Religião não é o problema

Fundamentalismo religioso e islamismo: saiba mais sobre o assunto

Os países em que predomina o ponto de vista de grupos fundamentalistas majoritários costumam servir de cenário para alguns dos embates mais tensos e profundos enfrentados pelas minorias religiosas.

Um dos casos recentes mais emblemáticos da instrumentalização de princípios religiosos por esses grupos é a Lei da Blasfêmia, em vigor no Paquistão, usada para provocar injustiças e violências contra as minorias.

"O peso particular de uma determinada religião numa nação não deveria jamais implicar que os cidadãos pertencentes a outra confissão fossem discriminados na vida social ou, pior ainda, que se tolerasse a violência contra eles", disse o Papa Bento XVI, em um recente encontro com integrantes do Corpo Diplomático creditado junto à Santa Sé, citando a Lei como exemplo de norma que lesa o direito à liberdade religiosa.

Esse tipo de fenômeno fundamentalista é comumente percebido em países de maioria muçulmana, nos quais, muitas vezes, a sharia  – código de leis do islamismo – também é tida como a lei oficial do Estado. Dessa forma, crentes de religiões minoritárias são tidos como cidadãos de segunda classe e não tem direitos respeitados.

Nesse sentido, é preciso evidenciar as distintas correntes interpretativas no interior do próprio Islã e entender o que significa o fundamentalismo.

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Na próxima semana, confira uma reportagem especial com doutores na área de Ciências da Religião. Eles indicarão vias para o diálogo e convivência entre crentes de diferentes tradições religiosas.

Fundamentalismo

De acordo com a doutora em Ciências da Religião e professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Irene Dias de Oliveira, o fundamentalismo é algo comum a todas as religiões, na medida em que cada uma se fundamenta em textos sagrados, doutrinas, objetos e outros elementos. No caso das grandes religiões históricas monoteístas – cristianismo, islamismo, judaísmo -, esse fundamento estaria no texto sagrado, no Livro.

"Todos são fundamentalistas enquanto bebem desse fundamento, buscam ali sua identidade, seu fundamento doutrinário. Essa é uma das explicações", afirma.

No entanto, a doutora ressalva que a questão se torna perigosa quando se trata de outro viés, ou seja, quando se quer obrigar todas as outras pessoas a terem a mesma crença e acreditarem nos mesmos princípios. É aí que se parte para a questão da violência.

"Esse fundamentalismo cresce devido à concepção de Deus, de Absoluto, somada com um certo medo do relativismo. A lógica é: 'Como minha concepção é verdadeira e tenho medo do relativismo, acabo querendo impor minha verdade, minha perspectiva e noção de Deus para os outros'", elucida o doutor em Ciências da Religião e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Roberlei Panasiewicz.

Nesse cenário, a grande saída é o relacional. "Quanto mais [os crentes de distintas religiões] se relacionarem, melhor será a percepção deles sobre o absoluto. Cada religião tem sua percepção a partir de seu horizonte cultural, de onde ela está vinculada. Quanto mais conversarem entre si, melhor e maior será a percepção desse absoluto, desse sagrado", diz Panasiewicz.

Islamismo

A doutora Irene Dias explica que existem dois grandes movimentos interpretativos no âmbito do islamismo:

 – Sunismo (sunitas) – seriam os mais moderados;
 – Xiismo (xiitas) – seriam os mais radicais. Segundo algumas interpretações sociológicas, tem como princípio uma reação muito forte ao modelo político ocidental, que tenta penetrar nos estados árabes, muçulmanos.

"Desde o Aiatolá Khomeini [autoridade religiosa xiita iraniana, líder espiritual e político da Revolução Iraniana de 1979, considerado fundador do moderno Estado xiita], começou de modo mais enfático esse movimento da população contra o ocidente, visto como Satã. Isso inclui tudo o que ele representa, como as religiões ocidentais, de modo especial o cristianismo", explica Irene.

Isso não significa que todos os muçulmanos sejam terroristas ou violentos. Na verdade, esses são uma minoria no âmbitos dos países islâmicos, bem como também não é a ampla maioria os que lutam contra outros espaços religiosos. Doutora Irene lembra que, na história das religiões, sempre houve movimentos fundamentalistas, como no próprio cristianismo.

"O problema não é a religião em si – espaço no qual o sagrado se apresenta, e se apresenta a partir de determinadas culturas que, por sua vez, se apropriam dessa dimensão ou experiência sagrada e transmitem essa experiência através de uma linguagem. Sempre há esse proceso de tradução, que a implica subjetividade humana. Por sua vez, isso implica uma interpretação; daí a necessidade do cuidado e zelo nesses processos interpretativos".

De acordo com esse entendimento, a violência não decorre do princípio religioso fundante, mas sempre da interpretação que alguns membros, adeptos, grupos de teólogos fazem das doutrinas e dos fundamentos. Esse é o risco.

"A religião em si não promove violência, mas as pessoas, com suas subjetivdades, características, psicologias, interesses [políticos, culturais, sociológicos]", finaliza a doutora.

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