos cristãos / Foto: Arquivo

noticias.cancaonova.com – Então, não se trataria apenas de uma perseguição religiosa, são valores e princípios que se deseja impor, não só no âmbito da religião?

Padre Mário – Sim, são valores e princípios, porque eu acredito que essa perseguição não vem somente de uma questão de defender a sua fé. Existem algumas outras ideologias, talvez de poder, nós podemos ver que estão buscando poder, estão buscando uma dominação, uma imposição sobre a sociedade. Às vezes escondida, até mesmo, atrás de um deus, de uma imagem falsa de deus que eles têm, eles também usam disso para impor as suas ideias ou estabelecer poder que eles querem para eles.

noticias.cancaonova.com – Por que verificamos essa perseguição em especial no Oriente Médio?

Padre Mário – Eu acredito que é porque lá estão mais presente alguns grupos radicais, por isso que nós percebemos hoje essa perseguição maior, a presença de grupos radicais em determinadas regiões do mundo que levam a essa perseguição. Repito, não é tanto de uma religião, mas são de grupos radicais dentro de uma própria religião que perseguem. O fato deles estarem instalados em certas regiões do mundo, por isso que elas (as perseguições) estão mais presentes, mais fortes, em determinadas regiões do mundo. Se eles (os grupos) estivessem presente em outras regiões essa perseguição aconteceria da mesma forma.

noticias.cancaonova.com – Podemos dizer que essa perseguição não é só contra os cristãos, mas também contra outros grupos e minorias?

Padre Mário – Sim, porque quando eu quero estabelecer, quando eu acredito que a minha verdade, ela é a que predomina, só ela é importante, eu começo a perseguir todos aqueles grupos que são diferentes ou todas aquelas pessoas que pensam diferente de mim; não sou capaz de perceber que outros grupos podem pensar e que têm verdades também outros grupos. Então essa perseguição não se dá somente aos cristãos, ela também se dá a vários grupos, a várias minorias, mas também, tudo isso, buscando o poder, uma dominação sobre esses grupos.

noticias.cancaonova.com – O que muita gente tem se perguntado é como será possível reverter esse quadro de perseguição que estamos vivendo, em especial nessas regiões do Médio Oriente. Quais são os primeiros passos necessários?

Padre Mário – Claro, nós poderíamos fazer um primeiro passo, mais longo, que nós vamos gastar mais energia, seria o diálogo, uma conversa, uma abertura, uma tomada de consciência desses valores e da forma de vivermos em comunhão. Pregamos, anunciamos e acreditamos nisso, a gente vê a todo momento Jesus também pedindo essa questão desta unidade. Então o diálogo. E nós não podemos perder também a dimensão da oração; Jesus mesmo pediu para que rezasse e pedisse essa unidade. Mas às vezes há grupos radicais que chega um momento em que tem que colocar até mesmo uma intervenção política ou de outros países para conter essa forma de perseguição que está, até mesmo, matando pessoas. Não é o ideal, mas num primeiro momento, talvez, seja uma forma de colocar limite a essas perseguições.

noticias.cancaonova.com – Referindo-se à violência no Iraque, o Papa Francisco afirmou uma vez que é lícito travar o agressor injusto quando há uma agressão injusta, ressaltando que não se trata de bombardear ou fazer guerra, mas travá-lo. Nesse sentido, qual é o papel da comunidade internacional, da força política propriamente dita, em utilizar de intervenções militares?

Padre Mário – Veja, isso é uma declaração do Papa que tem uma fundamentação no catecismo da Igreja Católica. Isso é uma expressão do próprio magistério, o magistério declara que se existe um líder ou um grupo que usa do poder para agredir, para violentar, para destruir, para matar outros grupos, é importante, é necessário e é lícito que aconteça uma intervenção internacional, que grupos com o a força possam ajudar aqueles que estão sofrendo, as minorias que estão sofrendo a violência, a perseguição. Então, uma intervenção política, uma intervenção até mesmo para conter essa forma que está agredindo tantas vidas, até mesmo vidas inocentes e vulneráveis na nossa sociedade hoje.

noticias.cancaonova.com – Para as pessoas do ocidente, essa, às vezes, parece uma realidade um pouco distante, já que não faz parte do cotidiano. Qual é o papel dos cristãos daqui em relação esses irmãos que sofrem em outros países?

Padre Mário – Eu penso em dois pontos. Claro, rezar, devemos num primeiro momento rezar, pedir ao Senhor que ilumine, que as pessoas tomem consciência. Segundo ponto: que também possamos cobrar de quem tem essa força, dos nossos governantes, para que eles também se manifestem e, através deles, haja intervenção nesses países. Então de um lado também cobrar dos nossos governos uma posição, que olhe por esses países, por essas pessoas, por esses grupos que estão sofrendo as perseguições.

noticias.cancaonova.com – Esse quadro de perseguição acaba dificultando um pouco o diálogo inter-religioso entre cristãos e muçulmanos. Como proceder nesses casos?

Padre Mário – Do nosso lado, da nossa parte como cristãos, nós temos que nos informar mais, nos informar melhor e a partir da informação, ver que existem instâncias hoje de diálogo inter-religioso, que existe uma boa convivência de nós cristãos, até mesmo nós católicos, com o islamismo, isso ajuda a compreender que não é a religião em si que está perseguindo, mas são grupos radicais. Então, primeiro ponto é informação. E segundo ponto é importante quebrarmos alguns preconceitos, porque se cria um preconceito de que todos aqueles membros do islamismo são perseguidores. Essa é uma concepção errada e, até mesmo, anticristã.

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