"Celebramos ontem a Cruz de Cristo, instrumento de nossa salvação, que nos revela em plenitude a misericórdia de nosso Deus. A Cruz é, de fato, o lugar em que se manifesta de modo perfeito a compaixão de Deus por nosso mundo. Hoje, celebrando a memória da Nossa Senhora das Dores, contemplamos Maria, que divide a compaixão do Filho pelos pecadores. Como afirmava São Bernardo, a Mãe de Cristo entrou na Paixão do Filho mediante a sua compaixão.
Aos pés da Cruz, se realiza a profecia de Simão: seu coração de Mãe é transpassado pelo suplício imposto ao Inocente, nascido de sua carne. Como Jesus chorou, Maria também certamente chorou diante do corpo torturado do Filho. Sua discrição, todavia, nos impede de medir a dimensão de sua dor; a profundidade desta aflição é apenas sugerida pelo símbolo tradicional das sete espadas. Como por seu Filho Jesus, é possível afirmar que este sofrimento a levou também à perfeição, de modo a torná-la capaz de acolher a nova missão espiritual que o Filho lhe confia imediatamente antes de ‘entregar o espírito’: tornar-se a Mãe do Corpo de Cristo, através de seus membros. Nesta hora, através da figura do discípulo amado, Jesus apresenta cada um de seus discípulos à Mãe, dizendo: “Eis o teu filho”.
Maria está hoje na alegria e na glória da Ressurreição. As lagrimas derramadas aos pés da Cruz se transformaram em sorriso, que nada jamais apagará, mesmo permanecendo intacta a sua compaixão materna por nós. A intervenção assistencial da Virgem Maria no curso da história o comprova e não deixa de suscitar, no Povo de Deus, uma intimidade que não tem limites: a oração do ‘Lembrai-vos’, expressa muito bem este sentimento. Maria ama cada um de seus filhos, concentrando em especial sua atenção naqueles que, como seu Filho, na hora da Paixão, estão sofrendo, os ama simplesmente porque são seus filhos, segundo a vontade de Cristo na Cruz.
O Salmista, entrevendo de longe esta ligação que une a Mãe de Cristo e os fiéis do povo, profetiza, a este respeito da Virgem Maria: “os mais ricos do povo buscarão o seu sorriso”. Assim, solicitados pela Palavra inspirada na Escritura, os cristãos, desde sempre, procuraram o sorriso de Nossa Senhora, aquele sorriso que os artistas, na Idade Média, souberam retratar e valorizar tão prodigiosamente. Este sorriso de Maria é para todos: todavia, ele se dirige de modo especial, àqueles que sofrem, a fim de que possam encontrar alivio e conforto. Procurar o sorriso de Maria não é questão de sentimentalismo devoto ou antiquado; é mais do que isso, a justa expressão da relação viva e profundamente humana que nos une a Àquela que Cristo nos doou como Mãe.
Desejar contemplar este sorriso da Virgem não significa deixar-se dominar por uma imaginação controlada. A própria Escritura nos revela este sorriso nos lábios de Maria, quando ela canta o Magnificat: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador”. Quando a Virgem Maria dá graças ao Senhor, faz de nós testemunhas. Maria compartilha, antecipando, com os futuros filhos, que somos nós, a alegria que habita em seu coração, para que tal alegria se torna também nossa. Toda proclamação do Magnificat faz de nós testemunhas de seu sorriso. Aqui em Lourdes, nas aparições de 3 de março de 1858, Bernadette contemplou de modo todo especial este sorriso de Maria. Foi esta a primeira resposta que a Bela Senhora deu à jovem vidente, que queria conhecer sua identidade. Antes de se apresentar a ela, alguns dias depois, como a Imaculada Conceição, Maria fez-lhe conhecer antes de tudo o seu sorriso, como se ele fosse uma porta de acesso apropriada para a revelação de seu mistério.
No sorriso da mais eminente entre todas as criaturas, que se dirige a nós, reflete-se toda a nossa dignidade de filhos de Deus, uma dignidade que não abandona jamais quem está doente. Aquele sorriso, verdadeiro reflexo da ternura de Deus, é a fonte de uma esperança invencível. Nós sabemos, infelizmente, que o sofrimento prolongado rompe os equilíbrios, mesmo muito consolidados, da vida, abala as mais firmes certezas da confiança, e chega, por vezes, a dispersar o sentido e o valor da vida. Existem batalhas que o homem não pode combater sozinho, sem a ajuda da graça divina.
Quando a palavra não sabe mais encontrar expressões adequadas, afirma-se a necessidade de uma presença carinhosa: procuramos, então, a proximidade não apenas das pessoas que nos são ligadas por relações de sangue ou de amizade, mas a proximidade também daqueles que se unem a nós através da fé. Quem pode ser mais íntimo de Cristo do que sua Santa Mãe, a Imaculada? Mais do que qualquer outro, eles são capazes de nos compreender e colher a dificuldade da batalha em curso contra o mal e o sofrimento. A Carta aos Hebreus afirma, a respeito de Cristo, que ele não é incapaz de “compadecer-se das nossas fraquezas; ao contrário, passou pelas mesmas provações que nós”. Gostaria de dizer, humildemente, para aqueles que sofrem e para aqueles que lutam e que estão tentados a dar as costas à vida: voltem-se a Maria! No sorriso da Virgem, encontra-se misteriosamente escondida a força para prosseguir o combate contra a doença e em favor da vida. N’Ela, encontra-se também a graça de aceitar sem temor nem amarguras a despedida deste mundo, na hora em que Deus quiser.
Como era certa aquela intuição da bela figura espiritual francesa de Dom Jean-Baptiste Chautard, aquele que na “Alma de todo Apostolado’ oferecia ao fervoroso cristão freqüentes encontros de olhar com a Virgem Maria! Sim, procurar o sorriso da Virgem Maria não é mais um piedoso infantilismo. É uma inspiração, diz o Salmo 44, daqueles que são ‘os mais ricos do povo’. Os ‘mais ricos’, entende-se, na ordem da fé, são aqueles que têm a maturidade espiritual mais elevada e sabem, por isso, reconhecer suas fragilidades e sua pobreza diante de Deus. Naquela manifestação muito simples de ternura que é o sorriso, percebemos que a nossa única riqueza é o amor que Deus tem por nós, e que passa através do coração daquela que se tornou nossa Mãe.
Procurar este sorriso significa antes de tudo colher a gratuidade do amor; significa também saber suscitar este sorriso com o nosso compromisso em viver segundo a palavra de seu Filho predileto, assim como a criança tenta suscitar o sorriso da mãe, fazendo aquilo que ela gosta. E nós sabemos aquilo de que Maria gosta, graças às palavras que ela mesma dirigiu aos servos de Caná: “Façam aquilo que Ele vos disser”.
O sorriso de Maria é uma fonte de água viva. “Quem acredita em mim – disse Jesus – rios de água viva jorrarão de seu ventre”. Maria é aquela que acreditou, e, do seu ventre, jorraram rios de água viva que hoje irrigam a história dos homens. A fonte indicada por Maria a Bernadette, aqui em Lourdes, é o humilde sinal desta realidade espiritual. De seu coração de fiel e de Mãe, jorra uma água viva, que purifica e cura. Imergindo-se nas piscinas de Lourdes, quantos já descobriram e experimentaram a doce maternidade da Virgem Maria, aproximando-se dela para melhor aproximarem-se do Senhor!
Na seqüência litúrgica deste dia de Nossa Senhora das Dores, Maria está sendo honrada com o título de ‘Fons amoris’, fonte de amor. Do coração de Maria, brota, com efeito, um amor gratuito que desperta uma resposta filial. Como toda mãe, e melhor do que qualquer mãe, Maria é a educadora do amor. É por isso que tantos doentes vêm aqui, a Lourdes, para beber nesta Fonte de Amor, e para deixar-se conduzir pela única fonte da salvação, Seu Filho, Jesus Salvador.
Cristo dispensa a sua salvação através dos sacramentos, e de modo especial, ás pessoas que sofrem de doenças, ou portadoras de deficiências, através da graça da Unção aos enfermos. Para cada um deles, o sofrimento é sempre um ‘estrangeiro’. Sua presença nunca pode ser ‘domesticada’. Por isso, é mais difícil suportá-la, e ainda mais difícil – como fizeram certas grandes testemunhas da santidade de Cristo – acolhê-la como parte integrante da própria vocação, ou aceitar, segundo a expressão de Bernadette, de ‘tudo sofrer em silêncio, para agradar ao Senhor’.
Para poder dizer isso, é necessário ter já percorrido um longo caminho de união com Jesus. Em compensação, é possível já imediatamente dispor-se à misericórdia de Deus, assim como ela se manifesta mediante a graça do Sacramento dos enfermos. A própria Bernadette, no curso de uma existência freqüentemente marcada pela doença, recebeu este Sacramento quatro vezes. A graça própria do Sacramento consiste em acolher em si Cristo médico. Cristo, todavia, não é médico como em nosso mundo. Para curar-nos, ele não fica de fora do sofrimento que sentimos; o alivia indo habitar na pessoa atingida pela doença, para suportá-la e vivê-la com ela. A presença de Cristo rompe o isolamento que a dor provoca. O homem não leva mais sozinho a sua provação, mas, como um membro de Cristo que sofre, se conforma a Ele que se oferece ao Pai, e n’Ele participa do parto da nova criação.
Sem a ajuda do Senhor, a opressão da doença e do sofrimento é cruelmente dura. Ao receber o Sacramento dos enfermos, nós não desejamos levar outro jugo do que o de Cristo, pois cremos na promessa, que Ele nos fez, de que seu jugo é suave e seu peso é leve. Convido as pessoas que receberão a Unção dos enfermos durante esta Missa a ter uma esperança como esta.
O Concílio Vaticano II apresentou Maria como a figura na qual está sintetizado todo o mistério da Igreja. Sua história pessoal re-propõe o perfil da Igreja, que é convidada a estar atenta como ela, às pessoas que sofrem. Dirijo uma saudação afetuosa aos componentes do Serviço sanitário e de enfermagem, assim como a todas as pessoas que, com várias funções, em hospitais e outras instituições, contribuem nos cuidados dos doentes com competência e generosidade. Da mesma forma, ao pessoal de acolhimento, aos maqueiros e acompanhantes que, provenientes de todas as dioceses da França e de países distantes, se dedicam, durante todo o ano, aos doentes que vêm peregrinos, à Lourdes.
Gostaria de lhes dizer que seu serviço é precioso. Eles são os braços da Igreja, serva humilde. Enfim, desejo encorajar aqueles que, em nome de sua fé, acolhem e visitam os doentes, especialmente em capelanias de hospitais, paróquias, ou como aqui, em Santuários. Que vocês possam sentir sempre nesta importante e delicada missão o apoio eficaz e fraterno de suas comunidades!
O serviço da caridade que vocês oferecem é um serviço mariano. Maria lhes confia seu sorriso, a fim que se tornem vocês mesmos, na fidelidade a seu Filho, fontes de água viva. O que vocês fazem o fazem em nome da Igreja, da qual Maria é a pura imagem. Que vocês possam levar seu sorriso a todos!
Concluindo, desejo me unir à oração dos peregrinos e dos doentes e retomar, junto com vocês, um trecho da oração a Maria, para a celebração deste Jubileu: “Pois você é o sorriso de Deus; o reflexo da luz de Cristo, a moradia do Espírito Santo, Pois você escolheu Bernadete em sua miséria, você que é a estrela da manhã, a porta do céu e a primeira criatura ressuscitada, Nossa Senhora de Lourdes, com nossos irmãos e nossas irmãs, cujos corações e corpos estão adoecidos, nós lhe pedimos!”.