No Dia Internacional do Migrante, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos comenta desafios enfrentados por aqueles que deixam suas regiões de origem
Gabriel Fontana
Da Redação
“Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias podem sair livremente de qualquer Estado, incluindo o seu Estado de origem”. É o que assegura o artigo 8º da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias, recordada nesta quarta-feira, 18, data em que se comemora o Dia Internacional do Migrante.
Segundo o Relatório Mundial sobre Migração de 2024, publicado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), a estimativa das Nações Unidas é de que haja cerca de 281 milhões de migrantes internacionais no mundo, o que equivale a 3,6% da população global.
A diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), irmã Rosita Milesi, destaca que, no Brasil, o maior fluxo migratório é o de venezuelanos. Ela relata que, desde 2017, quando o governo federal passou a registrar a entrada e saída de migrantes, mais de um milhão de venezuelanos entraram no país – e desses, mais da metade permaneceu em solo brasileiro.
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Em relação ao número de refugiados reconhecidos, a maior parte também vem da Venezuela. No Brasil, há mais de 143 mil refugiados reconhecidos, segundo dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra). Esta quantidade representa um crescimento de 117,2% em comparação com o ano de 2022.
Desafios
Irmã Rosita aponta também as dificuldades enfrentadas pelos migrantes e refugiados. Do ponto de vista material, essas pessoas necessitam de alimentação, roupas, itens para as crianças, produtos de higiene, abrigamento, entre outros aspectos a serem supridos com urgência. “Embora exista a possibilidade de solicitar os apoios públicos, os benefícios não são imediatos, e isso faz com que transcorram meses a depender da caridade e vivendo em extrema precariedade”, sublinha.
A diretora do IMDH também frisa a urgência quanto à documentação. “Apesar de o Brasil oferecer muitas oportunidades de obter a documentação para a estada regular, é um desafio a ser enfrentado, para o qual é importante oferecer-lhes apoio, orientação e assistência jurídica. Enquanto providenciam esta documentação, não conseguem acessar os benefícios sociais”, sinaliza.
A religiosa cita ainda o acesso ao trabalho, a aprendizagem do idioma e a questão da moradia como outros desafios encarados pelos migrantes. “O IMDH, para colaborar no suprimento destas necessidades, atua em diferentes frentes, priorizando as de maior urgência, como é assistência social e a documentação para que tenham acesso aos benefícios sociais, bem como a integração ao trabalho e geração de renda”, afirma.
Completando 25 anos em 2024, o IMDH atende anualmente, em média, de 10 a 12 mil pessoas migrantes e refugiadas. Para a irmã Rosita, esta é uma dimensão de bem que leva a expressar o agradecimento a Deus e celebrar a existência do instituto por este serviço prestado a pessoas em situação de alta vulnerabilidade.
Acolhida
A diretora do IMDH recorda a Bula de proclamação do Jubileu 2025 emitida pelo Papa Francisco em maio deste ano. Nela, o Pontífice escreve, em relação aos migrantes, “que as suas expectativas não sejam frustradas por preconceitos e isolamentos”. De fato, a religiosa reconhece que a xenofobia, a rejeição e a discriminação são preconceitos que devem ser superados em qualquer ambiente e em qualquer situação.
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“Tenho acompanhado, em meus longos anos de trabalho junto aos migrantes e refugiados, muitas situações tristes, lamentáveis, onde os migrantes com lágrimas nos olhos me expressaram a tristeza de sofrer preconceitos, demonstrações de rejeição e xenofobia. Isto faz com que as pessoas desanimem, se isolem e, em consequência, agravam as dificuldades de integração”, partilha.
Diante disso, a irmã Rosita salienta a importância de promover cada vez mais a visão positiva em relação aos que chegam ao país, pois a grande maioria, na atualidade, não vem a passeio ou turismo, mas se desloca num processo migratório forçado, provocado por diversas causas. “E estas pessoas chegam com muita esperança de recomeçar sua trajetória, dispostas a trabalhar e a contribuir positivamente com a sociedade de acolhida”, acrescenta.
A religiosa aponta que a acolhida aos migrantes e refugiados requer empatia e escuta ativa. “Este deve ser o método habitual quando se trata de dar à pessoa a atenção que merece como ser humano”, cita a diretora do IMDH, “a acolhida deve ser uma expressão sincera e transparente de amor, de verdadeiro reconhecimento que estamos tratando a pessoa que chega, independente de nacionalidade, de raça, de religião, como um ser humano integrante da família humana, à qual todos pertencemos”.
Testemunho
Vinda do Haiti, Gloriane Antoine migrou para o Brasil em 2012 por medo do futuro dos filhos após o terremoto que atingiu o país centroamericano dois anos antes. Professora por formação, ela também é a fundadora e atual presidente de uma associação em prol de migrantes e refugiados.
Ela recorda que conheceu a irmã Rosita e o IMDH em uma mesa promovida pelo Ministério da Justiça. A partir daquele dia, surgiu uma parceria entre ambas, e Gloriane destaca a acolhida recebida. “Ela foi a primeira pessoa que chegou até mim, me ouviu, me questionou e perguntou o que eu preciso e me ajudou sem nenhuma necessidade de troca”, partilha.
Se por um lado Gloriane exalta o acolhimento recebido no Brasil, “o melhor do mundo” se comparado ao que seus amigos receberam em outros países, ela também reconhece que existe o preconceito na integração social, econômica e intelectual.
“Eu me conformo, porque se eu não me conformar, eu vou me quebrar. Eu não sei como fugir, porque eu tenho meus filhos e não tenho dinheiro suficiente para fugir. Mas, falando por mim, aqui é melhor do que os outros lugares que meus amigos foram. Então, eu estou fazendo tudo para me adaptar depois de 12 anos aqui no Brasil”, expressa Gloriane.
Ela também alerta para a cultura do descarte, denunciando a visão do ser humano enquanto algo descartável. Neste sentido, Gloriane enfatiza o trabalho realizado por associações dedicadas a amenizar a dor de cada ser humano. “A Terra é para o ser humano, mas não é um país para cada grupo”, conclui.