Prioridade de saúde

Especialista explica como lidar com a epidemia de solidão

Dados da OMS apontam que a solidão se tornou uma epidemia global e se tornou uma prioridade de saúde a ser combatida em todo o mundo

Thiago Coutinho
Da redação

De acordo com pesquisa da Meta-Gallup, feita em 142 países, uma em cada quatro pessoas no mundo se sente só / Foto: Resat Kuleli por Unsplash

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra.” Esse pequeno fragmento do poema assinado pelo poeta inglês John Mayra Donne retrata bem a condição humana: ninguém é absolutamente só. A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu isso e tornou a solidão uma prioridade de saúde global. E para corroborar com essa ideia, segundo uma pesquisa realizada pela Meta-Gallup feita em 142 países, uma em cada quatro pessoas no mundo se sente só.

Ainda segundo a pesquisa, adultos jovens (faixa etária de 19 a 29 anos) são os mais suscetíveis a este sentimento de solidão — 27% deste grupo se sente “muito ou bastante solitário”. Pode parecer um contrassenso um mundo cada vez mais conectado pela internet e as redes sociais padecer dessa sensação de isolamento.

“As pessoas se fecham muito com as imagens mostradas pelo celular, elas não saem para viver o mundo”, explica Patrícia Rocha, psicóloga analítica que trabalha com esta vertente há mais de dez anos. “É como o mito da caverna [metáfora criada pelo filósofo grego Platão, que explica a ignorância vivida pelos seres humanos que são aprisionados pelos preconceitos que impedem o conhecimento da verdade], em que as pessoas ficam de costas à realidade, idealizando uma vida que não existe. E isso causa solidão e uma exigência de necessidade de busca do outro, quando não sabem nem exatamente quem são”.

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O que pode contribuir para que as pessoas deixem este quadro, segundo Patrícia, é a terapia. “As pessoas postam, em redes, sociais o que querem. Quando a pessoa, de certa forma, é realista, também é um pouco depressiva. Porque essas pessoas ficam com uma necessidade de atenção das redes sociais, usam-na como terapia, como busca de conhecimento, de tudo, de uma situação que não é real”, alerta.

Busca inadequada

A busca das pessoas, segundo a psicóloga, é sanar um vazio interno. Mas a solução não será feita por meio do “externo”. “A pessoa precisa saber quem é. E isso só pode ser feito buscando quem se é. E o melhor meio para isso é a terapia”, aconselha.

Neste ponto, ela critica o excesso de profissionais que buscam soluções mais rápidas, por não serem as mais adequadas para quem busca entender os males da solidão. “Eles geralmente se aproveitam desta brecha para buscar pessoas que têm pressa — mas não existe pressa. Não tem como ter isso. A pessoa vive uma vida instalando um problema e, quando se dá conta, quer perder tudo de uma vez. É como peso: leva-se tempo para engordar e, quando quer perder, quer em um dia”, afirma.

Solidão × solitude

Mariana Lopes, 25, admite não saber lidar com a solidão / Foto: Arquivo pessoal

Existem pessoas que sentem um vazio inexplicável e não conseguem lidar com isso. Por outro lado, outras vivem bem sozinhas e conseguem se adaptar a essa realidade sem traumas. Eis a diferença entre indivíduos solitários e indivíduos que vivem a solitude. “Na solidão, o indivíduo sente um vazio. Por mais que esteja entre várias pessoas, sente que não se encaixa. Na solitude, a pessoa se sente bem consigo. Se precisa ficar um sábado à noite em casa, não se sentirá mal em estar sozinho”, explica Patrícia.

Mariana Lopes, 25, Instrutora de Treinamento, sentiu o peso da solidão quando, aos 22 anos, decidiu morar sozinha por conta do relacionamento conflituoso que vivia com seu pai. “Eu me sinto bem solitária em alguns momentos, porque morava com bastante gente em casa”, lembra. “De certa forma, eu me acostumei a compartilhar e viver sempre com pessoas ao redor. Hoje, morando sozinha, sinto falta de partilhar momentos do trabalho, da faculdade, das programações que fazíamos juntas. Comecei a sentir esse incômodo quando arquei com todas as responsabilidades que tive ao morar sozinha como finanças, imprevistos do lar etc.”

A artista plástica e designer de interiores Daniela Regina Teixeira explica como a terapia a ajudou a superar a solidão / Foto: Arquivo pessoal

A jovem admite que a terapia foi fundamental para conseguir enfrentar certas situações quando decidiu morar sozinha. “Entendo que foi necessário sair de casa e não me arrependo, mesmo ainda não gostando”, diz.

Já Daniela Regina Teixeira, 50, artista plástica e designer de interiores, passou por alguns revezes durante sua vida — o principal deles foi o divórcio de um casamento que durou 23 anos. Após algumas crises de depressão, ansiedade e até pânico, Daniela resolveu procurar a terapia. Foi então que aprendeu a conviver bem sozinha. “Trabalho muito até para não me sentir só. Não sentir solidão, mas sim ficar bem na minha solitude”, reitera.

A solidão, explica a psicóloga, causa um vazio. “Nada está bom. Mesmo que a pessoa tenha a companhia de outra pessoa, se esta companhia não for de acordo com sua idealização, nada será bom”, relata Patrícia. “A solitude é um bem-estar em que se as coisas não acontecem, está tudo bem. Causará uma tristeza, algo nato do ser humano, mas está tudo bem”.

A falta de controle

Durante a pandemia, o isolamento social se tornou uma premissa para a sobrevivência da humanidade. Muitos souberam lidar com isso — mas muitos também não e se perderam. A natureza é imprevisível e uma pandemia, segundo a ciência, pode vir à tona quando a humanidade menos esperar. Como, então, comportar-se em situações extremas como as impostas pela pandemia?

“É uma questão complexa, porque temos que lidar diretamente com autoconhecimento, consciência, inconsciente e ego”, atenta a psicóloga. “Não temos como controlar nada nessa vida. E o contato físico é importante, porque cada pessoa tem a sua maneira de lidar com o afeto. Mas, na iminência da falta de afeto, existe uma estrutura psíquica que podemos pegar ou não. E o ego faz com que isso se torne muito latente, a pessoa não consegue nunca lidar com um ‘não’. Tudo será um problema. Quando é necessário limite, você não tem. Não é o limite de autoritarismo, mas o limite de si mesmo”, pondera.

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Disparidade de idades e ideias

A pesquisa realizada pela Meta-Gallup, citada no início do texto, revelou ainda que adultos jovens (19 a 29 anos) são os que mais se sentem sozinhos, ao passo que a maioria das pessoas com 45 anos ou mais diz não se sentir solitária. E menos da metade das pessoas abaixo dos 45 anos afirma o mesmo. Para a especialista, isso se dá pela pouca vivência e, consequentemente, experiência dos mais jovens.

“Essas pessoas, normalmente, não têm a estrutura psicológica formada, a grande questão é essa”, finaliza.

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