Educação e religião

Na fé, cada homem se descobre como pessoa

Vivemos num tempo de globalização, de pluralismo, de multiculturalidade e de Cidadania Universal. Assistimos a um agudizar do “individualismo” acompanhado de fortes tendências secularizadoras e materialistas.

Tendo em conta este contexto, a escola tornou-se um espaço de exigências acrescidas que apressaram a erosão de esquemas de funcionamento centrados essencialmente na instrução e realçaram preocupações relacionadas com a necessidade da educação “contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos e proporcionando-lhe um equilibrado desenvolvimento físico” (LBSE, Lei nº 49/005, artº3).

Falar em educação é, assim, abordar a questão dos valores, é reflectir sobre valores ético-morais e sobre a sua hierarquização. Nesta linha, as perguntas: para quê educar? e para quê ensinar valores? podem fundir-se numa só, pois têm a ver com as grandes finalidades da educação.

A educação com e para os valores implica, por isso, a ausência de fundamentalismos (não impor ou inculcar valores) e exige a humildade séria da reflexão, do diálogo, da cooperação e da honestidade. Estas exigências aplicam-se à educação e a todos os intervenientes nesse processo.

Escola e Religião

É aqui que se destaca (deve-se destacar) a presença do Ensino Religioso no contexto educativo estatal, ou, dito de outro modo, o Ensino Religioso Escolar (ERE) cujo objetivo principal é “suscitar e favorecer a harmonia pessoal”, ajudando “a formar pessoas felizes e realizadas” e a reconhecerem a “componente religiosa, como factor insubstituível para o seu crescimento em humanidade e em liberdade”, apresentando igualmente “a mensagem e o acontecimento cristão”.

A presença do Ensino Religioso nas escolas estatais (não se reduz à Escola Católica) não é, por isso, uma proposta educativa ambígua, nem neutra e afirma não ser possível um processo educativo sem referências, sem projecto e sem valores. Ao contrário de outras propostas “perdidas” num emaranhado de ideologias, (pre)conceitos, princípios e (pseudo)valores, o ERE assenta na visão cristã da pessoa e da sociedade (alicerces da civilização europeia) que se abre à universalidade e na Pessoa de Jesus Cristo (vida, exemplo, ensinamentos) como alicerces para a sua proposta educativa.

A escola do nosso tempo sabe que tem por tarefa primordial a formação da pessoa na sua totalidade e a plena maturidade das suas potencialidades.

Sabe também que a sua proposta educativa, para ser consistente, precisa de um enraizamento numa tradição de valores que lhe confira identidade e projecto.

A formação das pessoas, a começar pelas crianças, não se faz no vazio; precisa de promover todos os valores autênticos e perenes da humanidade e da civilização, onde naturalmente se integra a própria tradição cristã, portadora de uma mundividência própria que aponta um caminho preciso de realização humana numa constante abertura à Transcendência.

Neste contexto, o ERE dá um contributo específico para qualidade da educação que não se limita à dimensão instrucional, mas atende ao desenvolvimento global e integral da pessoa e à multiplicidade de todas as suas dimensões constitutivas.

Assume princípios fundamentais, tais como: a dignidade da pessoa humana, o carácter sagrado da vida, a fraternidade universal, a convivência pacífica, o serviço ao bem comum.

Promove a qualidade da relação pedagógica, a capacidade de ir mais longe, ultrapassar a perspectiva superficial e epidérmica das coisas e da vida e abrir os olhos dos jovens para a profundidade e interioridade das coisas e da vida.

Sinais dos tempos

O ERE propõe grelhas de leitura dos “sinais dos tempos”, ou seja, “instrumentos” que permitem aos alunos olhar para as mudanças que ocorrem no Mundo de hoje, procurando compreender as razões, as causas e as origens destas mesmas transformações. Apresenta uma visão crítica desta sociedade (visão profética), ajudando os alunos a fazerem uma leitura correcta desta e facilitando a sua inserção responsável no meio social. Não é nem pode ser apenas reprodutora do socialmente correcto, nem instigadora do revolucionariamente desejável

O essencial é, então, definir bem os valores e os objectivos (pedagógicos e humanistas) sobre os quais desejamos construir a nossa escola, não de uma forma abstracta num universo intemporal e desencarnado, mas na sociedade pluralista e multicultural de hoje, onde muitos jovens andam em busca de sentido. O ERE ousa propor a todos esses um sentido, um caminho. Não pode deixar de o fazer. Se o não fizer nega a razão da sua existência e a fonte da sua autenticidade.

O ERE deve ter, como afirma João Paulo II, “um objectivo comum: promover o conhecimento e o encontro com o conteúdo da fé cristã, segundo as finalidades e os métodos próprios da escola e, portanto, como facto de cultura. Esse ensino deverá fazer conhecer de maneira documentada e com espírito aberto ao diálogo, o património objetivo do Cristianismo, segundo a interpretação autêntica e integral que lhe é dada pela Igreja Católica, de modo a garantir quer o carácter científico do processo didático próprio da escola, quer o respeito pelas consciências dos alunos” (15 de Abril de 1991).

Pode, então, dizer-se que o ERE promove a criação de um espaço escolar que tem por base a pessoa, é fundada nas relações, baseada na esperança e no serviço aos outros. Coloca o cuidado antes da eficiência, as pessoas antes dos recursos, os outros antes do eu e a (com)paixão antes do desempenho. Estes termos não devem ser vistos como alternativas, mas trata-se de sublinhar o que é prioritário, sem a intenção de subestimar os outros.

Trata-se, portanto, de um contributo para fazer da escola uma verdadeira comunidade e de ajudar os jovens a desenvolverem a sua personalidade de forma global e harmoniosa. Nesta sua tarefa, serve-lhe de itinerário e ponto de referência a experiência do Povo da Aliança, chamado por Deus a encontrar a “salvação” na experiência da comunhão com Deus e com os outros homens reconhecidos como irmãos.

O ERE procura orientar a cultura humana para a realização da pessoa, possibilitando que o conhecimento, o mundo, a vida e a Humanidade sejam iluminados pela proposta cristá assente na fé em Cristo. E a fé é uma força profundamente personalizante, onde cada homem se descobre como pessoa. Assim, se educar foi sempre a arte mais nobre, “educar integralmente é o ideal mais ambicioso, já que procura obter a mais bela das maravilhas: uma pessoa humana bem formada” (CEP, 2002).

Portanto, em educação não está em causa a produção de objetos, em educação existe um sentido mais profundo que guia e orienta os esforços educativos: a formação integral da pessoa do aluno. Uma educação (uma escola) que quer realizar esta formação terá necessariamente por base a pessoa, fundar-se-á em relações, orientar-se-á pelo futuro da esperança e será alicerçada nos princípios da responsabilização e cooperação.

Neste âmbito, o ERE assume claramente uma perspectiva educativa Personalizadora, ou seja, centra-se na pessoa do aluno, contribui para que ele seja mais pessoa. Procura, na limitação das suas possibilidades, responder de forma pessoal aos ideais de cada aluno. Alimentar o sonho sem desfalecer. Deixar crescer o sonho de cada aluno de modo a que, de repente, este possa sentir que ele existe sem sonhar!

Que é tempo de lutar e de procurar a felicidade. Que é tempo de perceber a fragilidade da vida, que nasce de um sopro, de um desejo, e sentir a sua grandeza que lhe advém da força de querer não parar de viver. É ousar viver sem se limitar a repetir de forma estéril caminhos já traçados. Este é o desafio! Ensinar a sonhar. Ensinar a desfrutar o prazer do Saber e da Sabedoria. Erguer as mãos e ter o céu como horizonte. Ser pessoa a tempo inteiro.

Assim, poderá um projecto educativo de uma escola moderna, laica, aberta, estatal alhear-se do contributo que o ensino religioso pode dar para esse “desenvolvimento global” da personalidade dos jovens? Achamos que não, sob pena de a própria escola não atingir os objetivos e as finalidades que justificam a sua existência.

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