Homilia do bispo de David, no Panamá, Dom José Luis Lacunza, na missa da Conferência de Aparecida (SP), nesta quarta-feira, dia 23.
Queridas irmãs e queridos irmãos, no Brasil e em vários outros países da América Latina e do Caribe, os oito dias de oração pela unidade dos cristãos se realiza nessa semana prévia à Solenidade de Pentecostes.
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Estando reunidos na V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, é justo que dediquemos uma de nossas celebrações para rezar de uma maneira especial, fazendo nosso o pedido de Jesus na Última Ceia: "Que todos sejam um"; "Ut unum sint".
O servo de Deus, João Paulo II, em sua encíclica Ut Unum Sint, explicava o sentido da oração do Senhor. "Jesus mesmo, antes da sua Paixão, rezou para que todos sejam um. Esta unidade que o Senhor deu à sua Igreja, com a qual quer abraçar a todos, não é acessória, mas está no centro mesmo de sua obra. Não equivale a um atributo secundário da comunidade de seus discípulos; ao contrário, pertence ao ser próprio da comunidade. Deus quer a Igreja porque quer a unidade, e na unidade se expressa toda a profundidade de seu "ágape". De fato, a unidade dada pelo Espírito Santo não consiste simplesmente em se encontrar juntas algumas pessoas que se somam umas com as outras. É uma unidade constituída pelos vínculos da profissão da fé, pelos sacramentos e pela comunhão hierárquica. Os fiéis são um porque no Espírito estão em comunhão com o Filho, e n'Ele, em comunhão com o Pai. E nós estamos em comunhão com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.
Assim, pois, continuava o Santo Padre, para a Igreja Católica, a comunhão dos cristãos não é mais do que a manifestação da graça, por meio da qual Deus nos faz participantes de sua própria comunhão, que é a sua vida eterna. As palavras de Cristo, "que todos sejam um", são, pois, a oração dirigida ao Pai para que o seu desígnio se cumpra plenamente, de modo que brilhe aos olhos de todos, como foi dispensado o mistério escondido desde os séculos em Deus, Criador de todas as coisas.
Crer em Cristo significa querer a unidade; e querer a unidade significa querer a Igreja; e querer a Igreja significa querer a comunhão da graça que corresponde ao desígnio do Pai, desde toda a eternidade. Isto é o significado da oração de Cristo: 'Ut unum sint'".
Santo Agostinho dizia em frase, que tem sido encontrada em documentos oficiais da Igreja, que a Eucaristia é Sacramento de piedade, sinal de unidade e vínculo de caridade. Que melhor momento, pois, para sentir saudades da unidade perdida, quando nos reunimos em torno da mesa do Senhor? A participar do "pão da unidade", é aqui e neste momento, quando sentimos que a mesa não está completa, que há lugares vazios. E que momento melhor para sentir a necessidade e a urgência de nos comprometermos a pôr todas as nossas energias para recuperar a unidade perdida. Não é verdade que, aqui e agora, todos nós sentimos uma mistura de dor e anelo?
Eis o que expressava o Papa Bento XVI na Sacramentum Caritatis, ao falar da participação na Eucaritia: "A tratar o tema da participação nos encontramos inevitavelmente com os cristãos pertencentes a igrejas e suas comunidades eclesiaisque não estão em plena comunhão com a Igreja Católica. A este respeito se há de dizer que a união intrínseca que se dá entre a Eucaristia e a unidade da Igreja nos leva a desejar ardentemente, por um lado, o dia em que poderemos celebrar juntos com todos os fiéis em Cristo a Divina Eucaristia e expressar assim visivelmente a plenitude da unidade que Cristo desejou para seus discípulos. Por outro lado, o respeito que devemos ao Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo, nos impede de fazer d'Ele um simples meio que se usa indiscriminadamente para alcançar essa mesma unidade. De fato, a Eucaristia não somente manifesta a nossa comunhão pessoal com Cristo, mas também implica a plena comunhão com a Igreja".
Este é o motivo pelo qual, com dor, mas não sem esperança, pedimos aos cristãos não-católicos que compreendam e respeitem nossa convicção baseada na Bíblia e na tradição. Nós sustentamos que a comunhão eucarística e a comunhão eclesial se correspondem tão intrinsecamente que se faz impossível de modo geral, por parte dos cristãos não-católicos, a participação em uma sem ter a outra.
O apóstolo, na despedida de Mileto, que escutamos na primeira leitura, sente a angústia pela sorte da Igreja, que adquirida com o Sangue de seu próprio Filho, é uma realidade tão preciosa que deve provocar uma grande responsabilidade daqueles que a presidem, os quais devem vigiar dia e noite, e com lágrimas, para preservar o rebanho.
Algo assim nos recorda o Diretório para o Ministério Pastoral dos Bispos: "Que o bispo estenda seu zelo e a sua caridade pastoral aos membros das Igrejas e comunidades cristãs não-católicas para as quais ele promoverá a formação ecumênica de todos os membros da comunidade, favorecerá o exercício prático do ecumenismo e a colaboração ecumênica com outros cristãos".
Não isenta desta mesma dor e desta mesma angústia, aparecem as palavras do Concílio: "No entanto, as divisões dos cristãos impedem que a Igreja leve, de fato, a sua própria plenitude de catolicidade naqueles filhos que estando verdadeiramente incorporados a ela pelo batismo, estão, no entanto, separados de sua plena comunhão. Mas ainda a mesma Igreja lhe resulta muito difícil expressar, em todos os aspectos, na realidade mesma da vida a plenitude da catolicidade.
Este Sacro Santo Concílio mostra, com gozo, que a participação dos fiéis católicos na ação ecumênica cresce a cada dia, e a recomenda aos bispos de todo o mundo que a promovam com diligência e a dirijam prudentemente.
A V Conferência Geral de Aparecida quer ser um novo Pentecostes para essa Igreja da América Latina e do Caribe. É significativo que como no primeiro Pentecostes estejamos reunidos com a nossa Mãe, Maria. Cada uma de nossas Igrejas vive ao redor de Maria nas suas distintas denominações. Os panamenhos e panamenhas a veneramos com o titulo de Santa Maria A Antiga, em lembrança da imagem que chegou ao Panama pela primeira vez e que deu nome a primeira Igreja de terra firme, da qual é herdeira e sucessora a arquidiocese do Panamá. É curioso que muitas vezes a figura de Maria tem sido posta ou usada como contraponto para a ação ecumênica. Mas termino com uma dupla consideração, a primeira de índole teológica: Maria é o primeiro critério de autenticidade cristológica, não foi à toa que quando a Igreja quis definir a realidade de Cristo, no Concílio de Efeso, promulgou que Maria é a "Teotokos", a Mãe de Deus. Com razão, Santo Agostinho dizia: "Se a mãe é falsa, é falso o Filho, e se é falso o Filho, tudo é falso. É falsa a sua morte, a sua ressurreição, a Igreja, os sacramentos, a redenção".
A segunda consideração é de índole sentimental. Na linguagem popular podemos dizer que no final dos tempos, na porta do céu, estará São Pedro, com o livro da vida nas mãos, vendo quem é digno de entrar no Reino dos céus. Mas com todo respeito a São Pedro, eu creio que isso não será assim. Creio que quem estará na porta será Maria, dando-nos, a todos, o seu abraço e beijo maternal, dizendo-nos boas- vindas à casa do Pai. Que ela dê a cada um de nós entranhas maternais para sentir a urgência de nos reunirmos todos, sem falsos irenismos, ao redor da mesa do Senhor. Amém.